• Nenhum resultado encontrado

2.1 DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

2.1.1 Noção

No Direito português, a noção de propriedade horizontal se faz principalmente por meio da interpretação dos artigos 1414.º, 1415.º e 1420.º, todos do Código Civil português, que demonstram claramente o princípio geral, o objeto e a abrangência acerca do instituto.

O artigo 1414.º136 apresenta o princípio geral da propriedade horizontal, ao dispor a

possibilidade de frações de um edifício pertencerem a proprietários distintos, formando-se, assim, unidades independentes. Percebe-se que a intenção do legislador é permitir mais de um proprietário sobre o mesmo solo, derrogando, ab initio, o princípio romano superfícies solo cedit.

Já o artigo 1415.º137 do mesmo código refere-se diretamente ao objeto, ao delimitar que

somente frações ou unidades autónomas distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma área comum ou via pública, podem ser objeto de propriedade horizontal. Nota-se que, para alguns autores138, apesar de frações autónomas e partes comuns serem os dois requisitos legais

do objeto – a fração é o seu núcleo central, e as partes comuns têm função instrumental na constituição do instituto –, a coexistência de ambos é fundamental. Essa questão será melhor desenvolvida no presente trabalho, mais precisamente no último capítulo referente à natureza jurídica da propriedade horizontal.

Por conseguinte, o artigo 1420.º, n.º 1139, estipula a propriedade exclusiva de cada

condómino sobre a fração que lhe pertence, bem como comproprietário das partes comuns do edifício. Nas palavras de Oliveira Ascensão140, cada interveniente, chamado pela lei de

condómino, “é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício (art. 1420.º, 1). Temos então a chamada propriedade horizontal”.

Ao referido dispositivo legal valem inicialmente duas ressalvas: a primeira é quanto à expressão “propriedade exclusiva”, uma vez que uma fração autónoma poderá pertencer a mais de um titular em regime de compropriedade; a segunda é quanto à expressão “comproprietário”,

136 Artigo 1414.º, Código Civil português: As frações de que um edifício se compõe, em condições de constituírem

unidades independentes, podem pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade. DIÁRIO DA REPÚBLICA – Código Civil português.

137 Artigo 1415.º, Código Civil português: Só podem ser objecto de propriedade horizontal as frações autónomas

que, além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública. DIÁRIO DA REPÚBLICA – Código Civil português.

138 CORDEIRO, A. Menezes. Op. cit., p. 640.

139 Artigo 1420.º, n.º 1, Código Civil português: Cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe

pertence e comproprietário das partes comuns do edifício. DIÁRIO DA REPÚBLICA – Código Civil português.

33

sobre a qual há autores141 que a entendem como um misto de propriedade singular e propriedade

em comunhão, e não com compropriedade conforme dito na letra da lei.

Acredita-se que a posição doutrinária mais acertada é a defendida por de José Alberto Vieira, ao mencionar que a lei determina um regime especial para a compropriedade das partes comuns, dispersos no Capítulo VI, principalmente no artigo 1420.º e seguintes. Assim, a compropriedade é aplicável naquilo que não seja contrária à propriedade horizontal, de forma subsidiária142.

A fim de elencar a abrangência do regime da propriedade horizontal, deve-se observar, ainda, a possibilidade da constituição de mais de um edifício em propriedade horizontal, previsto no artigo 1438.º-A143 do Código Civil português, quais sejam, os conjuntos de edifícios

contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência das partes comuns afetadas ao uso de todas ou algumas unidades ou frações que os compõem. Ademais, o Decreto-Lei n.º 39/2008, de 07 de Março, previu como submodalidade da propriedade horizontal a propriedade plural em empreendimentos turísticos144.

Nota-se que nessa última hipótese o empreendimento turístico compreende lotes e ou frações autónomas de um ou mais edifícios que podem ser objeto de propriedade singular e exclusiva145, abrangendo, ainda, as instalações, equipamentos e serviços de utilização

comum146. Percebe-se, portanto, a diferença específica entre essa última modalidade e a da

propriedade horizontal prevista no 1438.º-A do Código Civil português, qual seja: “os lotes e as frações em causa estão forçosamente ao serviço do empreendimento e, portanto, são necessariamente geridos pela entidade que o explora”147.

Por fim, há de se mencionar que o condomínio sob o regime da propriedade horizontal não é considerado, pelo Código Civil português, ente dotado de personalidade jurídica. Sandra Passinhas148, ao mencionar o tema, observa: “não defendemos, e pensamos que nunca foi

141 Neste sentido: MILLER, Rui Vieira. Op. cit., p. 151; CARVALHO, Orlando de – Direito das Coisas, p. 41. 142 VIEIRA, José Alberto. Op. cit., p. 637.

143 Artigo 1438.º-A, Código Civil português: O regime previsto neste capítulo pode ser aplicado, com as

necessárias adaptações, a conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afectadas ao uso de todas ou algumas unidades ou frações que os compõem. DIÁRIO DA REPÚBLICA – Código Civil português.

144 GONZÁLEZ, José Alberto. Op. cit., p. 34.

145 Artigo 52.º, n.º 1, Decreto-Lei n.º 39/2008: Consideram-se empreendimentos turísticos em propriedade plural

aqueles que compreendem lotes e ou frações autónomas de um ou mais edifícios. DIÁRIO DA REPÚBLICA – Decreto-Lei n.º 39/2008.

146 Artigo 55.º, n.º 1, e) e f), Decreto-Lei n.º 39/2008: 1 – O título constitutivo deve conter obrigatoriamente as

seguintes menções: e) A identificação e descrição das instalações e equipamentos do empreendimento; f) A identificação dos serviços de utilização comum. DIÁRIO DA REPÚBLICA – Decreto-Lei n.º 39/2008.

147 GONZÁLEZ, José Alberto. Op. cit., p. 34. 148 PASSINHAS, Sandra. Op. cit., p. 175.

34

defendido em Portugal, que o condomínio tenha personalidade jurídica”. Desse modo, o condomínio sob regime da propriedade horizontal deve ser visto como ente sem personalidade jurídica, tendo somente personalidade judiciária conforme previsão da alínea e) do artigo 12.º149, do Código de Processo Civil Português.

Nesse ponto, entende-se que o condomínio é o gestor das áreas comuns do edifício que está sob o regime da propriedade horizontal, cuja representação, nos termos da lei, é exercida pelos órgãos administrativos a fim de atender aos interesses dos condóminos.