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3 A PROTEÇÃO INTEGRAL DA MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DE

3.2 A proteção integral da mulher na Constituição Federal e nas leis

A primeira constituição brasileira, de 1824, foi outorgada por Dom Pedro, que dissolveu Assembleia Constituinte, sendo a constituição que teve maior vigência (65 anos). Por ela, só podia ser eleitor quem tivesse renda superior a 100 mil réis e, para ser votado, deveria ter renda maior que 200 mil réis. Essa constituição, em seu artigo 179, XIII, dizia que ―a lei será igual para todos‖. Mas não se referia

propriamente à mulher, em igualdade de direitos com os homens. A única menção à mulher no texto constitucional foi para falar da sucessão no trono7.

A Constituição de 1891,por sua vez, previa o fim da escravidão, a igualdade de direitos para todos, sem mencionar também as mulheres, estabelecia o sufrágio universal para todos os brasileiros alfabetizados e maiores de 21 anos. Embora já houvesse a discussão sobre o direito ao voto das mulheres, não foi contemplado expressamente nessa constituição, mas também não o proibiu. Diante da lacuna proibitiva, durante mais de 40 anos dessa constituição, as mulheres pediram alistamento eleitoral. Inconformadas com as negativas, em 1910, sob a liderança da professora Deolinda Dalho, mulheres fundaram o Partido Feminino Republicano. Era o partido político formado pelas mulheres que não tinham direito ao voto. Além do direito ao voto, o estatuto do partido pedia o fim da exploração sexual, antecipando em 50 anos a luta das feministas dos anos de 1960.

A Constituição de 1934 contemplou temas como ordem econômica e social, família, educação e cultura. Definiu direitos dos trabalhadores, jornada de 8 horas, repouso semanal, férias remuneradas e previdência social. Declarou o voto secreto para ambos os sexos (artigo 103), mas facultativo para as mulheres, salvo se exercessem função remunerada8. E pela primeira vez proibiu expressamente privilégios ou distinções por motivo de sexo (artigo 113). Criou a garantia para o trabalho feminino, proibindo a diferença de salários entre funcionários de ambos os sexos que cumpriam a mesma função pública (artigo 168), vedou o trabalho feminino insalubre nas industrias, criou a licença gestante, garantindo às mulheres o descanso, antes e após o parto, com remuneração assegurada, por 3 meses, pela Previdência Social (artigo 170).

A constituição de 1937 foi reconhecida tendência autoritária, outorgada no Brasil por ocasião da instalação do Estado Novo, tendo suprimido a referência expressa à igualdade jurídica de ambos os sexos, retornando à fórmula genérica das constituições brasileiras promulgadas no século anterior.

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Art. 117: Sua Descendencia legitima succederá no Throno, Segundo a ordem regular do primogenitura, e representação, preferindo sempre a linha anterior às posteriores; na mesma linha, o gráo mais proximo ao mais remoto; no mesmo gráo, o sexo masculino ao feminino; no mesmo sexo, a pessoa mais velha á mais moça.

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Art 109 - O alistamento e o voto são obrigatórios para os homens e para as mulheres, quando estas exerçam função pública remunerada, sob as sanções e salvas as exceções que a lei determinar.

Na constituição de 1946, havia a declaração de igualdade genérica (artigo 141, § 1º), mas dizia que o alistamento e o voto eram obrigatórios para os brasileiros de ambos os sexos (artigo 133). Proibiu a diferença de salário para um mesmo trabalho por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil (artigo 157, II), direito da gestante ao descanso, antes e depois do parto, sem prejuízo do emprego nem do salário, mas não falou no prazo (artigo 157, X), assistência sanitária, inclusive hospitalar e médica preventiva, ao trabalhador e à gestante (artigo 157, XIV), previdência, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado, em favor da maternidade e contra as consequências da doença, da velhice, da invalidez e da morte (artigo 157,XVI).

Na constituição de 1967, elaborada durante o regime militar, é retomado o preceito de igualdade para todos perante a lei, sem distinção de sexo9. Elaborada após a Declaração Universal dos Direitos do Homem, houve a afirmação da isonomia jurídica entre homem e mulher como norma constitucional. Houve a diminuição do tempo para aposentadoria da mulher, que passou de 35 para 30 anos de serviço10. A Emenda constitucional 01/1969, que reconheceu um novo poder constituinte originário, outorgando uma nova Carta, que ―constitucionalizava‖ a utilização dos Atos Institucionais, não trouxe alterações para a mulher.

A Constituição federal de 1988, decretada e promulgada pela Assembleia Nacional Constituinte de 1988, estabeleceu, em seu artigo 5º, o rol dos direitos e garantias fundamentais, a igualdade, sem distinção de qualquer natureza, além de assegurar a proteção integral11. Além do preceito geral de igualdade, a Constituição Federal de 1988 trouxe importantes avanços para o fim da discriminação das mulheres, erigindo políticas afirmativas para diminuição das diferenças.12

9 Art 150 – (...) § 1º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção, de sexo, raça, trabalho, credo

religioso e convicções políticas 10

Art 100 - O funcionário será aposentado:

III - voluntariamente, após trinta e cinco anos de serviço.

