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A qualidade de vida é descrita como um conceito dinâmico, multidimensional e multideterminado, o que significa que tem diferentes interpretações para pessoas diferentes (Bowling, 2004; Bowling et al., 2003; Fayers & Machin, 2007).

Segundo Pais Ribeiro (2002, 2004, 2006), este conceito é complexo e atravessa várias ciências e diversas áreas de aplicação desde a economia, a sociologia ou a política. Tornou-se objecto nas áreas da medicina e da psicologia após a II Guerra Mundial, fazendo uma menção específica à saúde, sendo muitas vezes confundido com a própria definição de saúde, apresentada em 1948 pela OMS, reconhecendo e reforçando a importância das suas três dimensões – física, mental e social.

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Num documento histórico sobre esta matéria, Campbell, Converse e Rodgers (1976) concluíram que a saúde era a variável que melhor explicava a qualidade de vida. Esta geração de questionários, do final dos anos 70 e início dos anos 80, quantificava o estado de saúde para avaliar a saúde em geral, focando-se na função física, sintomas físicos e psicológicos e satisfação com a vida (Fayers & Machin, 2007). Zautra e Hempel (1984) assumem que a qualidade de vida depende quase exclusivamente da saúde e da felicidade. Diener (1984) acrescenta que a felicidade é um sinónimo de bem-estar, introduzindo, assim, uma dimensão subjectiva ao conceito.

Bradburn (1969) já tinha escrito que o bem-estar era o resultado do equilíbrio entre o afecto positivo e o afecto negativo e que quanto maior fosse a diferença entre o primeiro e o segundo, maior seria o sentido do bem-estar. Desde essa altura, gradualmente ao longo do tempo, este conceito passou a ser considerado como imprescindível para avaliar globalmente a qualidade de vida ou a satisfação com a vida de uma pessoa (Galinha & Pais Ribeiro, 2005). Para Pais Ribeiro (1994), o bem-estar subjectivo, tal como hoje é assumido, inclui as experiências pessoais positivas.

Segundo Patrick e Deyo (1989), ao longo do tempo, as medidas do estado de saúde passaram a incluir os conceitos de saúde, de bem-estar e de qualidade de vida. Surge, assim, uma outra dimensão de qualidade de vida, que está relacionada com a saúde física e mental e com a realização de funções sociais associadas a uma condição de saúde, ou mesmo às políticas e serviços de saúde: a Qualidade de Vida Relacionada com a Saúde (QVRS).

Embora algumas vezes seja usada como sinónimo de qualidade de vida (Bowling, 2004; Fayers & Machin, 2007; Schipper, Chinch & Powers, 1990), deve ser lembrado que a QVRS apenas considera dimensões que podem ser influenciadas pelas doenças, lesões, serviços e políticas de saúde que, por sua vez, podem interferir na qualidade de vida.

Embora não haja dúvida que a qualidade de vida inclui uma vertente subjectiva (Fayers & Hand, 2002; Scherer, 1996), tradicionalmente, são os indicadores objectivos, como os factores sócio-demográficos, clínicos e relacionados com as deficiências, i.e.

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alterações estruturais e das funções do corpo, que têm sido mais estudados no sentido de explorar possíveis correlações (Campbell et al., 1976; Chubon, 1985; Katz, 1987; Fuhrer, 2000).

Em 1997, numa meta-análise realizada por Dijkers que estudou os efeitos da componente das deficiências na qualidade de vida de pessoas com incapacidade, demonstrou existirem associações fracas entre estas e a qualidade de vida. Contudo, reportou associações fortes entre esta e o handicap, sugerindo que a participação é uma determinante importante na qualidade de vida.

Ao longo do tempo, uma perspectiva mais reflexiva, fez com que a definição de qualidade de vida começasse a incluir, para além da perspectiva dos especialistas, a das pessoas comuns e das suas expectativas; no campo da reabilitação, as abordagens deixaram de ser exclusivamente centradas nos sinais e nos sintomas ou outros indicadores biomédicos, passando a contemplar as percepções das próprias pessoas e as suas próprias dimensões de qualidade de vida (Armstrong, Ogden, Wessley & Lilford, 2003; Fayers & Machin, 2007). Desta forma, as medidas para avaliar a qualidade de vida mudaram de medidas centradas em critérios extrínsecos ao indivíduo para medidas centradas na percepção pessoal, que pode mudar ao longo do tempo (Fayers & Machin, 2007; Pais Ribeiro, 1994a, 1994b).

Com a expansão para as áreas de prevenção e promoção da saúde, a necessidade de envolver o próprio indivíduo tornou-se mais evidente. Deste modo, com um modelo centrado em si próprio, o indivíduo consegue descobrir as suas forças e fraquezas e determinar o melhor caminho para ultrapassar os obstáculos com que se depara e, consequentemente, melhorar a sua qualidade de vida. Já em 1999, esta foi definida pelo Consortium for Spinal Cord Medicine, como uma avaliação, pessoal e global, do bem-estar e da satisfação com a vida que determinada pessoa faz, de acordo com as suas condições de vida.

Parece, então consensual que a qualidade de vida é um constructo central em contextos de saúde e de doença (Pais Ribeiro, 2006) assim como em contextos de

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incapacidade; como tal, deve ser vista como um resultado da intervenção. Consequentemente, avalia o seu sucesso.

