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Se até os anos 1920 as tendências “ortodoxas-vulgares” eram as principais forças públicas do marxismo, fora deste campo intelectuais de inúmeros campos teóricos produziam muito. Apesar das crises, das guerras a intelectualidade alemã nas primeiras décadas do século XX vivia um momento de efervescência51. Uma das

principais figuras da época é, sem dúvidas, Max Weber, pensador cuja importância e relevância para a vida intelectual do ocidente é indiscutível. Weber não apenas estabeleceu um novo e importante paradigma teórico a partir do qual foi possível compreender a passagem das sociedades tradicionais para a modernidade, mas também ofereceu ferramentas para compreender a própria modernidade capitalista, de maneira explicitamente diversa da que o materialismo histórico propunha. O que gostaria de abordar aqui são alguns dos desafios que Weber impõe ao o marxismo, sobretudo no que toca à sua interpretação da subjetividade moderna. É possível, evidentemente, questionar se Weber faz justiça ou não na sua leitura da obra de Marx, mas não é este o nosso objeto central aqui52. Mas o fato é que são várias as

51 Como mostra Peter Gay, Weimar Culture: The Outsider as Insider (Nova York: W.W. Norton Company, 2001). Gay mostra que, apesar da crise política aguda pela qual a Alemanha de Weimar passa, houve uma explosão de manifestações culturais à época, desde o campo intelectual, como nas ciências e na filosofia, até o campo artístico, como no cinema, nas artes plásticas, na literatura e na arquitetura. Testemunho dessa riqueza cultural está no número de intelectuais e artistas alemães refugiados em outros países após a ascensão do nazismo

52 É o que tenta fazer, por exemplo, Michael Löwy, “Weber against Marx? The Polemic with Historical Materialism in the Protestant Ethic”, Science & Society 53, no 1 (1989): 71–83. Na posição de Löwy, já bastante influenciada pela sua leitura da Teoria Crítica, as provocações que Weber faz ao materialismo seriam apenas laterais em A ética protestante e o “espírito” do capitalismo: isto é, para ele, Marx e Weber não falam exatamente do mesmo assunto, o que tornaria frágil a ideia de que Weber teria “refutado” a tese do materialismo histórico. No entanto, creio que as considerações que Weber faz sobre o marxismo e o materialismo histórico, tanto em A ética protestante quanto em seus outros escritos, se contrapõe em um ponto que seria central para o marxismo da primeira metade do século XX: a noção de totalidade.

passagens em que Weber questiona não apenas o método do materialismo histórico, mas também os seus resultados interpretativos do capitalismo53.

Um exemplo muito ilustrativo da contraposição que Weber faz ao marxismo está em sua publicação mais famosa, A ética protestante e o espírito do capitalismo. E envolve a figura de Benjamin Franklin, aquele que cunhou a famosa expressão “tempo é dinheiro” e que cujos escritos “falam” pelo “espírito do capitalismo”54. Na

seguinte passagem, Weber menciona o caso de Franklin para questionar certo “materialismo histórico ingênuo”, provavelmente em diálogo com vertentes mais deterministas, como a de Kautsky. Vejamos:

Só alhures teremos ocasião de tratar no pormenor daquela concepção do materialismo histórico ingênuo segundo a qual “ideias” como essa são geradas como “reflexo” ou “superestrutura” de situações econômicas. Por ora, é suficiente para nosso propósito indicar: que na terra natal de Benjamin Franklin (o Massachusetts) o “espírito do capitalismo” (no sentido por nós adotado) existiu incontestavelmente

antes do “desenvolvimento do capitalismo” [(já em 1632 na Nova

Inglaterra, havia queixas quanto ao emprego do cálculo na busca de lucro, em contraste com outras regiões da América)]; e que esse “espírito capitalista” permaneceu muito menos desenvolvido, por exemplo, nas colônias vizinhas — os futuros estados sulistas da União — muito embora estas últimas tivessem sido criadas por grandes capitalistas com finalidades mercantis, ao passo que as colônias da Nova Inglaterra tinham sido fundadas por razões religiosas por pregadores e intelectuais em associação com pequeno-burgueses, artesãos e yeomen. Neste caso, portanto, a relação de causalidade é

