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3. RELAÇÕES INTERNACIONAIS E O CINEMA

3.2 A Cultura como Instrumento de Poder

3.2.1 A Propagação da Doutrina Nazista

O Nazismo se consolidou em um ideal onde o conceito da palavra raça se baseava em uma formação nata de uma comunidade do mesmo sangue, em outras palavras, uma nação

concebida como uma realidade orgânica supra individual16. Esta doutrina excluía todos aqueles que fossem considerados não-alemães, ou seja, aqueles que não tinham sangue ariano em suas veias. Estes eram chamados de Weltanschauung (aqueles que não tinham a cosmovisão germânica), e considerados como Untermensch (sub homem) ou Unmensch (os não-homens) (RIBEIRO, 1991).

Ainda de acordo com Ribeiro (1991) essa questão de raça oriunda estava pautada em que o povo (Volk) e qualquer indivíduo mesmo que pertencente a um Ministério estava sob as ordens e total controle do Líder (Führer). Durante o período de sete anos, o governo nazista procurou “restaurar” a população alemã, fazendo para que fosse possível, uma esfera política autoritária. Toda essa questão está envolta do período Pós-Guerra, onde a Alemanha havia sofrido grandes impactos em sua economia, a insegurança diante a diversidade moderna e problemas relacionados à política que facilitaram a queda da República de Weimar.

O êxito da estratégia política do nazismo estava conduzido pela geração juvenil da época. Segundo Ribeiro (1991), em um discurso Hitler sintetizou os princípios que deveriam nortear a política educacional do Estado nacional-socialista do futuro: A meta do Estado popular tem de ser a orientação de seu trabalho educacional não para criar e treinar corpos saudáveis. O treinamento das faculdades intelectuais representa apenas um objetivo secundário. Mas também nisto deve-se dar ênfase, em primeiro lugar, à modelagem e formação de caráter, sobretudo para desenvolver a força de vontade e a capacidade de tomar decisões, juntamente com o pronunciado senso de responsabilidade. O treinamento erudito e científico ocupa o último lugar. Um homem de pequenas realizações intelectuais, mas fisicamente saudável, de caráter bom e estável, é mais valioso e vantajoso para a comunidade nacional do que uma pessoa fraca e de elevada cultura. Dessa maneira, funda-se as Escolas de Hitler para formação de uma elite especializada que estivesse pronta para preencher todos os requisitos que a vida alemã necessitava.

16 De acordo com Elias (1994) a sociedade como formações sócio-históricas concebidas, planejadas e criadas por diversos indivíduos ou organismos. Um modelo conceitual de criação racional e deliberada por pessoas individuais. A sociedade deste ponto de vista foi produzida por pessoas isoladas para fins específicos sendo. Os adeptos deste modelo explicam os fenômenos e as estruturas da sociedade através do indivíduo. Porém ainda para o autor há um outro modelo conceitual de sociedade (extraído das ciências naturais - biologia) em que o indivíduo não apresenta papel algum. A sociedade, por sua vez, é concebida como uma entidade orgânica supra-individual que avança inelutavelmente para o desaparecimento, atravessando etapas de juventude, maturidade e velhice. Uma abordagem que tenta explicar as formações e processos históricos e sociais pela influencias de forças fora do indivíduo, mas que são anônimas. Este modelo de pensamento mistura-se facilmente com os modos de religião e metafísicos. É comum, assim, uma espécie de panteísmo histórico: um espírito do mundo ou até o próprio Deus que se encarna num mundo histórico em movimento e serve de explicação para a sua ordem, periodicidade e intencionalidade. Na mesma teoria, podem-se também imaginar as formas sociais especificas habitadas por uma espécie de espírito supra-individual comum.

A Doutrina de Hitler contou com três intensos pilares para sua propagação e submissão voluntária. Na obra O Que é O Nazismo de João Ribeiro Jr, estes pilares precursores estão listados como Führer, a mística e, por fim, a propaganda política.

O Führer é um poder resultante da força e do mesmo modo se mantém. Não há votação popular e nem delegações, apenas é imposto. Essa forma de poder representa a política totalitária sendo capaz de dominar todos os setores. Toda vontade de um Führer é realizada, ou seja, esta vontade se torna uma lei perante o povo. Hitler dizia que “O forte é mais forte sozinho”, seguindo a primícias de que o Führer não devia obedecer a ninguém e somente fazer acontecer (RIBEIRO, 1991, pág. 65).