§ 1º - No caso do n.º III, o prazo é reduzido a trinta anos, para as mulheres. 11

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; 12

Art. 3º IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 5º I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição. Art.7º: XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias.

Os poderes constituintes foram os da legislatura de 1986-1990, totalizando 559 Congressistas, dentro os quais, somente 26 mulheres deputadas. Foram apresentadas 30 emendas sobre direitos das mulheres, englobando algumas demandas dos movimentos feministas (igualdade perante a Lei, licença maternidade de 120 dias, licença paternidade de 05 dias e igualdade sociedade conjugal), que fizeram o que se convencionou chamar de ―lobby do batom‖, escrevendo uma carta aos constituintes e fazendo pressão para que os pleitos de igualdade fossem apresentados e aprovados. Das reivindicações feministas, não foram contempladas as questões do aborto e aposentadoria da mulher dona de casa.

Na legislação ordinária, entre leis civis e penais, a história demonstra, também, uma mudança de postura, no sentido da diminuição das desigualdades e discriminação negativa, embora em lenta escalada histórica.

Depois da separação formal de Portugal da Espanha, houve a promulgação, no novo reino, das ordenações, que eram normas que disciplinavam a vida em sociedade. Vieram, então, as ordenações afonsina (Rei Afonso VI, em 1446), manoelina (Dom Manuel, o Venturoso, em 1521) e filipina (Dom Filipe, em 1603). As ordenações do reino foram inspiradas nos sistemas romano e canônico. A partir da colonização, em 1500, foram sendo usadas as ordenações do reino de Portugal para reger as relações sociais no Brasil.

No Brasil colônia (1500-1822), as leis previam que as mulheres eram destinadas ao casamento e procriação, enquanto os homens dominavam as letras e os negócios. No século XVII, somente duas mulheres em São Paulo sabiam escrever o nome.

As ordenações filipinas ficaram em vigor no Brasil até 1832. Nelas, se previa que a mulher precisa de permanente tutela porque tinha fraqueza de entendimento. Havia a determinação de castidade e controle da sexualidade da mulher. As mulheres eram protegidas pela legislação enquanto se conformassem nas categorias de virgens, casadas ou viúvas. O adultério era punido com pena de morte. A vida da mulher negra era controlada pelo seu senhor. Enquanto os homens XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei.

XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.

Art. 226,§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

eram destinados à lavoura, as mulheres eram destinadas à casa, prazer sexual do senhor e ao aluguel para outros homens (FREYRE, 2013).

Com a declaração de independência, não havia como criar uma legislação própria imediatamente e houve uma lei, em 20 de outubro de 1823, determinando que continuasse a vigorar, no Império, a legislação do Reino (Ordenações Filipinas), até que o Brasil tivesse legislação própria.

Em 1827, a Lei Geral permitiu o ensino primário às mulheres, padronizando- as no país, que não permitia que as mulheres estudassem as mesmas matérias que os homens. Em 1828, Nísia Floresta publica os primeiros artigos feministas no Jornal Pernambucano, funda a Escola das Moças, com ampla instrução nas ciências para mulheres e escreve o livro Direitos das Mulheres e Injustiça dos Homens, sendo considerada a primeira feminista do Brasil. Nísia Floresta também lutou no movimento abolicionista com Joaquim Nabuco, entre 1872 e 1875. Somente em 1879, o governo brasileiro permitiu que mulheres cursassem o ensino superior, embora estivessem sujeitas ao preconceito. Houve muitas que, formadas, não eram procuradas por clientes, em razão da discriminação.

As mulheres no Rio Grande do Norte foram as que conquistaram o direito ao voto em primeiro lugar no país, tendo o governador regulamentado o direito ao voto no Estado, sem distinção de sexo. Com isso, 15 mulheres tiveram o alistamento eleitoral no ano de 1927, e 11 mulheres votaram nas eleições de 05 de abril de 1928. O caso ficou famoso mundialmente, mas a Comissão de Poderes do Senado anulou os votos. O Código Eleitoral só veio estender o direito para todas as mulheres, no Brasil, em 1932.

O Brasil republicano foi marcado por acontecimentos históricos, indo desde a revolução industrial, à entrada das mulheres no mercado de trabalho e, com isso, à dupla jornada e salários menores. Mulheres começaram a fazer greve por melhores condições salariais e lutavam pelo direito de votar.