53 Não quero dizer que Weber foi o único intelectual a colocar em questão o materialismo histórico e a tradição teórica marxista. Tampouco que Weber foi o único adversário teórico contra o qual Horkheimer e a primeira geração da Teoria Crítica, em favor dedo marxismo, estabeleceram um debate. Há outros intelectuais importantes na cena alemã, como é o caso de Wilhelm Dilthey, Max Scheler, Martin Heiddeger e a escola de Marburg, para citar apenas alguns. Por outro lado, é preciso ressaltar, tal como Gabriel Cohn o faz, que Weber não pode ser lido apenas como um “paladino antimarxista” ou algo assim (Crítica e resignação. Fundamentos da sociologia de Max Weber (São Paulo: T. A. Queiroz, 1979), 78 et seq.). Mas creio que, para Horkheimer e os membros da primeira geração da Teoria Crítica, no que toca à investigação da subjetividade e à ideia da psicanálise, como veremos nos próximos capítulos, Weber tem um papel especial, tanto para compreender as disposições subjetivas da modernidade, quanto os fenômenos da psicologia de massa.

54 Max Weber, A Ética Protestante e o “Espírito” do Capitalismo, trad. José Marcos Mariani Macedo (São Paulo: Companhia das Letras, 2004), 44.

de modo inversa àquela que se haveria de postular a partir de uma posição “materialista”55

É digno de nota que, desde Marx até pelo menos o início do século XX, os debates do campo do marxismo se faziam cheios de ataques ferozes e acusações irônicas — o que contrasta com esta elegante provocação de Weber. Enfim, a provocação acima pode ser resumida com a seguinte questão: para Weber, o “materialismo histórico ingênuo” interpreta a relação entre base e superestrutura de maneira determinista, isto é, os fenômenos superestruturais seriam “reflexos” dos econômico. Mas, se for assim, como então explicar que o “espírito do capitalismo” tenha surgido nas colônias religiosas do norte da América inglesa e não nas colônias mercantis do Sul? Afinal, caso a determinação econômica dos fenômenos superestruturais estivesse correta, o que seria esperado seria exatamente o oposto, a saber, o espírito do capitalismo teria de surgir onde a economia capitalista se constituía como o centro da sociabilidade, no caso nas plantations das colônias do sul, cuja produção era toda voltada para o comércio e não para subsistência. Enfim, a sociedade cuja economia era voltada completamente para o mercado não foi aquela que produziu um espírito do capitalismo, mas sim a sociedade mais religiosa e tradicional, com a economia voltada para subsistência. O que Weber argumenta é que o espírito do capitalismo surgiu independentemente da atividade econômica capitalista e Benjamin Franklin seria um testemunho histórico muito claro disso. Algumas páginas mais adiante, Weber reforça a mesma questão. Desta vez, alterando as localidades de maneira a colocar ainda mais contraste em sua caracterização: por que uma formulação robusta e uma prática cotidiana do “espírito do capitalismo” não se originam na cosmopolita “Florença dos séculos XIV e XV, mercado financeiro e de capitais de todas as grandes potências políticas”56, mas sim, como a nossa linguagem cotidiana chamaria, num de “fim de

mundo”, ou nas palavras de Weber,

nos horizontes provincianos e pequeno-burgueses da Pensilvânia do século XVIII — onde a economia, por pura escassez de moeda, estava sempre ameaçada de degenerar em escambo, onde mal havia traços

55 Weber, 48–49. Os grifos são do próprio Weber; os colchetes são da edição brasileira, indicando que se trata de um acréscimo feito por Weber na segunda edição da obra .

de empreendimentos industriais de certa monta e apenas se faziam notar os primeiros rudimentos de bancos?57

Para Weber, a teoria materialista teria um ponto fraco bastante grave para explicar a origem do “espírito do capitalismo”, de uma conduta de vida voltada para a atividade econômica. Se observarmos as palavras de Franklin e analisarmos a sociedade da Nova Inglaterra, “querer falar aqui de um ‘reflexo’ das condições ‘materiais’ na ‘superestrutura ideal’”, diz Weber, “seria rematado absurdo”58. Neste

caso, a conclusão poderia ser apenas a contrário do que supõe o “materialismo histórico ingênuo”, isto é, o espírito do capitalismo surge antes mesmo da consolidação de uma economia mercantil. Neste caso, a subjetividade precede a objetividade — precede em termos temporais, mas não necessariamente de maneira lógica, causal. Os fatos históricos simplesmente não correspondem àquilo que a teoria materialista propõe. Assumir que as ideias são oriundas de atividades materiais e econômicas obscurece o fato de que as ideias podem ter desenvolvimentos que independem delas.