Fica estabelecido que quem exerce essa função não é acometido de falhas ou equívocos, cabe a este revelar os desejos de seu povo, os quais devem total gratidão por os terem libertados. Havia orações especiais para o Führer, e em algumas escolas alemãs crianças eram ensinadas a proferirem palavras tais como: “Führer, meu Führer que Deus me deu. Protege e conserva por muito tempo a minha vida. Tu salvaste a Alemanha dos abismos da miséria. É a ti que devo o pão de cada dia. Conserva-te muito tempo junto de mim, não me abandones. Führer, meu Führer, minha fé, minha luz. Salve meu Führer! ”. (RIBEIRO, 1991, pág. 66)

Já o segundo pilar do Nazismo, a mística, era um condutor de espírito e inteligência para a maneira de que deveriam viver. Através desse pilar, foi construída a filosofia, a ciência e as artes oficiais da nação. Havia alguns cidadãos alemãs que tinham a ideia de que Hitler pertencesse a algum grupo de médium, sendo também considerado como Anticristo ou a Besta do Apocalipse. Entretanto Hitler usava seu poder para apregoar um redentor para a raça alemã. A religião ariana era composta por dominadores onde havia liberdade para praticar o terror em prol da submissão geral de seus fiéis, o que resultou numa religião maniqueísta no qual a figura do judeu é vista como um modelo do Mal cósmico. Segundo o próprio Hitler, o mesmo dizia que entre o povo a personificação do diabo, como símbolo de tudo o que é mau, assumia a aparência e a figura do judeu (HITLER, 1925, apud RIBEIRO, 1991).

O pilar místico nazista, traz uma série de sinais e símbolos os quais tinham grande significado para a população nazista. Entre eles estavam a saudação Heil Hitler (Salve Hitler) e os gritos e gritos ovacionados de Seig Heil (Salve a Vitória). Segundo Ribeiro (1991), não esticar o braço direito na posição horizontal e na altura do ombro na Alemanha nazista, era apontado como desrespeito ao seu chefe supremo e como sanções estaria censurado de participar dos festivais da nação, criados por Goebbels, que tinham sua abertura no dia 30 de

janeiro com a festividade o Dia da Tomada do Poder tendo seu apogeu no dia 09 de novembro quando era comemorado o Putsch de Munique17.

O símbolo nazista o qual é considerado o primordial de todos é Hakenkreuz (suástica, a cruz gamada) e este símbolo era considerado pelos nazistas como algo místico, já que sua nomenclatura tem o significado de trazer fortuna e sucesso, além de ser um símbolo quaternário (número das coisas temporais; símbolo do universo cósmico), cuja as pontas, os segmentos verticais e horizontais, representam a expansão e o dinamismo (RIBEIRO, 1991). Para Hitler, esse símbolo era o que traduzia a missão de luta pelo triunfo do homem ariano ao mesmo tempo que a ideia do trabalho criador, já que ela sempre foi e será antissemítica (HITLER, 1925, apud RIBEIRO, 1991).

Por fim, mas não menos importante, o terceiro pilar do poder nazista foi a propaganda. Esta marcou o século em questão. Através da mídia Hitler pode propagar sua ideologia sem o uso de poderes bélicos ou hard power, só com o uso do poder simbólico dos meios de comunicação, o Führer conseguiu anexar a Áustria e a Tchecoslováquia ao seu Reich e fez com que a França caísse (RIBEIRO, 1991).

Para disseminar as regras que a propaganda nazista deveria seguir, Hitler usou a sua obra “Minha Luta” para estabelecer os critérios que posteriormente o político e Ministro da Propaganda nazista Goebbels os aprimorou. De acordo com Ribeiro (1991), Hitler afirmava que toda a propaganda deve ser popular e estabelecer o seu nível espiritual de acordo com a capacidade de compreensão do mais ignorante dentre aqueles a quem ela pretende se dirigir assim, a sua elevação espiritual será mantida tanto mais baixo quanto maior for a massa humana que ela deverá abranger. A arte da propaganda reside justamente na compreensão da mentalidade e dos sentimentos da grande massa. Ela encontra, por forma psicologicamente certa, o caminho para a atenção e para o coração do povo. O povo, na sua grande maioria, é de

índole feminina (grifo meu) tão acentuada, que se deixa guiar, no seu modo de pensar e agir,

menos pela reflexão do que pelo sentimento (HITLER, 1925 apud RIBEIRO, 1991).

