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7 RESULTADOS E DISCUSSÃO

7.2 A PROPOSTA DE TRABALHO DA EQUIPE MULTIPROFISSIONAL: COMO

7.2.1 A proposta de trabalho da equipe multiprofissional

Em relação ao histórico da constituição de uma equipe multiprofissional atuando nas escolas municipais, três das participantes alegaram desconhecerem esse processo e quatro delas, aquelas com mais tempo na equipe, relataram que a proposta de trabalho havia sido iniciada pela APAE da cidade.

A proposta de especialistas trabalhando na escola começa como um projeto desenvolvido pela APAE. Os profissionais eram contratados pela instituição e ofereciam um projeto de apoio para as escolas, através de equipes técnicas formadas por psicólogo, fonoaudiólogo, assistente social e psicopedagoga, na forma de atendimentos clínicos e orientação aos professores e família (EIPsico3).

Essa informação foi confirmada nos projetos elaborados pela instituição especial APAE local (APAE, 1998). Em relação a concepção e atuação clínica do trabalho na escola, as participantes relataram a existência desse modelo até o ano de 2005, quando a mudança foi orientada pelos Conselhos Regionais e Federais. Retrataram, também, a dificuldade que enfrentaram diante das novas exigências.

É da própria história a figura do psicólogo ser vista com uma figura médica. Essa analogia, inclusive, é feita com a área da saúde, da medicina e da cura principalmente. Está muito relacionada com situações de sofrimento, seja esse sofrimento por qual motivo for. Queremos alguém que nos cure e então, o psicólogo ficou muito marcado por essa atividade clínica. Mas a psicologia é muito maior que isso. É um desafio para nós, psicólogos, buscar pelas brechas que os campos novos vão abrindo (EIPsico1). No começo, não só aqui na cidade, mas em outros lugares também, esses profissionais foram chamados para virem para escola para fazer atendimento, como o dentista, por exemplo. Outras especialidades da saúde vieram para fazer esse trabalho de atendimento e com o passar do tempo, outras dificuldades foram surgindo, problemas éticos, entre outros. Assim foi tirado essa questão do atendimento e veio essa proposta de fazer um trabalho mais com o todo e não só com o aluno, não tirar o aluno da sala de aula, não expor a criança em suas dificuldades. (EIFono1).

A fala de uma outra participante demonstra as tensões existentes nesse período de mudanças,

Foi a partir de uma denúncia ao CRF que mudou o projeto aqui na cidade. A SME falava que era para atender e nós falávamos que não podíamos atender. E eles justificavam que se não fosse clínico não interessava. Houve então uma denúncia. Os representantes do Conselho da área vieram à cidade acompanhar o trabalho e então, mudou-se. A própria equipe foi modificando e nós mostramos que tinha outro trabalho a ser desenvolvido dentro da escola, mesmo porque eles não sabiam o que faríamos dentro da escola sem ser atendimento clínico (EIFono3).

Esse olhar clínico sobre os problemas educacionais parece resultante da influência médica na educação brasileira, principalmente na estruturação dos cursos de formação inicial desses profissionais e na própria abertura do mercado de trabalho direcionado aos serviços de saúde. Além disso, o modelo médico está na raiz da formação desses profissionais, inclusive dos professores, iniciada com o movimento higienista do final do século XIX e modificada pela concepção orgânica e psicológica proposta pelo movimento da Escola Nova, quando os aspectos biológicos passaram a ser interpretados como dificultadores do processo de aprendizagem. Essa concepção orientou durante décadas a organização das salas de aula nas escolas brasileiras e elevou a terapia ao patamar de solucionadora das dificuldades escolares encontradas pelos alunos (JANUZZI, 2012; MAZZOTTA, 2005; MENDES, 2010a; ROSA, 1995; ZUCOLOTO, 2007).

Esse pensamento, de acordo com Rosa (1995), se fortaleceu a partir da inserção desses profissionais especialistas na escola, assumindo para si as soluções dos problemas pedagógicos e reforçando o entendimento de que problemas de ordem educacional estivessem vinculados aos fatores intrínsecos, cabendo, portanto, aos profissionais da saúde resolvê-los e tratá-los, eliminando possibilidades de se pensar em práticas pedagógicas que dessem resposta a essas dificuldades. Mendes (2008b) retrata a tradição na educação brasileira de encaminhar os alunos que apresentavam dificuldades no percurso escolar para especialistas e esperar por intervenções fora da sala de aula como alternativa para resolver problemas escolares.

