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3 A PROTEÇÃO INTEGRAL DA MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DE

3.3 A proteção integral da mulher na Lei Maria da Penha

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos recebeu, em 20 de agosto de 1998, uma denúncia formulada pela Senhora Maria da Penha Maia Fernandes, pelo Centro de Justiça, pelo Direito Internacional (CEJIL) e pelo Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), invocando a competência que lhes conferem os artigos 44 e 46 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o artigo 12 da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.

O caso Maria da Penha foi tombado sob o número 12.051, e denunciava a tolerância do Brasil para com a violência praticada por Marco Antônio Heredia Viveiros contra sua esposa, no domicílio do casal, em Fortaleza-CE, relatando que durante toda a vida conjugal, Maria da Penha e as filhas foram agredidas, não tendo havido denúncia ou separação por medo. No entanto, em 29 de maio de 1983, Maria da Penha, de profissão farmacêutica, foi vítima de tentativa de homicídio por parte de seu então esposo, Marco Antônio, de profissão economista, que disparou contra a sua esposa, com um revólver, enquanto ela dormia. Em decorrência dessa agressão, Maria da Penha ficou paraplégica. Viveiros procurou encobrir a agressão, forjando uma tentativa de roubo e agressão por parte de ladrões que teriam fugido. Duas semanas depois, em 29 de maio de 1983, ele tentou eletrocutar Maria da Penha enquanto ela tomava banho. Foi quando Maria da Penha decidiu se separar e fez a denúncia na polícia.

O caso Maria da Penha relata a tolerância do Estado brasileiro, por não haver adotado as medidas necessárias para processar e punir o agressor, durante mais de 15 anos de tramitação do processo.

O Brasil foi notificado, no dia 19 de outubro de 1998, pela Comissão Interamericana, solicitando-lhe informações a respeito da denúncia, mas se manteve inerte. Nova notificação ocorreu em 4 de agosto de 1999, solicitando o envio das informações que considerasse pertinentes, advertindo-o da possibilidade de aplicação do artigo 42 do Regulamento, que era o julgamento antecipado. Nova chance foi dada ao Brasil, tendo a Comissão Interamericana se colocado à disposição das partes, por 30 dias, para uma solução amistosa, como preveem os artigos 48.1,f da Convenção e 45 do Regulamento da Comissão, sem que tenha recebido qualquer resposta.

No dia 4 de abril de 2001, foi julgado o caso Maria da Penha Maia Fernandes, e publicado o Relatório número 54, pela Comissão Interamericana dos Estados Americanos, reconhecendo que o Brasil é responsável pela violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, assegurados pelos artigos 8 e 25 da Convenção Americana, em concordância com a obrigação geral de respeitar e garantir os direitos, prevista no artigo 1, bem como pela dilação injustificada e tramitação negligente deste caso de violência doméstica no Brasil.

Embora tenha reconhecido que o Estado tenha tomado algumas medidas destinadas a reduzir o alcance da violência doméstica e a tolerância estatal da mesma, estas não foram suficientes. Com isso, reconheceu que o Estado violou os direitos e o cumprimento de seus deveres, segundo o artigo 7 da Convenção de Belém do Pará, em prejuízo de Maria da Penha Fernandes.

Em seguida, recomendou que o Brasil adotasse medidas para punir o ex marido de Maria da Penha e buscasse investigar os motivos do atraso processual e responsabilizar os autores.

Dentre as medidas de caráter geral que deveriam ser adotadas pelo Brasil, estavam, nomeadamente, no item VIII, 4 do Relatório:

4. Prosseguir e intensificar o processo de reforma que evite a tolerância estatal e o tratamento discriminatório com respeito à violência doméstica contra mulheres no Brasil. A Comissão recomenda particularmente o seguinte:

a) Medidas de capacitação e sensibilização dos funcionários judiciais e policiais especializados para que compreendam a importância de não tolerar a violência doméstica;

b) Simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual, sem afetar os direitos e garantias de devido processo;

c) O estabelecimento de formas alternativas às judiciais, rápidas e efetivas de solução de conflitos intrafamiliares, bem como de sensibilização com respeito à sua gravidade e às consequências penais que gera;

d) Multiplicar o número de delegacias policiais especiais para a defesa dos direitos da mulher e dotá-las dos recursos especiais necessários à efetiva tramitação e investigação de todas as denúncias de violência doméstica, bem como prestar apoio ao Ministério Público na preparação de seus informes judiciais.

e) Incluir em seus planos pedagógicos unidades curriculares destinadas à compreensão da importância do respeito à mulher e a seus direitos reconhecidos na Convenção de Belém do Pará, bem como ao manejo dos conflitos intrafamiliares.