Paul Joseph Goebbels era um político alemão e Ministro da Propaganda durante o período do Terceiro Reich na Alemanha Nazi (1933 a 1945). Goebbels foi um dos braços direitos de Hitler durante seu reinado no Terceiro Reich, a devoção que o mesmo tinha pelo seu Führer era algo patológico. Ao buscarmos conhecer a vida do homem Goebbels, é possível notar o quanto ele pregava a doutrina Nazista com veemência. Segundo o autor Klemperer em sua obra sobre a Linguagem do Terceiro Reich, este explana sobre o propósito do Terceiro

17 Os “veteranos de guerra” celebravam o seu golpe abortado em 1923, o qual foi intitulado de Putsch de Munique. Esse festival trazia uma marcha cerimonial conduzida somente pelo som dos tambores e o silêncio da população.

Reich para a humanidade, o de disseminar o Nazismo entre os povos e para que possa ser concretizado esse objetivo o uso da propaganda na mídia era indispensável.

A indústria do cinema mostrou-se relativamente fácil de controlar porque, ao contrário dos cabarés ou clubes, consistia de um pequeno número de grandes empresas, algo talvez inevitável em vista do custo substancial para se fazer e distribuir um filme. Como em outros setores, aqueles que viram para que lado soprava o vento logo começaram a se curvar à pressão mesmo sem ouvir explicitamente o que tinham de fazer. Já em março de 1933, o gigantesco estúdio UFA, propriedade de Alfred Hugenberg, ainda membro do gabinete de Hitler na época, começou uma política abrangente de demissão de funcionários judeus e rescisão de contratos de atores judeus. Os nazistas em breve coordenavam a Associação Alemã dos Proprietários de Cinemas (EVANS, 2010, p.431).

Segundo o Diário de Goebbels (1945)18 este descrevia as concepções da propaganda

nazista da forma que “os propagandistas devem ter acesso à informação sobre os acontecimentos e a opinião pública; toda propaganda somente pode ser planejada e executada tomando como base a informação existente; a propaganda deve ser planejada e executada por uma só autoridade; a propaganda deve possibilitar o deslocamento da agressão para o ódio”. Todas as regras tinham o intuito de marginalizar um grupo em questão: os judeus.

Diante de todo o poder que a mídia fornece, é possível persuadir através de meios psicológicos uma grande parcela da sociedade, e isso se justifica por meio de mídias, as quais não possuem barreiras para propagar o interesse de determinado Estado, por exemplo. Durante o período do Terceiro Reich, Hitler aproveitou-se dessa ferramenta criando slogans que fossem expostos em festivais, para que a ideologia nazista pudesse atingir cada vez mais a população e que trouxesse adeptos a essa doutrina. De acordo com Evans (2010):

O cinema havia se tornado cada vez mais popular ao longo do final da década de 1920 e década de 1930, sobretudo com o advento do cinema falado. Mas, em uma era anterior à televisão, o meio de comunicação de massa mais popular e de mais rápido crescimento era o rádio. Ao contrário da indústria cinematográfica, a rede de rádios era de propriedade pública, com 51% de participação da Companhia de Rádio do Reich, empresa nacional, e os outros 49% de nove estações regionais. O controle era exercido por dois comissários de rádio do Reich, um do Ministério dos Correios e Comunicações e outro do Ministério do Interior, junto com uma série de comissários regionais. Goebbels estava muito consciente do poder do rádio. Durante a campanha eleitoral de fevereiro-março de 1933, ele teve êxito em obstruir todas as tentativas dos partidos que não o Nazista e o Nacionalista de realizar transmissões político- partidárias. Em pouco tempo, garantiu a substituição dos dois comissários do Reich por seus indicados, e obteve um decreto de Hitler em 30 de junho de 1933 depositando o controle de todas as transmissões nas mãos do Ministério da Propaganda (2010, p. 433).

18 Disponível em: http://docslide.com.br/documents/joseph-goebbels-o-diario-de-joseph-goebbels-ultimas-anotacoes- 1945.html

Ao pesquisarmos sobre a definição da palavra Propaganda19, segundo o Dicionário de Rabaça e Barbosa: “[...] a palavra propaganda é gerúndio do lat. Propagare (‘multiplicar’, por reprodução ou por geração, ‘estender, propagar’), e foi introduzida nas línguas modernas pela Igreja Católica, com a bula papal Congregatio de Propaganda Fide e com a fundação da Congregação da Propaganda, pelo Papa Clemente VIII, em 1597. O conceito de propaganda esteve essencialmente ligado a um sentido eclesiástico até o séc. 19, quando adquiriu também significado político (continuando a designar o ato de disseminar ideologias, de incutir uma idéia, uma crença na mente alheia) ”.

