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Em “História e Psicologia”, Horkheimer é bastante explícito ao indicar a posição da psicologia no seu quadro teórico de pesquisa: para ele, como já mencionamos a expressão, a psicologia é “uma certamente indispensável ciência auxiliar da história”81. No capítulo anterior indiquei uma formulação de Freud sobre as

79 Horkheimer, “Die gegenwärtige Lage...”, 33; “A Presente Situação...”, 131.

80 Perry Anderson considera que a aposta de Horkheimer numa integração do materialismo histórico com as ciências burguesas reflete a “despolitização” pela qual passa o IfS a partir da tomada de Hitler ao poder e do exílio nos Estados Unidos. Para ele, o IfS teria se dedicado sobretudo a fazer uma “adaptação à ordem burguesa local”, teria sido “um enclave isolado no mundo acadêmico nos EUA”, e teria renunciado “explicitamente a qualquer vínculo com a prática socialista” (Anderson, Considerations

on Western Marxism, 33–34.) Excetuando os evidentes exageros, creio que a bibliografia sobre a

história do IfS dá alguma razão na crítica assertiva de Anderson; mas ele parece não considerar a dificuldade de adaptação pessoal dos colaboradores e institucional em outro país, bem como a tentativa, bem sucedida ou não, de manter os vínculos com o país natal e, de alguma maneira, exercer alguma influência na vida intelectual de língua alemã, como mostra Rolf Wiggershaus, The Frankfurt

School: Its History, Theories, and Political Significance, trad. Michael Robertson (Cambridge, Mass: The

MIT Press, 1995), por exemplo. Ocorre que o exagero vai além da conta ao afirmar que o IfS, ao se adaptar num país sem tradição marxista substancial, adapta-se ao seu ambiente e às práticas acadêmicas locais, de modo a censurar seu passado e a “conduzir surveys sociológicas de um caráter positivista convencional” (Anderson, Considerations on Western Marxism, 33.) Se é verdade que Horkheimer considera as contribuições metodológicas e os resultados da ciência burguesa para o materialismo, como procurei argumentar no capítulo, outra coisa bem diferente é dizer que ele simplesmente se adapta sem mais à academia americana e ao positivismo. O fato é que Anderson faz tais afirmações assertivas, mas não se aprofunda na sua leitura dos textos de Horkheimer, i.e., não demonstra de maneira aprofundada, pelo menos não neste livro, onde e como essas tendências podem estar nos textos.

deficiências do marxismo, afirmando que seria uma fundamentação teórica poderosa se pudesse ser complementado com uma abordagem pulsional e cultural adequadas82. Wilhelm Reich coloca de maneira mais direta: a psicanálise é uma

ciência que tanto se afasta do idealismo, quanto é propriamente uma ciência materialista que contribuiria em muito se fosse uma “ciência auxiliar dentro do quadro do materialismo histórico”83. Neste sentido, não há como não observar uma influência

de Reich na maneira como Horkheimer articula a psicanálise no materialismo interdisciplinar — estranho é o fato de que Horkheimer não cita Reich. Num primeiro momento, há, portanto, uma convergência na interpretação de Horkheimer e Reich a respeito da psicologia atuando como uma ciência auxiliar do materialismo. Entretanto, há uma diferença, digamos, “material” a respeito dos projetos de ambos os autores: Horkheimer possui uma estrutura institucional e uma equipe de colaboradores para realizar este projeto, o que não é o caso de Reich. Mas há também diferenças teóricas do IfS em relação a Reich, articuladas sobretudo por Erich Fromm, como veremos adiante.

Como procurei mostrar até aqui, Horkheimer procura fundamentar seu materialismo, trilhando o caminho aberto por Korsch e Lukács, mas o fazendo de uma maneira muito própria — a saber, a partir de uma união entre a filosofia social materialista e as ciências especializadas: de um lado, a filosofia social fornece às ciências uma reflexão sobre seu sentido e sobre os desafios históricos, de maneira a evitar a “cegueira” a respeito do todo, o que tem sua causa na própria especialização; de outro lado, as ciências podem oferecer à filosofia um material para reflexão que correspondam aos desafios do presente. Entretanto, não é evidente como a psicologia pode ter importância no quadro interdisciplinar. Afinal, Horkheimer já havia ressaltado que seu ponto de partida de uma noção de história de matriz hegeliana, adotando sua dialética, mas sem seguir o seu idealismo, adotando o fundamento materialista de Marx. Para ele, escreve, “Marx e Engels assumiram a dialética num sentido materialista”, e isso significa que, como já citamos, eles foram capazes de manter “a convicção hegeliana da existência de estruturas e tendências supraindividuais e dinâmicas na evolução histórica, descartando, entretanto, a fé num poder espiritual