Em nenhum momento, no Relatório da Comissão Interamericana, houve a determinação para que o Brasil elaborasse uma lei punitivista e sem possibilidade de aplicação de alternativas despenalizadoras. Ao contrário.

Todas as recomendações dirigidas ao Brasil, no processo de revisão da legislação, foram no sentido de simplificar os procedimentos, tornando-os mais céleres, mas sem descuidar das garantias, capacitar os órgãos de polícia e de justiça, criar mais delegacias especializadas, além de adotar medidas não judiciais à solução dos conflitos intrafamiliares, bem como incluir o debate sobre violência contra a mulher nos currículos escolares.

O campo legislativo estava propício para receber uma legislação de proteção à mulher em situação de violência14. Mas não foi exatamente em razão dessa recomendação que se iniciou o processo para a elaboração da Lei Maria da Penha.

Myllena Calazans e Iaris Cortês (2014) informam que o processo para a criação de uma lei especial de combate à violência doméstica e familiar contra as mulheres no Brasil decorreu de manifestações e debates, ainda na década de 1970, durante a campanha do movimento feminista com o slogan ―quem ama não mata‖. Muito especialmente em razão do julgamento de Doca Street, que matou sua esposa Ângela Diniz, e foi absolvido no primeiro júri por ter praticado o crime em ―legítima defesa da honra‖, tese de defesa que autorizava o homem supostamente traído a matar a esposa para defender a honra (BRAZÃO; OLIVEIRA, 2010).

A campanha chamou a atenção dos organismos governamentais, e impulsionou a discussão do tema violência doméstica contra as mulheres nas políticas públicas, tanto é que, em 1985, foi criada a primeira delegacia especializada de atendimento às mulheres, em São Paulo, fruto da luta do movimento de mulheres (CALAZANS; CORTÊS, 2014).

Mas foi somente nos anos 1990 que as mulheres se organizaram, objetivamente, realizando reuniões, para tentar influenciar nos projetos de lei que existiam em tramitação no Congresso Nacional sobre o tema, e que permitiam direitos pontuais, mas não sistematizavam uma legislação efetivamente integral e

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Registre-se que o debate sobre a proteção da mulher vítima de violência doméstica, embora iniciado, não era uníssono. O PL 2372/2000, que autorizava o afastamento do autor de violência doméstica do lar, como medida cautelar no Código de Processo Civil, de autoria da Deputada Jandira Feghali, foi vetado pelo então Presidente da República, por meio da Mensagem n. 546, de 28 de julho de 2002 (CALAZANS; CORTÊS, 2014), mesmo depois da condenação do Brasil pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, no caso Maria da Penha.

protetiva. Houve mudanças legislativas, de maneira tímida e não sistematizada15. Havia também alguns projetos de lei sobre a matéria em tramitação16.

Nessa época foi também promulgada a Lei 9099, de 1995, que criou os Juizados Especiais, classificando a maior parte dos crimes e contravenções que comumente aconteciam em violência doméstica como de menor potencial ofensivo. Era uma proteção absolutamente insuficiente, porquanto invisibilizava ainda mais a violência de gênero contra a mulher no espaço doméstico e previa que a solução passava pelo acordo, além do fato de não proporcionar oportunidade para a discussão da violência doméstica, relações de gênero, ouvir as expectativas da vítima, muito menos se pensar numa estratégia para o fim da violência17.

