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No início da pesquisa indagamos o porquê da mudança. A proposta foi criada a partir de um crescente incômodo que os professores sentiam em seu cotidiano ao lidar com questões como indisciplina, baixo rendimento na aprendizagem e evasão escolar. Tudo começou em 2014, com o desenvolvimento dos projetos Mais Educação Federal e Mais Educação São Paulo36, implementados pelo Ministério da Educação (MEC). Os projetos trouxeram para a escola a possibilidade de desenvolver oficinas de dança, teatro, xadrez, entre outras, criando um ambiente “mais calmo” que trouxe aos alunos a satisfação de estar na escola. De acordo com os professores, o Mais Educação impactou diretamente a redução do índice de indisciplina, de depredação e de conflitos entre professores e alunos.

As oficinas eram desenvolvidas no contraturno das aulas, por oficineiros contratados pela escola com a verba destinada do MEC e SME, mas a grande maioria

36Essa política pública foi instituída por meio da Portaria Interministerial nº 17 e regulamentado pelo Decreto nº

7.083/2010. De âmbito federal, nasce a partir da busca pela melhoria da desigualdade educacional no Brasil, que integra o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), tendo em seu princípio fundante a Educação Integral, construindo com propostas de ações interministeriais, que têm como objetivo “a diminuição das desigualdades educacionais, e a valorização da diversidade cultural brasileira” (MEC2013). Para tanto, busca promover a educação integral, como colocado no documento abaixo: “a diminuição das desigualdades educacionais, e a valorização da diversidade cultural brasileira” (MEC, 2013).

131 das atividades foi desenvolvida pelos próprios professores. Com o desenrolar das oficinas, os professores passaram a observar uma harmonia nos horários destinados aos projetos, enquanto os conflitos continuavam intensos no horário de aula. Comprovaram que tanto os alunos como também os professores agiam de formas muito distintas nos diferentes espaços. No contraturno, os professores conseguiam executar suas propostas e os alunos demonstravam interesse e participavam, já na sala de aula não ocorria o mesmo. Após discutir sobre esse cenário, os professores chegaram à seguinte conclusão:

[...] a escola tinha mudado, hoje tá confortável, mas a sala de aula continuava péssima e dura, com matéria na lousa, copia o texto e responde duas perguntas, e três alunos fazem e 25 não fazem, a gente correndo para o tempo passar logo, demorando para chegar na sala, demora mais dez minutos pra fazer a chamada, passa uma matéria na lousa pra ver se eles ficam quietos. (Professor L)

Diante dessa situação, os professores concluíram que “não dava mais” e começaram a discutir sobre o que fazer. Entretanto, em 2015 ocorreu uma mudança nos projetos do MEC e da SME que resulta no corte de verbas e na diminuição das oficinas na escola. Com isso, os problemas de indisciplina, evasão, entre outros, voltaram a se intensificar:

Chegamos à conclusão, é, nós não mudamos, vai voltar a merda. (Gestão Escolar)

[...] é, a gente chegou à conclusão que era o fim de um ciclo, a gente avançou o máximo e vamos começar a regredir, eu não tinha mais elementos pra nada, verba, grupo para mudar, meus limites já estavam dados, eu já tinha avançado o que eu podia, a escola tinha mudado? Tinha, já tínhamos percebido que era por fora e não por dentro, e mais do que isso eu não consigo, então foi que eu pensei. Está na hora de eu ir embora, e aí os professores falaram, agora é a gente que tem que fazer alguma coisa, os professores poderiam chorar, reclamar, comprar bolo para despedida, e tudo bem, mas eles estavam de olho na escola e nos alunos, no trabalho, eu faço parte disso, mas não sou o central nessa história, entende, tanto que a resposta não foi pessoal, a resposta foi pedagógica, foi política, né, assim, agora nós estamos aqui trabalhando muito, tem horas que não dá nem para segurar, nós estamos aí tentando segurar, sabe, porque nós colocamos a escola numa outra condição, e sozinhos, e aí a gente vai tentando sustentar isso agora, e tem os problemas, e vem as dificuldades, e vem a DRE, e vem a SME, mas assim, a fala dos professores, mesmo os mais tradicionais, é que não conseguem é se ver no modelo anterior, os professores que dão aula em outras escolas ou dão aulas em outras redes, eles estão chocados, não conseguem mais dar aula lá, e aqui ele consegue trabalhar, desenvolver,

132 consegue conversar com aluno, consegue ver um sentido para vida dele nesse grupo, então foi o xeque mate, mas tinha elementos, tinha discussões, tinha projetos, tinha análises , realizadas ali pelo grupo ...”. (Gestão escolar)

Portanto, os professores afirmam que o desenvolvimento dos projetos do programa Mais Educação abalou diretamente as aulas denominadas tradicionais:

As aulas tradicionais passaram a perder o sentido, não é uma crítica à aula tradicional, acho que não é isso, tudo tem seu valor, porque na verdade não importa a metodologia, importa é que o aluno aprenda, ela é secundária nesse sentido, mas, para o aluno que a gente tem hoje, essa aula tradicional não funciona mais, e aconteceu aqui, porque o projeto surgiu como algo legal e a aula chata, um lugar só de repetição. (Professor M)

A docência passa a criar oficinas que, mais tarde, serão entendidas como o início do projeto desenvolvido pelos professores. Os alunos tinham a autonomia para escolher em qual oficina se inscrever independentemente da idade, ou seja, um aluno do 6º ano poderia se inscrever na mesma oficina que o aluno do 9º ano. Para os professores, isso evidenciou que era possível fazer algo diferente:

Para nós, essas oficinas foram uma provocação mesmo pra gente buscar alguma coisa, assim, buscar uma mudança real sabe, porque os alunos até então vinham reclamando das aulas mas nas oficinas não, por exemplo, não teve aluno na direção reclamando de nada nem por causa da indisciplina, porque a gente vinha já com uma cultura de enfrentamento de professor e aluno e nessa semana das oficinas não houve enfrentamento nenhum, aí a gente percebeu, alguma coisa tinha que ser feita. (Professor M)

Foi assim que teve início uma série de reuniões. É importante ressaltar que o período das reuniões coincidiu com o período em que os professores puderam optar por se remover da escola para outra unidade, caso não concordassem com o projeto no entanto, apenas uma professora optou por se remover, o restante permaneceu na escola com o intuito de pensar em mudanças. Passaram a se encontrar aos sábados na própria escola para discutir o que iriam fazer. Inúmeras reuniões foram feitas sem a participação da gestão, ou seja, a decisão de qual caminho seguir o projeto

133 pedagógico, foi fundamentalmente elaborado a partir dos próprios professores, pois afirmam que eles, mais do que qualquer outra pessoa, possuem dimensão das dificuldades que vivem cotidianamente em sala de aula. A gestão por sua vez deu todo amparo estrutural e legal junto a SME e DRE.