82 Ver nota 108 do capítulo anterior.

independente, que atuaria na história”84. Assim, para Horkheimer, Marx teria

compreendido os princípios hegelianos de uma filosofia social, mas sem aceitar seu pressuposto idealista. Mas a questão que permanece para pensar a psicologia dentro de um tal quadro é: se o reconhecimento de “estruturas e tendências supraindividuais” oriundo da filosofia hegeliana é fundamental, qual a importância da compreensão da psicologia e da psicanálise, voltadas para o estudo e a compreensão da psique individual?

A questão para Horkheimer está no fundamento do supraindividual e da relação do indivíduo com ele — o que retoma a dialética hegeliana entre o universal e o particular, sobre a qual não trataremos aqui. O que nos importa aqui é o fato de que Horkheimer quer ressaltar, na esteira de Marx, é que a vida do indivíduo tem fundamentos econômicos e materiais imprescindíveis, e que, assim, o supraindividual deve levar tomar esse pressuposto como fundamental na sua constituição. Há um argumento aqui que, não por acaso, se aproxima de uma crítica a uma antropologia filosófica tradicional. Enfim, a seguinte citação nos oferece elementos para observar a reflexão de Horkheimer:

Segundo ele [Marx], os homens historicamente atuantes, em nenhuma parte se tornam inteligíveis apenas graças ao seu interior, ou seja, graças à sua natureza ou a uma razão existencial encontrável dentro deles próprios; eles estão muito mais atrelados a formulações históricas que possuem sua própria dinâmica. Metodologicamente, nisso Marx seguiu Hegel.85

Na citação acima, Horkheimer descreve aspectos idealistas de que Marx quer se distanciar: para ele, a compreensão da atuação humana não deve se pautar, em primeiro lugar, numa ideia de uma “natureza” e, em segundo lugar, em uma “razão existencial” inerente ao indivíduo. Fosse assim, haveria o caminho para a transfiguração hegeliana estaria traçado. Ao contrário, uma filosofia social e uma concepção de história que possuem uma preocupação em superar o pensamento metafísico e idealista deve entender a ação humana como resultado de uma própria dinâmica histórica, que, por sua vez, é feita por “homens historicamente atuantes”.

84 Horkheimer, “Geschichte und Psychologie”, 53; “História e Psicologia”, 17. 85 Horkheimer, “Geschichte und Psychologie”, 54; “História e Psicologia”, 17.

Marx, assim, mostraria como a formação do indivíduo depende do meio histórico em que está inserido, sobretudo, vinculado com as “exigências do processo material de vida, nos seus diversos níveis estruturais”86, isto é, com os meios pelos quais uma

sociedade se utiliza para garantir a produção material dos meios de sobrevivência. O que Horkheimer quer com isso é se filiar à leitura de Marx sobre a filosofia social hegeliana. E há aqui claramente uma primazia da economia política para a compreensão da estrutura social. Por exemplo, quando Horkheimer diz que a dinâmica econômica

condiciona não só as instituições políticas e jurídicas, mas também as ordens mais altas da cultura, e é prescrita aos homens pelas diversas funções que devem ser cumpridas no quadro do processo econômico, tal como corresponde às capacidades humanas dentro de um período determinado87.

Isto é, Horkheimer reforça aqui a ideia de que a estrutura suprapessoal evocada pela filosofia social deve buscar suas raízes interpretativas na economia política, na organização que uma dada sociedade coloca para suprir suas necessidades materiais.