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Lei 7.209/1984 alterou o artigo 61 do Código Penal, criando uma circunstância que agrava pena se o crime for cometido contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge. Lei 8.930/1994 colocou o estupro e o atentado violento ao pudor no rol de hediondos. Lei 9.318/1996 agravou a pena quando o crime era praticado contra criança, velho, enfermo ou mulher grávida. Lei 9.520/1997 revogou o artigo 35 do Código de Processo Penal, que exigia o consentimento do marido para que mulher casada pudesse exercer o direito de queixa, salvo se a queixa fosse contra ele ou se estivesse separada, mas o juiz poderia suprir o consentimento. Através da Lei 10.224/2001assédio sexual passou a ser crime. Lei 10.455/2002, que alterou os procedimentos da Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (Lei nº 9.099/1995), para permitir, em caso de violência doméstica, que o juiz determine, como medida cautelar, o afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima. Interessante que, quanto a essa última, houve uma clara opção legislativa por incluir o afastamento do autor do lar como medida cautelar criminal, já que o PL 2372/2000, que autorizava o afastamento do autor de violência doméstica do lar, como medida cautelar no Código de Processo Civil, de autoria da Deputada Jandira Feghali, foi vetado pelo então Presidente da República, por meio da Mensagem n. 546, de 28 de julho de 2002. Todas as alterações legislativas que aconteceram nesse período tinham natureza criminal.

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PL 5.172/2001, sobre os efeitos do abandono justificado do lar. PL 6.760/2002, alterando o art. 129 do Código Penal, para tornar a pena mais grave caso a lesão corporal fosse praticada. PL 905/1999, tratava de definir institutos básicos, como os tipos de violência (psicológica, familiar etc.) e tipificando diversas condutas como crime, bem como alguns aspectos processuais, como a representação e a uma espécie de reconciliação do casal, promovida pelo juiz, em nome da paz familiar. Entretanto, este projeto foi considerado inconstitucional por ferir o princípio do devido processo legal. PL 1.439/1999 (este último anexado ao PL 905/1999). O PL 905/1999 previa, forçadamente, uma reconciliação em nome de uma paz familiar. O juiz ou conciliador deveria apresentar às partes ―os benefícios da conduta familiar pacífica, os direitos e deveres de cada ente da família, firmando-se o pacto de cessação da violência, que será assinado pelas partes e homologado pelo juiz‖. Além disso, a questão continuaria a ser tratada pela Lei 9.099/1995, como de menor potencial ofensivo e a ação poderia ser penal pública, dependendo de representação quando resultassem lesões corporais de natureza leve. Por último, havia o Projeto de Lei 2.372/2000, de autoria da deputada Jandira Feghali (PCdoB/RJ), que dispunha sobre o afastamento do agressor da habitação familiar, como uma medida cautelar. Seu descumprimento seria visto como crime de desobediência à ordem legal de funcionário público. A relatora deputada Zulaiê Cobra (PSDB/SP) apresentou um substitutivo ampliando seu alcance para além do Código Penal, abrangendo os códigos de Processo Civil e Processo Penal. Este projeto aprovado no Congresso Nacional foi vetado totalmente pelo Presidente da República (CALAZANS; CORTÊS, 2014).

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No balanço dos efeitos da aplicação da Lei 9.099/1995 sobre as mulheres, diversos grupos feministas e instituições que atuavam no atendimento a vítimas de violência doméstica constataram uma impunidade que favorecia os agressores. Cerca de 70% dos casos que chegavam aos juizados especiais era de mulheres vítimas de violência doméstica. No entanto, 90% desses casos

Considerando esse cenário, em julho de 2002 a Cepia (Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação), ONG feminista sediada no Rio de Janeiro, realizou um seminário com a participação de outras organizações de mulheres (CALAZANS; CORTÊS, 2014). Durante o evento, o Cfemea (Centro Feminista de Estudos e Assessoria) fez uma exposição sobre o estudo Situação Dos Projetos De Lei Sobre Violência Familiar, em Tramitação no Congresso Nacional, acompanhados pelo CFEMEA (CORTÊS, 2002), seguido de um debate sobre o que vinha sendo discutido no Congresso Nacional e o que deveria conter numa lei de proteção integral de enfrentamento à violência doméstica contra a mulher. Na época, concluíram que uma proposta que não contivesse somente questões penais, mas também as atribuições dos diversos órgãos governamentais, teria maior impacto.

A decisão de maior importância na reunião foi a criação de um consórcio, formado por seis ONGs feministas, para elaborarem uma minuta de Projeto de Lei de proteção integral da mulher em situação de violência doméstica e familiar. Formaram o consórcio o CFEMEA (Centro Feminista de Estudos e Assessoria), ADVOCACI (Advocacia Cidadã pelos Direitos Humanos), AGENDE (Ações em Gênero Cidadania e Desenvolvimento), CEPIA (Cidadania, Estudos, Pesquisa, Informação, Ação), CLADEM/BR (Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher) e THEMIS (Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero), além de juristas feministas.

