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A teoria que considera a propriedade horizontal de natureza de compropriedade é sustentada, em Portugal, por Cunha Gonçalves349, pelo que considera todos os condóminos

comproprietários de todas as partes do edifício, sejam elas comuns ou frações autónomas. Diante das divergências encontradas no direito de compropriedade e no regime da propriedade horizontal, segundo a maior parte da doutrina350, essa tese torna-se inaplicável.

345 Artigo 1543.º, Código Civil português: Servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo

de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia. DIÁRIO DA REPÚBLICA – Código Civil português.

346 Artigo 1378.º, Código Civil brasileiro: A servidão proporciona utilidade para o prédio dominante, e grava o

prédio serviente, que pertence a diverso dono, e constitui-se mediante declaração expressa dos proprietários, ou por testamento, e subsequente registro no Cartório de Registro de Imóveis. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA – Legislação. Código Civil brasileiro.

347 LOPES, João Batista. Op. cit., p. 48.

348 PEREIRA, Caio Mário da Silva – Condomínio e incorporações, p. 57. 349 GONÇALVES, Cunha, apud, VIEIRA, José Alberto. Op. cit., p. 648.

350 Nesse sentido: CORDEIRO, A. Menezes. Op. cit., p. 637. VIEIRA, José Alberto. Op. cit., p. 648. LIMA, Pires

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A ideia central da teoria ora estudada visa negar “a existência de uma propriedade exclusiva, mesmo em conjunção com a compropriedade”351. Como demonstrado nos capítulos

anteriores, a propriedade horizontal tem por objeto partes de uso comum e partes privativas: sobre aquelas, incidem os direitos da compropriedade e, sobre estas, os direitos inerentes à propriedade. Deve-se ainda ser consideradas as limitações impostas ao regime da propriedade horizontal, ao qual todos os proprietários das frações autónomas ficam sujeitos.

Há ainda a figura da compropriedade, cuja noção está esculpida no Código Civil português – artigo 1403.º352 – e no Código Civil brasileiro – artigos 1314.º353 e 1315.º354 –, ao

que se denomina “condomínio geral”. Ambas as figuras referem-se ao exercício simultâneo pelos condóminos do direito de propriedade sobre todo o imóvel, de modo que cada um deles é proprietário de uma fração não determinada.

Ademais, como se percebe da leitura dos referidos dispositivos legais, os direitos dos comproprietários sobre a coisa comum, ou seja, o todo, são exercidos na qualidade de igualdade, mesmo que sejam diferentes na quantidade. Na falta de indicação do título constitutivo, as quotas serão presumidas quantitativamente idênticas.

Vistos os preceitos básicos relativos ao direito de compropriedade ou, no sistema brasileiro, condomínio geral, percebe-se que a figura da propriedade horizontal, pela sua simples noção, é totalmente diversa. No regime da propriedade horizontal, em que incide o exercício do direito de propriedade, as frações autónomas são determinadas e de uso exclusivo do seu titular; já as partes comuns são as determinadas na lei e no título constitutivo, de forma que cada condómino será comproprietário e poderá delas usufruir.

Como mencionado no tópico 2.1.1, o objeto da propriedade horizontal é composto por dois elementos – a fração autónoma e as partes comuns –, de forma que a coexistência de ambas

351 GONÇALVES, Cunha, apud, PEREIRA, Caio Mário da Silva – Condomínio e incorporações, p. 65.

352 Artigo 1403.º, Código Civil português: 1. Existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou

mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa. 2. Os direitos dos consortes ou comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes; as quotas presumem-se, todavia, quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo. DIÁRIO DA REPÚBLICA – Legislação Consolidada. Código Civil português.

353 Artigo 1314.º, Código Civil brasileiro: Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela

exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la. Parágrafo único. Nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa comum, nem dar posse, uso ou gozo dela a estranhos, sem o consenso dos outros. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA – Legislação. Código Civil brasileiro.

