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CAPÍTULO II – O contexto clínico

2.1. A emergência do conceito de clínica e de psicologia clínica

2.1.3. A psicologia clínica

Em 1947, a psicologia clínica passou a ser uma especialidade da psicologia geral, que, por sua vez, compõe o campo das ciências humanas e sociais, pela American Psycological Association – APA.

A gênese histórica da psicologia clínica é o modelo da medicina moderna, especialmente da psiquiatria e de sua clínica, que despontou, como visto acima, no final do século XVIII e início do século XIX, num cenário histórico complexo, marcado por muitas descobertas nas ciências, mudanças políticas e sociais, conforme apontamentos dos subitens anteriores.

Não obstante, sua identidade e campos de atuação se definem no transcurso histórico do século XX quando se insere no diálogo com outras ciências das áreas de saúde e social, principalmente. Portanto, é caracterizada como uma ciência nova, de pouco mais de cem anos.

São considerados fundadores da psicologia clínica: Lightner Witmer (1867- 1956), Pierre Janet (1859-1947) e Sigmund Freud (1856-1936). Witmer inaugurou em 1896 a primeira clínica de psicologia, onde trabalhava com crianças portadoras de comprometimento de aprendizagem. A ele é atribuído o uso primeiro da expressão “psicologia clínica” para se referir ao método que usava – o clínico - e não para vincular a psicologia à medicina, pensamento comum na época. Witmer buscava uma psicologia

concreta, praticada em um contexto real e não apenas filosófico e isso concretizava no trabalho com crianças com problemas concretos e reais.

Witmer apresentou seus estudos e proposta para a Associação Psicológica Americana (APA), empregando os termos “psicologia clínica” e “método clínico” e, anos depois, em 1919, essa instituição abriu uma sessão clínica, indicando a tarefa dos psicólogos clínicos: o estudo de casos individuais, a contribuição para o diagnóstico, a realização de avaliações e as terapias individuais e grupais.

Janet popularizou a psicologia clínica e as psicoterapias na França. Utilizou o termo “psicologia clínica” em 1887 no livro “Neuroses e Ideias Fixas” e em 1926 em “Da angústia ao êxtase”. Diferentemente de Witmer, considerava que a psicologia clínica se destinava aos médicos que se ocupavam de doentes mentais.

Freud se refere à psicologia clínica em uma carta a Fliess, datada de 30 de janeiro de 1899: “agora a ligação com a psicologia, tal como se apresenta nos estudos (sobre a histeria), sai do caos. Percebo as relações com o conflito, com a vida, tudo o que eu gostaria de chamar de psicologia clínica” (Freud, 1996).

Em outro texto, Freud (1905[1904]) escreve sobre o método psicoterápico, dirigindo-se aos médicos que o consideram um produto do misticismo moderno, se comparada aos recursos farmacológicos em uso. Freud argumenta que a psicoterapia é bastante familiar aos médicos desde a prática da medicina antiga até os tempos modernos, pois esses profissionais conhecem o efeito da sugestão de melhora, que se assenta na confiança do paciente depositada em quem o trata. Dessa forma, não é o medicamento que cura as doenças, mas sim a influência do médico sobre o seu paciente. Ao se considerar o cenário e o contexto da psiquiatria da época, sua contribuição é inovadora em diversos aspectos, principalmente pelo deslocamento do saber sobre os sintomas e a doença, não mais privilégio do médico que o busca, mas trazido pelo paciente, em seu discurso. O médico não apenas observa e busca o diagnóstico, mas escuta o indivíduo, busca pela sua história. Por outro lado, como método de intervenção, a abordagem de análise e a interpretação do “segredo” da clínica individual fortalecem o imaginário de que essa clínica é mais efetiva para tratar os sofrimentos psíquicos.

São várias as tarefas atribuídas à psicologia clínica: contribuir no campo prático, pois é uma atividade exercida profissionalmente, com método próprio – o método clínico e o estudo de caso. Agregar conhecimento epistemológico e científico, pois compõe o campo de uma disciplina científica – a Psicologia. Nesse sentido, suas pesquisas e aportes teóricos, metodológicos e técnicos, por si e interdisciplinarmente, contribuem para o entendimento do indivíduo em suas manifestações comportamentais, cognitivas e relacionais consigo, com o outro e com tudo que compõe a realidade interna e externa.

No âmbito das práticas de saúde, abrange o conjunto de teorias e técnicas para auxiliar o indivíduo, grupos e coletividades em situação de sofrimento. Nesse aspecto, dialoga e utiliza saberes interdependentes, por exemplo, da medicina, da psicopatologia, da neurociência, resguardando a especificidade de cada área.

Ao se considerar o que distingue e especifica cada área, observa-se que a psicologia clínica desde o início pretendeu ser crítica, abrangente e não excludente, pois, sob suas práticas e teorias, reuniram-se, com o transcorrer do tempo, o normal, o patológico, o consciente, o inconsciente, o subjetivo e o objetivo, o histórico e o social.

Entendemos que a psicologia clínica se distingue das demais áreas psicológicas muito mais por uma maneira de pensar e atuar, do que pelos problemas que trata. O comportamento, a personalidade, as normas de ação e seus desvios, as relações interpessoais, os processos grupais, evolutivos e de aprendizagem são objeto de estudo não só de muitos campos da psicologia como também das ciências humanas em geral. (Macedo, 1984, citado por Petrarca, 1997, para. 22).

Mantido o propósito que fomenta o debate, a crítica e as reindicações que a própria psicologia clínica produz e reproduz, ainda prevalece muito da visão tradicional de ter como objeto o indivíduo e seu psiquismo, descontextualizado da história e da cultura, pelo que o estudo de caso é o método privilegiado.

Esse método clínico tradicional, aos poucos, transita para outras modalidades e amplia seus conceitos para fundamentar pesquisas e atuações na saúde pública e em outras especialidades da psicologia, por exemplo, a social, a escolar, a jurídica, a

organizacional e a do trabalho. A finalidade é basicamente intervir, prevenir, diagnosticar, tratar, aconselhar, enfim ajudar pessoas, grupos, famílias, comunidades, coletividades, minorias com problemas emocionais, comportamentais, conflitos psicológicos, dentre tantos que se apresentam como desajustamentos, estresse, depressão, ansiedade, disfunções sexuais, etc. em formas leves, moderadas, agudas ou crônicas.