Sob a coordenação do CFEMEA, o consórcio desenvolveu suas atividades de julho de 2002, até o primeiro ano da promulgação da Lei Maria da Penha (CALAZANS; CORTÊS, 2014), e mantinha claro o objetivo de retirar os crimes de violência doméstica da aplicação da Lei 9.099/95, por não concordarem que seria crime de menor potencial ofensivo. Por outro lado, entendiam como ponto positivo a celeridade do procedimento.

Em 2003, tendo como base todas as convenções internacionais que tratavam de direitos das mulheres, o estudo18, que contou com a participação do movimento terminavam em arquivamento nas audiências de conciliação, sem que as mulheres encontrassem uma resposta efetiva do poder público à violência sofrida. Nos poucos casos em que acontecia algum tipo de responsabilização, eram as medidas despenalizadoras, em que o autor do fato deveria entregar uma cesta básica a alguma instituição filantrópica (CALAZANS; CORTÊS, 2014).

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de mulheres, do Poder Executivo, de parlamentares, de membros da magistratura, da magistratura e de operadores do direito e da sociedade em geral, o resultado do trabalho do Consórcio foi apresentado em um seminário realizado na Câmara dos Deputados à bancada feminina do Congresso Nacional e à Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres – SPM.

Como resultado, foi criado um em pouco tempo, realmente, um Grupo de Trabalho Interministerial – GTI, pelo Decreto 5.030/200419, que instituiu o GTI para ―elaborar proposta de medida legislativa e outros instrumentos para coibir a violência doméstica contra a mulher‖.

Calazans e Cortês (2014) contam que o movimento feminista ficou inicialmente em euforia com a presença dos juízes integrantes do Fórum Nacional de Juizados Especiais (FONAJE) no debate, por acreditarem que haviam encontrado interlocutores no judiciário e que eles teriam muito a acrescentar. No entanto, quanto mais os debates avançavam, ficava claro que a posição dos juízes, da Secretaria Nacional de Políticas Públicas para Mulheres e dos integrantes do GTI, era de aplicação da Lei 9099/95 aos crimes de violência doméstica, o que fez com que o movimento de mulheres apresentasse manifestação contrária.

O resultado foi que, no dia 25 de novembro de 2004, o projeto de Lei, por iniciativa do Executivo, foi encaminhado à Câmara dos Deputados, acompanhado da Mensagem presidencial n. 782, de 3 de dezembro de 2004, contendo muitas

a. conceituação da violência doméstica contra a mulher com base na Convenção de Belém do Pará, incluindo a violência patrimonial e moral;

b. criação de uma Política Nacional de combate à violência contra a mulher; c. medidas de proteção e prevenção às vítimas;

d. medidas cautelares referentes aos agressores;

e. criação de serviços públicos de atendimento multidisciplinar; f. assistência jurídica gratuita para a mulheres;

g. criação de um Juízo Único com competência cível e criminal através de Varas Especializadas, para julgar os casos de violência doméstica contra as mulheres e outros relacionados;

h. não aplicação da Lei 9.099/1995 – Juizados Especiais Criminais. 19

Decreto Nº 5.030, de 31 de março de 2004, o GTI foi composto por representante dos órgãos: a) Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, da Presidência da República, que o coordenará; b) Casa Civil da Presidência da República; c) Advocacia-Geral da União; d) Ministério da Saúde; e) Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; f) Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República; e Ministério da Justiça, podendo ser convidadas para participar de suas reuniões e discussões representantes das Comissões do Ano da Mulher da Câmara e do Senado e de organizações da sociedade civil.

propostas do Consórcio, mas mantendo a competência da lei 9099/95 para causas de violência doméstica contra a mulher20.

O Consórcio de ONGs insistia na criação dos Juizados da Violência Doméstica e Familiar, específicos para tratar das causas em que mulheres estão em situação de violência, enquanto a proposta mantinha referidas causas nos JECRIMs.