Na Introdução à Ética econômica das religiões mundiais59, Weber reitera

sua crítica contra o materialismo. Aqui, ele acusa o materialismo de rebaixar a ética religiosa como um elemento que exerce apenas uma função para um estrato social — é muito provável que Weber esteja aqui fazendo alusão àquilo que a tradição marxista chama de ideologia. Para o materialismo, diz Weber, a religião seria uma espécie de

57 Weber, 66. 58 Weber, 66.

59 Cabe lembrar que este texto, como em muitos outros de Weber, possui uma história editorial de suas traduções muito curiosa — e que pode causar alguma confusão. O texto a que me refiro, como já mencionado no acima, é a “Introdução” (Einleitung) da Ética econômica das religiões mundiais (Die

Wirtschaftsethik der Weltreligionen), que, por sua vez, está inserida no volume I dos GARS Gesammelte Aufsätze zur Religionssoziologie, vol. 1 (Tübingen: Mohr, 1920), os Ensaios reunidos de Sociologia da

Religião. Para o inglês, esta “Introdução” foi traduzida na coletânea de textos Max Weber, From Max

Weber: Essays in Sociology, trad. H. H. Gerth e C. Wright Mills (Nova York: Oxford University Press,

1946). Está ali traduzida como “The social psychology of the world religions”, uma tradução inexplicável, como afirma Pierucci (O desencantamento do mundo: todos os passos do conceito em Max Weber, Edição: 1 (São Paulo: Editora 34, 2003), 89.), e assim permaneceu na tradução brasileira, feita a partir do inglês, publicada na coletânea Ensaios de Sociologia: Max Weber (Rio de Janeiro: LTC, 1982). Este lembrete é importante para não fazer confusão deste texto, a Introdução (Einleitung) a um dos ensaios de sociologia da religião, com a Vorbermerkung, a introdução que Weber escreve a todos os Ensaios reunidos de Sociologia da Religião, conhecida aqui no Brasil como a “Introdução do autor”, outra herança da tradução para o inglês.

conjunto de ideias e práticas, que tem sua origem em processos e relações econômicas, que serviriam para a manutenção das classes sociais dominantes de uma dada sociedade. Weber escreve: “Nossa tese não é, de modo algum, a de que a especificidade da religião seja uma simples função do estrato que aparece como sua portadora característica, algo como apenas ‘ideologia’ de tal estrato ou um ‘reflexo’ de seus interesses materiais ou ideais”60. Mais uma vez aparece aqui uma crítica à

compreensão da religião ou do “espírito” como “reflexo” da economia. Se é verdade que no trecho acima não há nenhuma menção explícita ao materialismo, também é verdade que a alusão é bastante clara. Mas a menção direta não tarda:

De várias maneiras, buscou-se interpretar as ligações entre a ética religiosa e os interesses, de tal modo que a primeira aparece apenas como uma ‘função da última’. Não apenas no sentido do assim chamado materialismo histórico — que nós não discutiremos aqui — mas também no sentido puramente psicológico61.

A leitura que Weber propõe, portanto, uma abordagem que evita a determinação econômica que estaria pressuposta no materialismo histórico, mas também um que evita compreender o fenômeno religioso somente a partir de uma dimensão individual e psicológica. Sua intenção é observar os fenômenos históricos de maneira multifacetada, de propor um novo e sofisticado método para as ciências históricas62. Isto é, ele não assume simplesmente a posição oposta, a de afirmar que

a religião é totalmente independente de processos materiais, ou então que é ela que possui primazia na compreensão dos fenômenos históricos. Já aqui neste texto, ele

60 Max Weber, “A Psicologia Social das Religiões Mundiais”, in Ensaios de Sociologia. Max Weber (Rio de Janeiro: LTC, 1982), 312, tradução modificada. No original em alemão: “Nun ist es in gar keiner Weise etwa die These der nachfolgenden Darlegungen: daß die Eigenart einer Religiosität eine einfache Funktion der sozialen Lage derjenigen Schicht sei, welche als ihr charakteristischer Trager erscheine, etwa nur deren “Ideologie” oder eine “Widerspiegelung” ihrer materiellen oder ideellen Interessenlage darstelle” (Weber, GARS I, 1:240.).