Mas até aqui isso não explica como e porque a psicologia importa: afinal, ela também estaria condicionada pela economia. E se Horkheimer insiste no chamado supraindividual, mesmo que com uma fundamentação econômica, a pesquisa a respeito do psicológico, do individual, parece assumir um papel somente secundário aqui. Daria sentido para o que Axel Honneth chamou, de maneira exagerada, a meu ver, de “funcionalismo marxista” da primeira geração da Teoria Crítica. Mas o ponto fundamental que Horkheimer levanta é a interpretação materialista de que o suprapessoal e sua legalidade própria são resultado da ação histórica humana. Neste caso, é preciso conhecer os pressupostos psicológicos que condicionam esta ação. Horkheimer ressalta a interpretação bastante específica de Hegel:

Para Hegel, as pulsões e as paixões humanas [die Triebe und

Leidenschaften der Menschen] são, como para qualquer iluminista

francês, o motor imediato da história. Os homens são condicionados à

86 Horkheimer, “Geschichte und Psychologie”, 56; “História e Psicologia”, 19. 87 Horkheimer, “Geschichte und Psychologie”, 53–54; “História e Psicologia”, 19.

ação pelos seus interesses, e tanto quanto a massa têm os grandes homens pouca “consciência da ideia em geral”. Importam-se, antes, com seus fins políticos e outros; são determinados por suas pulsões [sie werden durch die Triebe bestimmt].88

Nesta passagem, Horkheimer reforça a ideia hegeliana de estabelecer uma combinação entre a história empírica e a filosofia da história — ou, mais uma vez, entre o particular e o universal, entre a parte e o todo. Mesmo assim, Horkheimer reconhece que em Hegel a posição de uma psicologia seria “subalterna”, porque o que se impõe ao longo da história “não é compreensível basicamente nem pela psique individual, nem pela psique das massas”, mas sim, continua, “a própria ideia, ou seja, aquele telos imanente da história, compreendido não pela psicologia, mas pela filosofia”89.

Por sua vez, a virada materialista de Marx leva a uma reinterpretação do psicológico e do individual, já que “na história não há nenhuma ideia contínua voltada para si mesma, pois não existe um espírito independente do homem” e, por sua vez, “os homens com sua consciência são transitórios, apesar de todo seu saber, sua memória, sua tradição e espontaneidade, sua cultura e seu espírito; nada existe que não nasça e morra”90. Se Horkheimer — e também Marx, segundo sua leitura —

adotam a ideia hegeliana de que cada época histórica apresenta uma legalidade própria, é papel de uma filosofia social materialista pensar o fundamento da legalidade tanto fora do escopo de um espírito independente. Na verdade, o fundamento da estrutura social de uma época e da sua legalidade interna está na própria ação humana, nos interesses e pulsões. Daí que, argumenta Horkheimer, uma filosofia materialista deve considerar a importância de uma psicologia adequada para a compreender a estrutura histórica. Se é verdade que é preciso considerar uma estrutura em que as ações individuais podem ser enquadradas, é preciso também entender que esta estrutura tem sua origem na ação humana, sobretudo na ação humana voltada para garantir a sua existência material.

Entretanto, a força de uma análise psicológica da história é limitada. É o fundamento de uma concepção liberal de história. Para Horkheimer, o liberalismo 88 Horkheimer, “Geschichte und Psychologie”, 52; “História e Psicologia”, 16, tradução modificada 89 Horkheimer, “Geschichte und Psychologie”, 52; “História e Psicologia”, 16–17.

“estabeleceu que os indivíduos que perseguem seus interesses são as últimas unidades independentes no processo histórico”91, e, portanto, rejeitam que as

estruturas dinâmicas da história possam exercer influência fundamental nas decisões individuais. Segundo a teoria liberal, como os indivíduos são “não mais apenas os atores imediatos da história, mas também as últimas instâncias para a teoria do acontecer social”, Horkheimer considera que o individualismo liberal tem por trás dele um conceito de história que é “essencialmente psicológico” 92. Em última instância, a

história e as instituições seriam algo como uma soma de decisões individuais que partem de um cálculo de interesse.