Nomeada a deputada Jandira Feghali (PCdoB/RJ) como relatora do Projeto de Lei 4559/2004 e apensados aos Projetos de Lei 4958/2005 e 5335/2005, ambos de autoria do Deputado Carlos Nader (PL/RJ), o Consórcio de ONGs organizou um debate e convidou a deputada, apresentando a proposta original, tendo a parlamentar se comprometido em realizar estudos e debater o que fora incubido a ela. Diante disso, a deputada nomeou uma assessoria com juristas e apoio do Consórcio de ONGs (CALAZANS; CORTÊS, 2014).

A relatora Jandira Feghali realizou audiências públicas em todas as regiões do país, em 10 estados (Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Acre, Rio Grande do Norte, Paraíba, Ceará, São Paulo e Espírito Santo), juntamente com o movimento de mulheres, o Consórcio de ONGs, a bancada feminina federal e os legislativos e executivos locais. No Ceará, Maria da Penha Maia Fernandes participou da audiência.

A ampliação da discussão sobre o projeto de lei fez com que muitas outras instituições realizassem debates a respeito e muitas propostas de aperfeiçoamento no texto surgiram. Calazans e Cortês (2014) contam que algumas propostas geraram polêmica, como a discussão sobre as medidas em relação ao autor da violência, já que para algumas feministas e organizações não era cabível a previsão de centros de reeducação para os agressores, penas alternativas ou justiça terapêutica, pois essas ações iriam dividir recursos que deveriam ser destinados às políticas para as mulheres em situação de violência. Para outros grupos, era exatamente o contrário, por entenderem que o tratamento/reflexão para autores de violência deveria fazer parte do enfrentamento da política de enfrentamento à violência, sendo esta uma forma de oportunizar a reflexão sobre suas condutas, discutirem os papéis sociais atribuídos aos homens e mulheres, evitando a reincidência.

20 Ementa do Projeto 4559/2002: ―Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, e dá outras providências‖. Continha 46 artigos, em 6 capítulos.

Calazans e Cortês (2014) também informam que um ponto consensual nas audiências públicas foi que a lei 9099/95 não deveria incidir na lei nova, tendo sido debatidas questões como ―desistência‖ ou ―retirada da queixa‖, bem como a aplicação da lei para mulheres lésbicas, empregadas domésticas, com deficiência e idosas. Ao final, a deputada Jandira Feghali apresentou um substitutivo21.

Depois de passar pelas respectivas comissões e receber algumas emendas de redação, o projeto foi para o plenário no dia 7 de março de 2006, recebeu mais emendas e, finalmente, foi aprovada a redação final do projeto de lei 4559/2004, seguindo para o Senado Federal no dia 30 de março de 2006, onde foi protocolado sob o número 37/2006. As discussões continuaram com a participação e acompanhamento do Consórcio de ONGs, tendo sido aprovado o projeto de lei em plenário no dia 14 de julho de 2006, sem emendas.

No dia 7 de agosto daquele ano, o Presidente sancionou a lei, em meio a um cenário favorável, pois o Estado brasileiro havia ratificado a Convenção sobre a

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A proposta previa, entre outras posições, a retirada dos crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher da abrangência da Lei 9099/95; a criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com novo procedimento de competência para os processos cíveis e criminais; renúncia à representação somente em audiência, perante o juiz, que poderia rejeitá-la; vedação da aplicação de penas de prestação pecuniária e de cesta básica; interrupção do prazo prescricional em caso do não cumprimento da pena restritiva de direitos; inclusão de dano moral e patrimonial, que passava a integrar o conceito do crime de violência doméstica e familiar contra a mulher; inclusão da expressão ―com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia‖, no diagnóstico, registro de dados; capacitação dos diversos segmentos profissionais e programas educacionais, assistência especial para crianças e adolescentes que convivam com tal violência; reforço para as Delegacias de Atendimento à Mulher; capacitação, também, para a Polícia Militar, Corpo de Bombeiros e Guarda Municipal; inclusão das diretrizes e princípios estabelecidos pelo Sistema Único de Segurança Pública na assistência à mulher vítima de violência doméstica e familiar; possibilidade da inclusão da vítima em programas assistenciais do governo, programas de proteção à vítima e à testemunha; acesso à transferência de local de trabalho (quando servidora pública); estabilidade de 6