Essa tarefa ficou na responsabilidade de Goebbels, este precisava dissipar essa doutrina onde dizia que apenas o sangue ariano deveria estar naquela nação, pois eram os puros. De acordo com a LTI - a Linguagem do Terceiro Reich, conforme Victor Klemperer20 escreveu em seus diários entre os anos de 1933 a 1945, é precisamente a de promover este aniquilamento e conduzir o pensamento do indivíduo por meio da persuasão, de forma que o fanatismo possa estar presente na mente de toda a população.

Essa estratégia de linguagem da inconsciência era fundamental e os ideólogos da doutrina Nazista traziam uma ênfase para esse método de operação. Dessa forma podemos notar, num discurso de 1933, o qual foi citado por Safranksi, onde Joseph Goebbels afirmava: "Não é à toa que o novo tempo se chama 'era popular' (völkisch). O indivíduo isolado é substituído pela comunidade do povo". A LTI21, portanto nada mais é do que um idioma do fanatismo da população desempenhada com excelência.

De acordo com Klemperer (2009 p.66) "A LTI pretende privar cada pessoa da sua individualidade, anestesiando as personalidades, fazendo do indivíduo peça de um rebanho conduzido em determinada direção, sem vontade e sem ideias próprias, tornando-o um átomo de uma enorme pedra rolante." Mais adiante, ainda em seu próprio diário, Klemperer (2009, p.85) escreve: "O Sr. Goebbels tem a seu favor, de um lado, uma massa entorpecida e, de outro, pessoas cultas amedrontadas." Entorpecer o intelecto, difundir o fanatismo e a inconsciência e assim isentar o indivíduo de responsabilidades e de sentimento de culpa foi, portanto, uma estratégia deliberada de dominação da retórica nazista, que inclusive transmutou o significado

19 Ainda sobre a definição da palavra propaganda, temos as palavras de Armando Sant’Anna a qual salienta que a: Propaganda é definida como a propagação de princípios e teorias. Deriva do latim propagare (grifo meu), que significa reproduzir por meio de mergulhia, em outras palavras, enterrar o rebento de uma planta no solo. Propagare, por sua vez, deriva de pangere (grifo meu), que quer dizer enterrar, mergulhar, plantar. Seria então a propagação de doutrinas religiosas ou princípios políticos de algum partido (SANT'ANNA, 2002).

20Filósofo e historiador de literatura alemã Victor Klemperer (1881-1960).

21 LTI (Lingua Tertii Imperii, em latim, Língua do III Reich), coletânea de diários de Victor Klemperer (1881-1960), foi escrito pouco depois do término da 2ª. Guerra Mundial.

de "fanatismo", sinônimo de uma virtude que, como o autor explica, é "uma paixão intensa e forte, que inflama os corações das pessoas, capacitando-as a desprezar a morte" (idem p.112).

Para Safranksi (2007), o fanatismo alemão tinha em sua essência o romantismo em seus discursos, fossem eles religiosos ou artísticos tanto que em sua obra o mesmo cita que (2007 p.348) "Eu tinha e tenho certeza sobre a mais íntima ligação entre o nazismo e o romantismo alemão. Pois o germe de tudo o que constitui o nazismo se encontra no romantismo: o destronamento da razão, a animalização do ser humano, a glorificação das ideias de poder, dos predadores, das bestas loiras."

Para tal fundamentalidade o autor continua em sua obra descrevendo outro discurso de Goebbels no qual seu pensamento acerca do fanatismo romântico alemão é exaltado nas palavras do Ministro de Propaganda Nazi (SAFRANKSI, 2007 p.354) "Nós vivemos numa era que é, ao mesmo tempo, romântica e de aço; uma era que não perdeu sua profundidade de sentimento, mas que, ao mesmo tempo, foi capaz de descobrir um novo romantismo nos resultados dos mais modernos inventos e da técnica. ” Em outras palavras, podemos perceber que essa ideologia vinha como um meio de que o terceiro Reich se tornasse um Império onde sua essência de divindade fosse totalmente colocada a figura do Führer, fazendo com que na crença das massas este fosse o “Salvador” da Alemanha ou o Heiland.

Hitler precisava que todos aceitassem sua nova doutrina para que a Alemanha fosse reerguida do momento pós-Grande Guerra. Por isso no ano de 1934 (mesmo ano de lançamento do documentário) Hitler decide que para seus objetivos fossem alcançados seria necessário um trabalho maior, algo além de discursos, a massa precisava enxergar o que se passava em sua mente, ele precisava que todos pudessem partilhar daquela ideologia na qual ele acreditava, foi nesse momento que ele chama Leni Riefenstahl para dirigir e produzir sua maior ferramenta de persuasão: O Triunfo da Vontade.

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