Sobre uma teoria da história “essencialmente psicológica” de que Horkheimer quer se distanciar, é interessante observar como Horkheimer considera sua origem. Para Horkheimer, sua origem não está em Spencer ou em Adam Smith, como se costuma referir, mas está, não por acaso, na ascensão da burguesia na Europa, período a que sua obra dá especial atenção93. Em “Origens da filosofia da

história burguesa”, Horkheimer mostra como esse conceito psicológico história nasce em um contexto histórico que corresponde à ascensão da burguesia na Europa, sobretudo com Nicolau Maquiavel e, depois, Thomas Hobbes — mostra, portanto, o vínculo entre a mudança econômica pela qual a Europa passa e as ideias que são produzidas em seu contexto. Na esteira do cientificismo nascente, Horkheimer escreve que Maquiavel foi aquele que compreendeu que os fenômenos políticos podem ser compreendidos cientificamente, de maneira semelhante a que a física compreende e descreve a natureza. Ou em outras palavras, como Horkheimer insiste, não apenas a dominação dos humanos sobre a natureza ganha o reforço do método científico, mas também a compreensão do domínio de humanos por humanos. Seus estudos sobre a dinâmica da política e do poder procuram compreender as suas regularidades, “com base nas observações e em um estudo sistemático dos fatos, de como alcançar a dominação e de como mantê-lo”94. Há aqui uma pretensão de

91 Horkheimer, “Geschichte und Psychologie”, 53; “História e Psicologia”, 17. 92 Horkheimer, “Geschichte und Psychologie”, 53; “História e Psicologia”, 17.

93 Na literatura sobre Horkheimer, Abromeit é quem destaca em especial e o interesse de Horkheimer no período do surgimento da burguesia e da modernidade. Ver Abromeit, MH and the Foundations..., capítulo 3.

objetividade e de adequação de meios a fins, portanto. Mas, para Horkheimer, no fundo, o ponto de Maquiavel é a razão de estado, é a capacidade do líder política manter o estado estável em nome do bem do todo95. Mas o que se nota é o que ele

entende por isso: “o bem-estar do todo depende do desdobramento do comércio, da expansão sem controle da eficiência burguesa nos negócios e na indústria, e do jogo livre dos poderes econômicos, e tal desenvolvimento social só pode ser assegurado por meio de uma forte autoridade estatal”96. Se na discussão a respeito do melhor tipo

de governo Maquiavel parece não ter lado entre os monarquistas e os republicanos, seu lado aparece de maneira oculta, argumenta Horkheimer, na defesa do desenvolvimento econômico burguês. Por isso, a dominação seria justificável para Maquiavel, porque expressaria a virtú para a manutenção do estado e para expansão dos valores burgueses.

Mas para Horkheimer, a leitura que Maquiavel oferece da história é uma concepção psicológica da história. Horkheimer reconhece que o próprio Maquiavel pensa a história em termos de uma grande cadeia causal, em que o arbítrio humano não está em causa. Mesmo o comportamento humano está condicionado por um determinado caráter, personalidade temperamentos dados pela natureza, e não relacionados à dinâmica histórica do presente: “a deficiência da visão da história de Maquiavel”, escreve Horkheimer, “está no fato de que e ele permite essa maneira particular de pensar e de sentir como dependente somente de elementos historicamente imutáveis da natureza e, de modo algum, dependente de transformações sociais que ocorrem no curso da história”97. Mas é justamente neste

ponto que se encontra o que Horkheimer chama de concepção psicológica: nos processos históricos da condução dos estados, há uma “superestimação do papel histórico do caráter”98, de maneira que a dinâmica do poder político dependeria

sobretudo da personalidade e do temperamento das lideranças políticas. Horkheimer escreve que, para Maquiavel,

95 Para um histórico do conceito de razão de estado no início da modernidade, ver Eugênio Mattioli Gonçalves, “Prudência e razão de Estado na obra de Gabriel Naudé” (Dissertação de Mestrado, São Paulo, Universidade de São Paulo, 2015), capítulo 3.

96 Horkheimer, “Beginnings of the Bourgeois Philosophy of History”, 321. 97 Horkheimer, 329.

as paixões humanas e os instintos determinam o curso das coisas e explicam até mesmo a modulação entre a ordem e a desordem e o ciclo das formas de governo. As forças básicas da psique devem permanecer essencialmente a mesma em qualquer época; elas são concebidas como quaisquer outras forças naturais são, como a- históricas. As várias combinações destes mesmos elementos básicos, que constituem as diferenças de caráter dos líderes, não são explicadas nesta visão de história, mas são apenas tomadas como incidentais. Mesmo as reais batalhas na história, assim como as ideias que as pessoas têm, são explicadas essencialmente por um exame dos vários caráteres99

Vê-se, portanto, a centralidade da investigação do caráter individual para uma investigação histórica, de acordo com Maquiavel. Guerras, golpes, triunfos políticos, uma idade de ouro de uma determinada região: estes fenômenos podem ser muito bem compreendidos se for possível fazer um exame do caráter dos indivíduos envolvidos, mas, sobretudo, dos líderes. Trata-se de compreender os diversos traços da personalidade e a sua eventual vantagem, ou desvantagem, que a combinação dos traços pode oferecer em uma determinada situação.

