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A proposta de Rorty é uma proposta relativista?

2.3 A crítica de Rorty à objetividade de Thomas Kuhn

2.3.3 A proposta de Rorty é uma proposta relativista?

A ideia de que a filosofia edificante procura continuar uma conversação do que descobrir a verdade faz dela uma filosofia relativista. Entretanto, Rorty reconhece que mesmo as filosofias que carregam em si a herança tradicional são também relativistas quando procuram estabelecer alguma teoria da verdade.

Rorty procura esclarecer este posicionamento retomando termos metafísicos como, “verdade”, “bondade”, “realidade”, entre outros. Ao analisar estes termos, Rorty os identifica como ausentes de qualquer prática justificadora diante da impossibilidade de encontrarmos critérios para selecionar esses referentes únicos. Entretanto, os únicos indícios que este filósofo poderá encontrar como critérios estão presentes na melhor moral ou pensamento científico da época, isto é, estes indícios só poderão ser encontrados no campo prático, o que comprova ainda mais a presença do relativismo nestas questões. Observe que quando um termo é definido, basta uma modificação na cultura ou uma virada científica para que o significado deste ou daquele tema perca a validade.

A filosofia hermenêutica, ou seja, os filósofos edificantes, não podem ser considerados como relativistas, porque em nenhum momento eles afirmam que algo é verdadeiro. Entretanto, os filósofos sistemáticos podem ser considerados como relativistas, porque todas as vezes que afirmam ter encontrado um modelo que resolvesse todos os problemas da humanidade precisam alterá-lo devido ao processo dinâmico que sempre esteve, e estará presente na humanidade. Não é difícil percebermos isso, pois vimos, vemos e

veremos as diversas obras que sempre vieram com a promessa de terem resolvido um ou outro problema.

A filosofia edificante é reativa no sentido de combater os filósofos sistemáticos quando estes tentam a todo o momento encerrar a conversação com suas propostas de comensuração universal, isto é, a necessidade de sempre criar modelos ou regras que procuram tanto representar o mundo, quanto regular o novo comportamento. Nas palavras de Rorty:

Ver a manutenção do andamento da conversação como meta suficiente da filosofia, ver a sabedoria como consistindo na capacidade de sustentar uma conversação é ver os seres humanos como geradores antes de novas descrições que de entes que se espera ser capaz de descrever com precisão. Ver a meta da filosofia com verdade – ou seja, a verdade sobre os termos que proporcionam a comensurabilidade última para todas as inquirições e atividades humanas – é ver os seres humanos antes como objetos que como sujeitos, como existindo antes em si que como por si tanto quanto em si, como objetos descritos tanto quanto sujeitos descrevendo. Pensar que a filosofia irá permitir-nos ver o objeto descrito é pensar que todas as descrições possíveis podem ser tornadas comensuráveis com a ajuda de um único vocabulário descritivo – aquele da própria filosofia. (RORTY, 1995, p. 371).

A filosofia edificante tem como grande objetivo enviar a conversação em várias direções. É necessário o cuidado no sentido de que essas novas direções podem levar à própria interrupção da conversação, pois estas direções podem originar novas ciências, novos programas de pesquisa e, tão logo, a verdades objetivas. Entretanto, precisamos estar cientes de que essas novas direções são apenas acidentes de um discurso, e que o que a filosofia edificante deseja é apenas fazer com que nós não tenhamos a ilusão de que conhecemos definitivamente a nós mesmos, ou qualquer outra coisa.

2.3.4 Da impossibilidade de conciliação entre a filosofia sistemática e a filosofia edificante - uma crítica a Jürgen Habermas

Rorty destaca a impossibilidade de conciliação entre a filosofia sistemática e a filosofia edificante. Rorty nos diz que Habermas e Apel tentaram fazer essa conciliação quando sugeriram modos que nos possibilitariam criar um novo tipo de postura transcendental, possibilitando-nos fazer algo semelhante ao que Kant tentou fazer, mas sem irmos para o cientificismo e o historicismo.

Marx e Freud identificaram que se há uma mudança de comportamento é necessário uma mudança na auto-descrição do sujeito. Logo, muitos filósofos abraçaram a ideia de que, como a epistemologia tradicional estava empenhada em objetivar a humanidade, era necessário a criação de algo posterior à epistemologia que faça pela reflexão o que a tradição fez pelo conhecimento objetivante.