Como consequência dessa condução e com o aumento significativo na demanda de crianças com problemas de aprendizagem na escola, tornou-se inviável atender toda essa demanda. Desencadeou-se, assim, um processo de reflexão e mudança na atuação de especialistas no contexto escolar, trazendo para dentro da escola as discussões sobre fracasso escolar, modificando-se o campo de atuação desses especialistas - da clínica para a escola - segundo o entendimento de que “esse profissional atuando in loco estaria reconhecendo a importância da parceria e apoio do professor na solução dos problemas escolares” (MENDES, 2008b, p. 109).

confirmada nas diretrizes do Conselho Regional de Fonoaudiologia (CRF), (SÃO PAULO, 2010a), este orienta que a atuação do fonoaudiólogo em contexto escolar seja em conjunto com o professor, na busca por intervenções que contemplem todos os alunos, modificando a expectativa sobre o atendimento clínico que passa a ser considerado como mais um componente e não como único responsável pelo fracasso ou pelo sucesso escolar dos alunos. Essa concepção também é observada nas Referências Técnicas para Atuação de Psicólogos na Educação Básica do Conselho Federal de Psicologia (CFP) com a proposição de que a atuação desse especialista no contexto educacional seja permeada por reflexões que auxiliem na superação do mecanismo de culpabilização dos alunos e seus familiares pelas dificuldades encontradas durante o processo de escolarização (BRASÍLIA, 2013a).

Os pressupostos dos Subsídios para Atuação de Assistentes Sociais na Educação (CFSS) (BRASÍLIA, 2013b), por sua vez, propõe o trabalho desse profissional do Serviço Social direcionado para uma educação emancipadora, não se restringindo apenas às abordagens individuais, envolvendo também ações junto às famílias, aos professores, aos gestores e aos funcionários da escola. Assim, a atuação do assistente social na educação deve priorizar a garantia do acesso e permanência de todos os alunos na escola.

No caso da fonoaudiologia escolar, o profissional deve atuar na perspectiva da melhoria da oferta de ensino por parte do professor e da aprendizagem de todos os alunos, fortalecendo a universalização do acesso aos conhecimentos escolares e contribuindo para a melhoria dos aspectos de comunicação, linguagem, fala, audição e aprendizagem, enquanto que a psicologia escolar deve fundamentar sua ação numa dimensão institucional, na qual as demandas apresentadas na escola devem ser analisadas dentro de um contexto amplo, tanto para avaliação quanto para os encaminhamentos. Estes devem ser produzidos em parceria com a comunidade escolar, envolvendo os professores, pais, funcionários e estudantes e deve ter como princípio a coletividade, de modo a romper com a "patologização, medicalização e judicialização das práticas educacionais" (BRASILIA, 2013a, p. 67).

A questão que se coloca é como modificar a realidade para que mais especialistas atuem na educação se fatores como o número de vagas para a área da saúde são prioritários? Possivelmente o aumento de postos de trabalho na área da educação seria uma forma de mobilizar as instituições de ensino superior a oferecerem uma formação mais voltada à área educacional. Editais direcionados ao setor educacional também seria um caminho para evitar que profissionais atuantes em áreas como assistência social e saúde fossem deslocados para auxiliar o trabalho na educação, como descreve abaixo a participante:

Tanto eu quanto a outra Pedagoga da equipe fomos contratadas em 2001 para atuar na assistência social, porque na época, esse projeto de equipe na escola era conduzido pela APAE. Trabalhamos até 2004 na assistência social e, quando o município precisou de uma psicóloga e de uma pedagoga, viemos para a educação. Ficamos por um ano de forma concomitante, na assistência e na educação e, de 2005 em diante, na educação (EIPsico3).

Esses aspectos voltados à clínica são reforçados quando as participantes foram convidadas a relatarem sobre o ingresso e sobre as expectativas que permearam a contratação para o trabalho.

Quando prestei o concurso, era para a prefeitura, então eu não sabia aonde eu seria alocada (EIPsico1).

Quando fui chamada pelo concurso, fui recebida na Secretaria de Educação e a primeira fala que ouvi foi que a proposta de trabalho era institucional, e eu estaria proibida de fazer atendimento clinico na escola. Eu dei graças a Deus, porque eu não acredito em atendimento clinico dentro da escola. Quando eu estava na faculdade, aprendi que psicologia escolar é diferente, mesmo sendo pouco difundida, e isso prejudica a implantação de novas formas de trabalho porque somos da psicologia escolar e as pessoas cobravam muito a terapia, fazer testes, coisas que acontecem até hoje (EIPsico1).

A minha formação foi toda voltada para a área clínica. Eu tive o privilégio de fazer estágio em todas as áreas. Eu sabia muito da área organizacional, da área social, mas se você pegar a base de formação, o trabalho é muito clínico. E de repente você se depara com uma escola, milhares de crianças, uma equipe gestora, uma equipe de professores. Nossa, e agora? (GF1Fono2).

A situação apontada pelas participantes em relação à formação inicial essencialmente clínica, e de concursos que reforçam esse entendimento em seus editais, é apontada na pesquisa de Souza (2010) como um dos fatores que tem dificultado o rompimento com as práticas tradicionais na área da psicologia escolar, e possivelmente, de outros profissionais no contexto educacional.