Em 1916 é publicado o primeiro Código Civil do Brasil, com foco de proteção na mulher casada, embora esta proteção fosse condicionada ao casamento formal e a retirada de sua capacidade plena, já que era considerada como relativamente incapaz, ao lado dos menores, à época, entre 16 e 21 anos de idade. Pelo Código Civil, a mulher só exercia o pátrio poder em colaboração com o marido, e se houvesse divergência, prevalecia a vontade do homem. Havia a previsão do débito conjugal, que era a obrigação de manter relações sexuais no casamento, o que

levou os tribunais a fazerem muitas interpretações desfavoráveis às mulheres, já que entendiam que não era possível que o marido cometesse estupro contra a própria esposa, pois aquele tinha o direito de exigir que a mulher tivesse conjunção carnal com ele, tendo em vista que era uma das obrigações matrimoniais. Os maridos eram absolvidos de eventual crime de estupro.

A finalidade do casamento era a procriação. Era chancelada, legalmente, a desigualdade entre homem e mulher no casamento e entre filhos, dependendo da origem. Além disso, o Código Civil previa a análise da culpa conjugal pelo fim do casamento. O Código Civil de 1916 também previa que o marido podia pedir a anulação do casamento, em 10 dias, se descobrisse que a mulher não era mais virgem. Era garantido ao pai o direito de deserdar a filha considerada ―desonesta‖, se esta vivesse sob o teto paterno.

Somente em 1962, por meio da promulgação do Estatuto da Mulher Casada, a mulher passou a ter autorização para trabalhar fora de casa e foi considerada como capaz.

O Código Civil de 2002, que entrou em vigor em 2003, já veio em sintonia com a igualdade prevista na Constituição Federal de 1988 e consagrou essa isonomia no seu texto, tendo promovido mudanças nos institutos, como o poder familiar, exercido igualmente entre pais e mães, a igualdade de direitos e deveres na relação conjugal, igualdade entre filhos, dentre outros.

O Código Penal de 1940 só protegia a mulher vítima enquanto fosse provada sua honestidade. Quando se falava em mulher vítima, era a honra dos homens da família, especialmente a do marido, que se protegia. Os crimes praticados contra a liberdade sexual da mulher eram chamados crimes contra os costumes, e havia a extinção da punibilidade13 para o autor do fato quando houvesse casamento da vítima com o seu ofensor ou com uma outra pessoa, porque acreditava-se que o casamento salvava a honra da mulher. No Código de Processo Penal de 1941, o direito de prestar queixa por crime contra a honra da mulher era condicionado à autorização do marido. Nos anos 30, professoras precisavam de autorização do Ministro da Educação para se casarem.

Em 28 de março de 2005, através da Lei nº 11106, foi retirada o adjetivo honesta, que era atrelado à mulher, extinguindo também a previsão de arquivamento

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do processo de crimes contra a liberdade sexual da mulher, como estupro, quando houvesse o casamento da vítima, seja com o ofensor, seja com terceiro. Também houve a abolição de diversos crimes, como adultério, rapto e sedução.

A Lei 10224, de 2001, tornou o assédio sexual um crime. E mudanças significativas ocorreram em 2009, com a unificação do crime de estupro e atentado ao pudor e, principalmente, modificou o título do capítulo, de crime contra os costumes, para crimes contra a dignidade sexual, alterando o paradigma para prever a proteção direcionada à mulher.

A Emenda Constitucional 72, conhecida como a PEC das domésticas (PEC 66/2012), modificou o regime jurídico de trabalho dos trabalhadores domésticos, que em sua maioria são mulheres, garantindo uma jornada de trabalho de 8 horas por dia e 44 horas semanais, com direito à hora extra e adicional noturno. Em 2015, a Lei Complementar 150 foi aprovada, concedendo ao trabalhador doméstico os mesmos direitos de um trabalhador celetista, com exceção do Abono Salarial (PIS), insalubridade e o seguro-desemprego (que para a categoria dos domésticos é dividido em três parcelas no valor de um salário mínimo federal), atendendo uma previsão da Convenção 189 da OIT, embora o Brasil só tenha se tornado dela signatário em 2017, através do Decreto Legislativo 172/2017.

Entretanto, um grande retrocesso legislativo nos direitos das mulheres foi a aprovação da chamada reforma trabalhista, Lei 13467, de 13 de julho de 2017, que entrou em vigor em 11 de novembro de 2017, complementada pela Medida Provisória 808, aprovada em 14 de novembro de 2017.

As principais mudanças trouxeram uma distância maior na desigualdade de gênero em relação ao trabalho da mulher. Embora traga em seu texto um dispositivo que proíbe a discriminação de diferença salarial por motivo de sexo ou etnia, fixando uma multa de metade do teto salarial do INSS, que em 2017 era R$ 5.531,31 (cinco mil, quinhentos e trinta e um reais e trinta e um centavos), além da diferença salarial, também trouxe vulnerabilidade da mulher no ambiente de trabalho. Agora é possível que a mulher grávida trabalhe em locais com insalubridade média e baixa, mediante aceitação e com atestado médico. Antes da reforma, havia a proibição de trabalho de mulher grávida em locais insalubres, por qualquer grau, para preservar a vida e a saúde da mulher e do filho. A nova Lei também trouxe a previsão do tele trabalho e trabalho intermitente.