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4 GRUPOS REFLEXIVOS DE HOMENS E A PERSPECTIVA DE

4.3 O Grupo Reflexivo do Ministério Público

O ―Grupo Reflexivo de Homens: por uma atitude de paz‖ foi idealizado para funcionar, pioneiramente, no país, no âmbito do Ministério Público, como um serviço de atenção aos homens autores de violência doméstica e familiar, e tem como objetivo geral a constituição de grupos de homens que estejam figurando no polo passivo de processos judiciais por estarem envolvidos em contextos de violência doméstica e familiar contra a mulher, com vistas a lhes proporcionar uma reflexão sobre suas atitudes (VERAS at al., 2014).

Enquanto objetivos específicos, o programa visa propiciar a reflexão sobre o papel masculino e feminino na sociedade contemporânea; a promoção de um espaço de escuta compartilhada, através de troca de experiências; a discussão da LMP no contexto de violência doméstica e familiar para a promoção da igualdade de gênero, considerando as realidades vivenciadas; e a promoção de alternativas para um comportamento assertivo diante de situações de estresse, de tal forma que tenha como resultado o rompimento do ciclo de violências domésticas e familiares perpetrados contra a mulher, por meio da conscientização dos homens envolvidos neste contexto, evitando, dessa forma, a reincidência de casos de violência ora focados.

Depois de criado o serviço, foi realizado um termo de cooperação técnica entre o MP/RN e o Poder Judiciário do Estado, os quais formalizaram o interesse comum de cooperar entre si, através de ações conjuntas que busquem a consolidação de programas educacionais, visando disseminar valores éticos e de respeito à dignidade humana, na conformação da Constituição Federal e da Lei Maria da Penha. No referido termo de cooperação encontram-se a criação e a delimitação das ações do ―Grupo Reflexivo de Homens: por uma Atitude de Paz‖, as quais se voltam à promoção de discussões sobre a questão da equidade de gênero, do respeito aos direitos humanos e da prevenção e do combate à violência doméstica e familiar contra a mulher.

Os homens se inserem nestes grupos, seja enquanto complemento ao cumprimento das medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha, seja como cumprimento de medidas cautelares diversas da prisão preventiva, ou em decorrência da aplicação da suspensão condicional do processo, prevista no artigo 89 da Lei nº 9099/95, ou ainda, enquanto condição decorrente do sursis penal, previsto no artigo 77 do Código Penal, por ocasião da suspensão condicional da pena aplicada em sentença penal condenatória e, enquanto cumprimento da pena acessória prevista no artigo 45 da Lei nº 11.340/2006, o qual modificou o artigo 152 da Lei de Execução Penal. Entretanto, cerca de 95% dos homens que já passaram pelo grupo reflexivo foram encaminhados a partir da suspensão condicional do processo e a evasão ou descumprimento não chega a 2% dos inscritos.

Estando encaminhado para cumprir uma das medidas acima citadas mediante a participação no grupo, o homem deve comparecer ao Núcleo de Apoio à Mulher Vítima de Violência Doméstica e Familiar do Ministério Público para receber as instruções iniciais a respeito de como se dará a execução do Grupo Reflexivo do qual fará parte. Neste momento, será realizado atendimento psicossocial. Primeiro é realizada uma entrevista com um questionário socioeconômico, pelo qual a assistente social busca identificar as necessidades socioassistenciais. Em seguida, a psicóloga, por intermédio da anamnese51, identifica possíveis dificuldades, motivações e/ou outros fatores que possam interferir na partição e interação com o grupo, além de colher a percepção do homem sobre a violência, o fato de estar respondendo a processo judicial, sua infância e o relacionamento conjugal que foi o âmbito da situação de violência. Este atendimento inicial é individualizado e acontece na sede do NAMVID, assim como os encontros em grupo também.

De acordo com Veras et al (2014), os grupos são formados, cada um, por aproximadamente 10 a 15 homens, os quais participam de 10 encontros que, dependendo da disponibilidade dos integrantes do grupo, ocorrem uma ou duas vezes por semana, durante um intervalo de aproximadamente duas horas cada, na sede do NAMVID, no caso de Natal. Em cada encontro, é desenvolvida uma dinâmica específica com temática própria.

51

Anamnese é um termo muito antigo que teve origem do Gregoana, que significa trazer de novo e mnesis, significando memória. Trata-se, nesse caso, de uma entrevista realizada pela psicóloga com a intenção de ser um ponto inicial ao Psicodiagnóstico.

Enquanto o DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional e o CNJ – Conselho Nacional de Justiça divulgam que o índice de reincidência no sistema penitenciário comum é de cerca de 75%, o Ministério Público tem uma prática exitosa de quase 6 anos com índice de reeducação do homem autor da violência doméstica em 100%, ou seja, a reincidência é ZERO. Por óbvio, há um diferencial nas atividades do Grupo Reflexivo de Homens do Ministério Público, tendo em vista que o crime de violência doméstica não pode ser comparado às outras práticas delitivas e se caracteriza pela conduta reiterada. Conseguir atingir e manter o índice de reincidência ZERO foi, e vem sendo, uma das principais conquistas do Ministério Público, que comprovou que conseguiu atingir uma profunda reflexividade nos participantes, fazendo com que internalizassem a conduta e resultassem na conduta voltada para o comportamento assertivo e de paz nos lares, com ganhos não só para os participantes, mas também para os filhos, que não mais viverão em lares com violência e, sobretudo, para as mulheres, cujo desejo com o processo criminal é principalmente não ser mais vítima.