61 Weber, “A Psicologia Social das Religiões Mundiais”, 312, tradução modificada. No original em alemão: “Man hat die Zusammenhänge zwischen religiöser Ethik und Interessenlage in verschiedener Art so zu interpretieren gesucht, daß die erstere nur als eine “Funktion” der letzteren erschien. Nicht nur im Sinn des sog. historischen Materialismus, — was wir hier nicht erörtern, — sondern auch rein psychologisch” (Weber, GARS I, 1:241.)

62 Trata-se da contribuição de Weber sobre o debate a respeito das Geisteswissenschaften na academia alemã. Sobre este debate, ver a Parte I de Cohn, Crítica e resignação; ver também Nobre,

faz questão de enfatizar como a religião é apenas um dos fatores que podem definir a ação social. A postura metodológica que o opõe em relação a Marx é apresentada em outro texto, em “O problema da objetividade nas ciências sociais” (1904). Nele, o argumento de Weber nos indica que o materialismo histórico não está em si mesmo equivocado, mas seu erro está em reconhecer em si uma perspectiva da totalidade. Isso levaria tanto a um embotamento na observação de outros fenômenos sociais, sobretudo os “superestruturais”, quanto a uma visão de mundo que transborda indevidamente o campo da ciência, atingindo o campo dos juízos de valor e servindo de suporte para ações políticas. No mais, eis a crítica ao materialismo que aqui é bastante mais contundente:

Hoje em dia, a chamada “concepção materialista da história”, segundo, por exemplo, o sentido genial e primitivo do Manifesto Comunista, talvez apenas subsista nas mentes de leigos ou diletantes. Entre esses, com efeito, encontra-se ainda muito difundido o singular fenómeno de que a necessidade de explicação causal de um fenómeno histórico não fica satisfeita enquanto não se mostre (mesmo que só aparentemente) a intervenção de causas económicas. Feito isto, eles passam a se contentar com as hipóteses mais frágeis e com as formulações mais genéricas, pois já foi satisfeita a sua necessidade dogmática, segundo a qual as “forças” econômicas são as únicas causas “autênticas”, “verdadeiras” e “sempre determinantes em última instância”63

“Genial e primitivo” é como Weber avalia o pressuposto encontrado no Manifesto Comunista. É de se notar também que o adjetivo, digamos, positivo e elogioso sobre a obra de Marx é só mencionado, de maneira que perde sua força, enquanto seu aspecto negativo é bem desenvolvido: é “primitiva” a ideia de que haja uma causa econômica que sirva de pressuposto único para explicar fenômenos sociais, porque se trata de uma hipótese “frágil”, fundada em “formulações genéricas”. Mas o que vale dizer novamente: é frágil a ideia de que a economia seja a única causa verdadeira e determinante.

Se tomarmos em conjunto com as reflexões que faz a respeito do tema em A ética protestante, vê se que a provocação aqui se dá em termos de que os fenômenos sociais subjetivos possuem independência em relação à economia, de

63 Max Weber, “A ‘objetividade’ do conhecimento na ciência social e na ciência política”, in Metodologia

modo que assumir que eles sejam determinados pela economia soaria como uma abstração demasiado genérica para interpretar o curso de toda história. É o caso dos fenômenos religiosos, por exemplo, tema a que Weber dedica grande parte de sua obra. Mas quando escreve uma sociologia da religião, Weber não tem como objeto apenas o fenômeno religioso nas culturas humanas. Embora este empreendimento de Weber por si só já seja grandioso o suficiente, seu objeto central é algo mais específico. O problema central de Weber é, como ele coloca na “Introdução” dos Ensaios Reunidos de Sociologia da Religião64, compreender os fenômenos sociais de

sua época e de seu lugar, isto é, da modernidade capitalista europeia na transição do século XIX para o XX, bem como explicar os motivos da especificidade da racionalização ocidental. Isto é, o extenso estudo a respeito do Confucionismo, do Taoísmo, do Budismo, do Hinduísmo, do Islã, do Judaísmo e do Cristianismo servem para demonstrar por contraste os aspectos únicos que ocorreu no processo de racionalização do ocidente65. O objetivo do estudo das religiões e dos seus impactos

sobre a disposição subjetiva para um determinado tipo de ação é, sobretudo, o de explicar por qual motivo o ocidente é tal como é, e não de outra maneira. É o que ficou conhecido nas palavras que abrem o texto:

No estudo de qualquer problema da história universal, um filho da moderna civilização europeia sempre estará sujeito à indagação de qual a combinação de fatores a que se pode atribuir o fato de na Civilização Ocidental, e somente na Civilização Ocidental, haverem

64 Neste caso, trata-se do texto conhecido como a “Introdução do autor”, publicado aqui no Brasil como a Introdução da Ética Protestante e o “Espírito” do Capitalismo. Mas, na verdade, é uma Introdução aos GARS como um todo. Não confundir com a Introdução à Ética econômica das religiões mundiais, como expliquei na nota 59.

65 Ver, por exemplo, as considerações que Pierucci faz às obra de Weber na Introdução de O

desencantamento do mundo. Aqui, Pierucci mostra como a sociologia da religião feita por Weber não

tem o mesmo sentido de uma sociologia da religião como se dá hoje. Isto é, não se trata de uma especialização dentro da sociologia, mas seu vasto empreendimento dentro da sociologia da religião tem um objetivo ainda maior: o de compreender o racionalismo ocidental. É para mostrar este traço que ele repete o seguinte trecho: “Antes de mais nada, uma busca como esta em Sociologia da Religião deve e quer ser ao mesmo tempo uma contribuição à tipologia e sociologia do próprio racionalismo”. Ver também Wolfgang Schluchter, The Rise of Western Rationalism: Max Weber’s Developmental

History (Berkeley / Los Angeles: University of California Press, 1981), cap. II, “Weber’s Historical

aparecido fenômenos culturais dotados (como queremos crer) de um desenvolvimento universal em seu valor e significado66.

Depois desta abertura já bastante conhecida na literatura secundária, Weber elenca brevemente aspectos da modernidade ocidental que a tornam única em relação a quaisquer outras sociedades: ciências, teoria política, direito, arte, incluindo a música, arquitetura e a literatura, a estrutura de produção de conhecimento como as universidades, o estado e a organização burocrática, a democracia parlamentar. Se a cada uma dessas esferas Weber dedica aqui nesta Introdução apenas algumas linhas, ou no máximo um parágrafo, as próximas páginas serão dedicadas ao assunto que parece mais fundamental a respeito da modernidade ocidental: o capitalismo. E aqui Weber desenvolve um argumento que, mais uma vez, entra em polêmica com o materialismo histórico. Ele diz que o que dá especificidade ao capitalismo moderno não tem origem na economia, mas numa relação com o mundo que pode ser explicada na racionalização do mundo que foi específica ao ocidente, fato que pode ser observado pelo desenvolvimento religioso. Por isso, o extenso estudo a respeito das religiões orientais da Índia e da China, bem como das judaico-cristãs que são fundamento da religiosidade ocidental, não é um estudo das religiões em si, com a finalidade de apenas descrevê-las de maneira mais precisa, mas se trata de uma comparação das formas de racionalização e de desencantamento do mundo que as religiões desenvolvem, para explicar a “forma específica do capitalismo ocidental”67.

Para Weber, o que aspecto fundamental que caracteriza o capitalismo moderno, o que o torna especial em relação às formas, digamos, “tradicionais” de capitalismo, é o seu “espírito”, isto é, uma espécie de cultura capaz de influenciar as condutas de vida dos indivíduos, capaz de penetrar na vida cotidiana da sociedade e estabelecer sentidos para as disposições subjetivas e para a ação social. Lembremos que, para Weber, o capitalismo não é uma exclusividade da modernidade, ao contrário do que argumenta Marx, para quem a expressão “capitalismo moderno” seria uma redundância. O capitalismo, segundo Weber, existiu em todas as grandes civilizações antigas, “na China, na Índia, na Babilónia, no Egito, na Antiguidade Mediterrânea e na

66 Max Weber, “Introdução do autor”, trad. M. Irene de Q. F. Szmrecsányi e Tamás J. M. K. Szmrecsányi, 14o ed (São Paulo: Editora Pioneira, 1999), 1.

Idade Média, tanto quanto na Idade Moderna”68, e possuíam até mesmo caráter de