354 Artigo 1315.º, Código Civil brasileiro: O condômino é obrigado, na proporção de sua parte, a concorrer para as

despesas de conservação ou divisão da coisa, e a suportar os ônus a que estiver sujeita. Parágrafo único. Presumem- se iguais as partes ideais dos condôminos. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA – Legislação. Código Civil brasileiro.

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é a essência do instituto. Por outro lado, no regime da compropriedade, há somente partes comuns.

Acerca do tema, José Alberto Vieira destaca inúmeras divergências que não são justificadas pela doutrina adepta à natureza jurídica da propriedade horizontal como compropriedade:

Contra a tese da compropriedade, pode dizer-se que ela não explica porque razão os condóminos estão excluídos completamente do gozo das frações que não aquela que lhes pertence, não podendo usar, fruir de grande parte da coisa comum, e não tendo sequer nenhuma palavra na alienação ou oneração da posição individual de cada condómino, nem o direito de preferência. Também não se percebe porque razão a assembleia tem apenas competência para deliberar sobre as partes comuns se a comunhão respeita a todo o edifício. Isto só explica, porque, como se depreende do art. 1420.º, n.º 1, as frações autónomas dos condóminos não estão em comunhão355.

A crítica do autor revela as inúmeras divergências encontradas na tentativa de enquadrar a propriedade horizontal como compropriedade, ao que podem ser elencadas diversas incoerências com a simples confrontação de artigos do Código Civil: a forma de constituição da propriedade horizontal demanda um título específico356, ao passo que a compropriedade decorre

do negócio jurídico de transmissão357; na propriedade horizontal, o direito de dispor da fração

autónoma358 ocorre naturalmente sem qualquer interferência dos demais condóminos359, ao passo

que, na compropriedade, há necessidade de consentimento dos demais consortes360; o direito de

preferência não é exercido na propriedade horizontal361, mas é garantido na compropriedade362;

por fim, não há na propriedade horizontal o direito de pedir a divisão das partes comuns363, ao

contrário do que ocorre com a compropriedade, em que prepondera o princípio pelo qual nenhum condómino é obrigado a permanecer com a coisa indivisa364.

Acerca das divergências entre a compropriedade e o regime da propriedade horizontal, Carvalho Fernandes365 observa que “ao caráter instável e precário da compropriedade

contrapõe-se, no condomínio, uma situação dominada pela afectação estável e essencial da

355 VIEIRA, José Alberto. Op. cit., p. 649.

356 Artigos 1417.º, Código Civil português; e 1332º, Código Civil brasileiro. 357 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Op. cit., p.206.

358 Nota-se que, se houver mais um proprietário da fração autónoma, os mesmos obedecerão ao regime da

compropriedade sobre a respectiva fração.

359 Artigos 1414.º e 1420.º, Código Civil português; e 1335.º, Código Civil brasileiro. 360 Artigos 1408.º, Código Civil português; e 1315.º Código Civil brasileiro.

361 Artigos 1423.º, Código Civil português; e 1335.º Código Civil brasileiro. 362 Artigos 1409.º e 1410.º, Código Civil português; e 504.º Código Civil brasileiro. 363 Artigos 1423.º, Código Civil português; e 1331.º, §2.º, Código Civil brasileiro. 364 Artigos 1412.º, Código Civil português; e 1320.º, Código Civil brasileiro. 365 FERNANDES, Luís A. Carvalho – Lições de direitos reais, p. 401.

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coisa comum a um fim”, de modo que “enquanto existir o direito singular à fracção não pode deixar de existir o direito comum às partes comuns”.

Sendo assim, percebe-se que a compropriedade não se enquadra como natureza jurídica da propriedade horizontal, cuja essência demanda, necessariamente, a coexistência de partes exclusivas e partes comuns; além disso, as disposições legais dos Códigos Civis português e brasileiro demonstram o distanciamento jurídico de ambos os institutos.