Rorty insiste na ideia de que é necessário nos livrarmos da necessidade de criarmos molduras que regulem o processo da inquirição. Além disso, não deveríamos aceitar a ideia de que a filosofia poderia explicar o que a ciência não explica. Logo, a tentativa de Apel em desenvolver uma “pragmática transcendental” e Habermas uma “hermenêutica transcendental” não nos proporcionaria um solo tão firme.

Destacamos a passagem a seguir da obra Conhecimento e Interesse (HABERMAS, 1992):

As funções que o conhecimento tem em contextos universais da vida prática só podem ser analisadas com sucesso na estrutura de uma filosofia transcendental reformulada. Isso, incidentalmente, não implica uma crítica empírica da reivindicação à verdade absoluta. Enquanto os interesses cognitivos podem ser identificados e analisados através da reflexão sobre a lógica da inquirição nas ciências naturais e culturais, eles podem legitimamente reivindicar um status “transcendental”. Eles assumem um status “empírico” assim que são analisados como o resultado da história natural – analisados como se fora em termos de antropologia cultural. (HABEMAS, 1982, p. 181)

Nesse sentido, Rorty não concorda com Habermas, pois afirma que não existe coerência quando tentamos encontrar um modo sintético geral de investigar as funções que o conhecimento tem em contextos universais da vida prática, e muito menos considerar que a antropologia cultural é suficiente.

Desta forma, Habermas vê o pragmatismo de Dewey e o realismo de Sellars e Feyerabend como o resultado de uma epistemologia não terminada. Na visão de Rorty, estes filósofos indicam parcialmente para um tipo não epistemológico de filosofia, e que abdica de qualquer anseio transcendental.

No entanto, para Habermas é necessário esse embasamento, pois para que uma teoria possa se embasar transcendentalmente é necessário que a mesma possa se familiarizar com a faixa de condições subjetivas inevitáveis que, tanto tornam a teoria possível, como colocam limites a ela, pois esse tipo de confirmação transcendental sempre tende a criticar uma auto- compreensão excessivamente auto-confiante de si mesma.

Além disso, Habermas pensa que pode existir uma coisa tal como a verdade para com a realidade no sentido postulado pelo realismo filosófico. Para ele as teorias de correspondência da verdade tendem a hipostasiar fatos como entidades no mundo. Logo, é necessário que a epistemologia possa refletir sobre as condições de experiência possível, para que se torne viável mostrar as ilusões objetivistas de tal visão.

Para Rorty, é um equívoco quando Habermas procura demarcar o realismo filosófico e as reduções positivistas apenas com o posicionamento transcendental de Kant, pois para Rorty o que é exigido para desempenhar esses propósitos não é a distinção entre postura transcendental e empírica de Kant, mas a distinção existencialista entre pessoas como “eus” empíricos e agentes morais.

Rorty nos alerta para o fato de que o discurso científico pode ser visto de duas maneiras. A primeira como um discurso comprometido com a busca da verdade e que não sugere questões de cunho moral. Quanto à segunda maneira, devemos vê-la como um discurso em que questões morais aparecem, por exemplo, “O que devo fazer diante dessa descoberta?”; “Qual é o objetivo desta descoberta?”; “A mesma solicita de mim uma mudança no meu comportamento?”, ou seja, as questões de justificação.

Diante disso, Rorty considera um erro, por parte da filosofia sistemática, em deixar para a metafísica, em seu sentido descritivo e explicativo, a tarefa de explicar perguntas como essas, pois para Rorty:

Essa tentativa de responder a questões de justificação descobrindo novas verdades objetivas, responder à exigência do agente moral de justificações com descrições de um domínio privilegiado é a forma especial de má fé do filósofo – seu modo especial de substituir a pseudocognição pela escolha moral. (RORTY, 1995, p. 375).

Logo, o que Rorty nos sugere é que a tentativa de Habermas em colocar a filosofia nos trilhos da ciência, isto é, dando a ela método no sentido de fundamentação, ele a converteu em uma especialidade acadêmica. Desta forma, a filosofia sistemática procura unir descrição e justificação, conhecimento e escolha, obter fatos e nos dizer como viver. A questão consiste em que a filosofia sistemática procura bloquear o fluxo de conversação, quando propõe um vocabulário com regras gerais para a discussão de um ou outro tópico.

Essa incessante busca por conhecimento objetivo, de obter padrões ou modelos que nos possibilitem ter acesso a todas as respostas que precisamos, nos leva a pensar que o valor humano consistirá apenas em conhecer verdades, e a virtude humana será considerada apenas como crença verdadeira justificada no sentido de que o próprio fim da história proposto por Hegel acontecerá.