É importante destacar que a iniciativa do Grupo Reflexivo de Homens, desenvolvida pelo MP/RN, foi usada como referência no Senado Federal para aprovação de uma alteração na Lei Maria da Penha, que passará a prever, expressamente, que a frequência no Grupo Reflexivo de Homens será determinada como medida protetiva, conforme o MP/RN já faz. O grande fundamento para a proposta de Projeto de Lei foi o resultado comprovado de índice de reincidência ZERO que o Grupo Reflexivo tem ostentado desde que começou as atividades. Seguindo o trâmite, o projeto de lei nº 9/2016, proposto pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, segue para análise na Câmara dos Deputados.52

O grupo reflexivo já foi implantado em Natal, Parnamirim, Macaíba e São Paulo do Potengi, no Rio Grande do Norte.

A equipe do NAMVID já capacitou 25 equipes dos CRAS e CREAS no interior do Estado (São Gonçalo, Ceará-Mirim, São José do Mipibu, Senador Eloi de Sousa, Tangará, Sítio Novo, Marcelino Vieira, Tenente Ananias, Pau dos Ferros, João Dias, Pilões e Alexandria) para realizem os grupos, como também equipes

52 Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/2016/03/senado-aprova-alterar-lei-maria-da-

penha-para-ressocializaragressores.html> e em <https://www.mprn.mp.br/portal/inicio/noticias/7361- iniciativa-do-mprn-inspira-projeto-de-lei-aprovado-nosenado>.

multidisciplinares da Secretaria Municipal de Políticas Públicas para Mulheres e dos Juizados da Violência Doméstica de Familiar de Natal.

Foram concluídas 32 turmas de grupos reflexivos de homens, com 305 homens egressos, até junho de 2018, em Natal.

Primeiro, houve uma articulação com o Judiciário para implementação do projeto e foi assinado um termo de cooperação técnica entre Ministério Público e Tribunal de Justiça. De acordo com o Termo de Cooperação Técnica firmado entre Ministério Público e Tribunal de Justiça, a formação dos grupos se dá a partir do encaminhamento do poder judiciário (Juizado de violência doméstica), em casos de deferimento das medidas protetivas previstas no artigo 22 da lei 11.340/2006, e também em decorrência de aplicação do sursis penal previsto no art. 77 do código penal, como condição imposta por ocasião da suspensão condicional da pena aplicada em sentença penal condenatória, bem como medida cautelar alternativa à prisão preventiva.

As atividades do grupo reflexivo são distribuídas em 10 encontros e o participante deverá comparecer a todos. Em seguida, são realizadas entrevistas individuais, com uma assistente social e uma psicóloga, com os homens para divisão nos grupos. Depois são realizadas as oficinas semanais e, ao final, gravado um vídeo sobre as experiências de cada um nos grupos. Concluída a participação integral no grupo reflexivo, a equipe multidisciplinar do NAMVID realiza visita domiciliar, no período de até 6 meses, e elabora relatório sobre o impacto da participação no grupo na família do homem.

A suspensão condicional do processo só é aplicada nos casos em que há a aceitação do acusado e do defensor da mesma perante o Juiz. Durante o período de prova, que perdura entre 2 e 4 anos, o homem deve obedecer a certas condições legais, além de outras adequadas ao caso 53. E é justamente nessa possibilidade de

53

§ 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:

I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo; II - proibição de frequentar determinados lugares;

III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;

IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.

§ 2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.

outras condições, que se formula a proposta de que ele participe do Grupo Reflexivo de Homens.

Embora no ano de 2015 tenha sido aprovada a Súmula 53654 do Superior Tribunal de Justiça, cujo Enunciado proíbe a suspensão condicional do processo nos casos de violência doméstica, a súmula não é vinculante e continua a ser aplicada, a depender do entendimento do juiz de direito e do promotor de justiça que atuam em cada processo.

Um dado bastante significativo é o de que o índice de reincidência destes homens é 0% (zero por cento), haja vista não haver nenhum outro processo com eles figurando no polo passivo em razão de violência doméstica e familiar contra suas respectivas companheiras. No entanto, tem-se notícia, no NAMVID, de que dois deles chegaram a praticar novas agressões contra suas companheiras, mas não houve a instalação de processos judiciais para a apuração destes casos.

A equipe técnica que acompanha esses grupos ressalta que as transformações proporcionadas pelas atividades reflexivas em alguns dos homens participantes são tão significativas que eles, por vezes, são convidados, ou mesmo se oferecem, para retornar aos grupos com o propósito de manifestarem seus depoimentos junto aos demais sobre a real possibilidade de repensar as posturas e condutas e do quanto essa atitude poderá ressignificar as suas relações familiares, proporcionando um ambiente longe de conflitos, com a prevalência do diálogo, da compreensão e da afetividade.