Entretanto, Horkheimer dirige uma crítica fundamental a este fundamento de pesquisa histórica.

Quando tentamos estabelecer sua relação [do conceito de história] com a psicologia, torna-se claro desde logo que ela, em contraste com o conceito liberal, não é psicológica. Essa devia explicar adequadamente a história a partir do concurso dos indivíduos considerados isoladamente, seus interesses, suas forças psíquicas essencialmente constantes. Mas, se a história se articula segundo as diferentes maneiras como se consuma o processo de vida da sociedade humana, então não são as categorias psicológicas, mas as econômicas que são historicamente fundamentais100.

O que significaria, escreve Horkheimer com certo deboche, que a história poderia ser “explicável pela boa ou má vontade” dos líderes, como interpretaria a concepção psicológica e liberal de história. Seria preciso compreender a estrutura por trás das decisões dos líderes, mas sem procurar “um princípio espiritual homogêneo”101, como

99 Horkheimer, 319.

100 Horkheimer, “Geschichte und Psychologie”, 56–57; “História e Psicologia”, 19. 101 Horkheimer, “Geschichte und Psychologie”, 56; “História e Psicologia”, 19.

seria numa interpretação idealista. O que Horkheimer propõe é que o caráter individual das lideranças e das ações individuais sejam entendidas por meio das “exigências do processo material de vida nos, seus diversos níveis estruturais”102.

Por isso, a psicologia é “uma certamente indispensável ciência auxiliar da história”103. Mas até aqui ficou mais claro a ideia de que a psicologia é uma ciência

auxiliar, uma Hilfswissenschaft: ela é auxiliar, porque, caso fosse uma ciência fundamental, as descobertas da psicologia serviriam apenas para reforçar uma concepção de história individualista, liberal, cujas origens remetem ao início da modernidade e na ascensão do capitalismo. Ao contrário, fundamental é uma perspectiva materialista da sociedade e da formação das instituições a partir de um ponto de vista da reprodução material da sociedade. A psicologia deve ser utilizada apenas no interior deste quadro, não pode ser entendida isoladamente ou como o fundamento teórico mais amplo para a compreensão da sociedade.

Mas falta ainda uma compreensão da sua finalidade — isto é, a que ela presta auxílio exatamente, e por que ela é indispensável? Em primeiro lugar, trata-se de fornecer elementos para um enriquecimento teórico para o marxismo. Em “A Presente Situação da Filosofia Social e as Tarefas de um Instituto de Pesquisa Social”, Horkheimer mostra como a psicologia é uma ferramenta importante para se confrontar com uma interpretação desprovida de dialética de Marx mecânica e segundo a qual “a economia como uma realidade material é a única realidade verdadeira” e, portanto, “a psique dos homens, personalidade, assim como o direito, a arte e a filosofia são completamente derivados da economia ou são meros reflexos da economia”104. Este

marxismo, “abstrato e mal entendido”, diz Horkheimer, “pressupõe uma completa correspondência entre processos ideais e materiais e negligenciam e até mesmo ignoram o papel dos vínculos psíquicos que as conecta”105. Trata-se de uma clara

menção ao marxismo vulgar. Mas Horkheimer sugere aqui algumas pistas para o papel da psicanálise: ela pode contribuir para compreender os vínculos psíquicos entre os aspectos objetivos e subjetivos, materiais e simbólicos, da sociedade.

102 Horkheimer, “Geschichte und Psychologie”, 56; “História e Psicologia”, 19. 103 Horkheimer, “Geschichte und Psychologie”, 57; “História e Psicologia”, 19. 104 Horkheimer, “Die gegenwärtige Lage...”, 32.

Permite, por exemplo, compreender como e porque há (ou não) correspondência entre