Embora a saúde e a qualidade de vida sejam constructos transversais a várias disciplinas, a sua avaliação obedece a técnicas bem conhecidas na psicologia, técnicas essas estranhas para as tradicionais áreas de estudo da saúde e da doença.

Em Portugal, o interesse para avaliar estes constructos desenvolveram-se no contexto da psicologia nos finais da década de 80, prolongando-se até aos dias de hoje, essencialmente, através dos estudos de Pais Ribeiro e colaboradores.

Reportando-nos a 1982, Matarazzo definiu a Psicologia da Saúde como o domínio da psicologia que tem, entre outros, o objectivo de contribuir, com conhecimentos provenientes das diversas áreas da psicologia, para promover e proteger a saúde. Contudo, durante muito tempo a psicologia apenas estudava o comportamento das pessoas para perceber como sobreviviam em condições de adversidade. Essa visão era fortemente influenciada pelos modelos centrados na doença, negligenciando a pessoa e desvalorizando os factores que contribuem para o seu desenvolvimento saudável.

Mais recentemente, outros autores da Psicologia da Saúde salientam o papel das variáveis psicológicas enquanto variáveis protectoras do mal-estar ou potenciadoras do bem-estar (Adler, 1994; Bennet & Carrol, 1990; Lightsey, 1996; Seligman, 1992).

Seligman e Csikszentmihalyi (2000) propõem que se liguem perspectivas positivas às experiências subjectivas com o sentido de promover a qualidade de vida e prevenir as doenças, centrando-se na construção de qualidades positivas, valorizando as forças e as virtudes da pessoa humana.

O estudo das experiências positivas, dos traços individuais positivos e dos aspectos que facilitam o seu desenvolvimento é, então, o grande foco da psicologia positiva, ultrapassando o objectivo da psicologia clínica de aliviar o sofrimento associados a uma condição de saúde (Duckworth, Steen & Seligman, 2005).

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Este novo paradigma da Psicologia, cuja génese remonta aos anos 40, foi realçado nos trabalhos de Seligman, destacando a obra Optimismo Aprendido, publicado em 1991, onde o autor inverte os seus interesses de investigação, que passam a centrar- se nos aspectos positivos da vida. Embora já bastante abordado pela investigação e pela clínica, promete continuar a gerar grande entusiasmo ou não fosse a sistemática procura de meios e estratégias para potenciar as emoções e os valores positivos, o bem-estar, a qualidade de vida e a funcionalidade humana.

Segundo Calvetti, Muller e Nunes (2007), a compreensão da interacção da pessoa com o ambiente, permite aumentar o entendimento dos factores de risco e de protecção envolvidos no processo saúde/doença; os factores de risco estão relacionados com os eventos negativos, que aumentam a probabilidade da pessoa apresentar problemas físicos, psicológicos e sociais. Os factores de protecção referem-se às influências que transformam ou melhoram as respostas pessoais.

Enumerando algumas das variáveis psicológicas protectoras mais estudadas na área da Psicologia da Saúde referimos o optimismo, a esperança, o coping, a auto- eficácia, o bem-estar, o suporte social, o locus de controlo (Gaspar, Matos, Pais Ribeiro & Leal, 2006; Gomes & Pais Ribeiro, 2001; Leal, Pais Ribeiro, Oliveira & Roquette, 2005; Pais Ribeiro & Pombeiro, 2004; Pinto & Pais Ribeiro, 2007; Silva et al., 2003).

Como referido anteriormente, e assumido neste estudo, sendo a qualidade de vida um resultado, será de todo o interesse explorar o papel das variáveis psicológicas na determinação do mesmo.

Pais Ribeiro (2006) classifica estas variáveis em dois tipos, latentes e emergentes, podendo actuar antes, durante e no ajustamento à condição de saúde que, no contexto da Psicologia da Saúde, devem ser conceptualizados separadamente. As variáveis latentes são estáveis ao longo da vida, independentemente da acção; as emergentes, são mais flexíveis e resultam da acção.

Para melhor entender a influência das variáveis psicológicas nos resultados, continuamos a citar o mesmo autor que explica que, no momento 1 (antes da condição de

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saúde) variáveis como o sentido interno de coerência, a robustez ou o optimismo traço (disposicional) actuam como amortecedoras, tendo maior probabilidade de melhorar ou promover a saúde e menos probabilidade de adoecer. No momento 2 (durante a ocorrência da condição de saúde), as variáveis positivas já referidas, assim como a esperança, o optimismo situacional, o coping, o locus de controlo, as crenças e os valores ajudam a reagir de um modo mais adequado no combate à doença ou à lesão adquiridas. No momento 3, características positivas como a auto-eficácia, o coping e a esperança permitem ao indivíduo ajustar-se à sua nova condição. As variáveis latentes revelam-se mais importantes antes da condição surgir, perdendo gradualmente importância à medida que a condição se instala, dando lugar às variáveis emergentes.

Voltamos a assumir, através desta prévia explanação, que a nossa opção é considerar a qualidade de vida como uma variável de resultado, multidimensional, que pode ser influenciada por variáveis psicológicas, salientadas pela Psicologia Positiva, pelo seu papel protector. Embora na perspectiva de modelos mais complexos, estas também possa ser uma variável amortecedoras ou de influência (Sirgy, 2002). Podemos, então, inferir que uma abordagem positiva da vida pode conduzir, independentemente da condição de saúde, a uma percepção de boa qualidade de vida.