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II. ANÁLISE DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NO AMAZONAS

2.4 A QUALIDADE NA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA TICUNA

Durante muito tempo a educação escolar oferecida aos povos indígenas, segundo Freire (2002), tinha a intenção de catequizar, moldar, transformar e integrar os povos indígenas à chamada “Comunhão Nacional”. Passando por algumas tutelas: Serviço de Proteção aos Índios (SPI) e depois pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI) o objetivo da educação era sempre o mesmo: não aceitar as diferenças existentes entre os diversos povos indígenas que ocupavam, e ainda ocupam, o território brasileiro e com isso, manter o processo de assimilação. Nesse contexto, a escola era usada como espaço de imposição de valores diferentes dos que interessavam aos povos indígenas e a não aceitação da sua cultura, língua e identidade.

Todo esse processo assimilacionista reduziu consideravelmente o número de indivíduos indígenas no país. As mudanças de forma acentuada só ocorreram a partir de 1988, com a Constituição Federal e demais leis secundárias que garantiram

aos povos indígenas o comando da sua educação escolar. Esse marco divisor serve para percebermos a diferença entre Educação Indígena e Educação Escolar Indígena. Para Gersem Luciano (2002),

A educação indígena refere-se aos processos próprios de transmissão e produção dos conhecimentos dos povos indígenas, enquanto a educação escolar indígena diz respeito aos processos de transmissão e produção dos conhecimentos não-indígenas e indígenas por meio da escola, que é uma instituição própria dos povos colonizadores. A educação escolar indígena refere-se à escola apropriada pelos povos indígenas para reforçar seus projetos socioculturais e abrir caminhos para o acesso a outros conhecimentos universais, necessários e desejáveis, a fim de contribuírem com a capacidade de responder às novas demandas geradas a partir do contato com a sociedade global (GERSEM LUCIANO, 2002, p.129).

A partir deste ponto, a escola indígena é redefinida e uma educação escolar indígena intercultural e bilíngue abre espaço no campo do diálogo entre os diversos movimentos indígenas que se interessam no rumo dado à educação indígena. Assim, ter acesso a todo tipo de conhecimento pelos povos indígenas não significa excluir sua forma tradicional de transmissão de saberes historicamente passada durante centenas de gerações ao longo da história do Brasil.

No que se refere à educação escolar Ticuna, temos como referência a Organização Geral dos Professores Ticuna Bilíngues (OGPTB) que busca, enquanto organização, apresentar um modelo de educação de qualidade que atenda às necessidades do povo Ticuna, valorizando seus saberes tradicionais e sua língua materna. Mais uma vez a escola aparece como instituição responsável pelo fortalecimento da cultura dos povos indígenas e lugar de acesso ao conhecimento universal.

Seguindo esses conceitos a Escola Indígena Ticuna Gildo Sampaio Megatanücü defende a filosofia de que a escola, mesmo indígena, deve manter um padrão de qualidade que permita aos alunos e professores o seu crescimento intelectual e seu acesso pleno ao conhecimento e da manutenção da sua cultura enquanto povo livre e soberano.

Em depoimento, o professor de Sociologia da Escola Gildo Sampaio confirma a sua intenção de que a escola precisa de um projeto próprio de ensino e de professores cada vez mais eficientes e habilitados envolvidos no processo e para que isso se efetive, é necessário um compromisso do estado na oferta de cursos de capacitação e de pós-graduação no modelo intercultural:

O meu ensino da graduação na área indígena me ajudou bastante. Agora o que falta é uma capacitação contínua pros professores, não só pra mim, mas todos os professores conforme suas áreas específicas como uma Pós- Graduação, O professor pra fazer um bom trabalho tem que ter o seu material próprio, específico pra sua disciplina, pra não ficar assim perdido, pra ajudar. Nós professores falta materiais, não todas as disciplinas, mas algumas que são novas disciplinas que a escola estadual ou SEDUC está inserindo e pra mim essa é a dificuldade e a formação continuada na área onde o professor está atuando. Cada professor deve trabalhar na disciplina da sua formação. (Professor indígena da Escola Gildo Sampaio).

Isso prova que a questão da qualidade está bem definida entre os professores da escola Gildo Sampaio que, em organização, sabem o que é necessário para chegar a essa boa qualidade de ensino.

Neste percurso, a educação escolar indígena no Amazonas vem tentando garantir uma certa autonomia às diversas escolas indígenas espalhadas pelo gigantesco território do estado a partir da apresentação à Rede de Ensino dos seus Projetos Políticos Pedagógicos construídos na própria unidade de ensino em conjunto com a comunidade interessada, apresentando, assim, suas peculiaridades e interesses. Para muitos envolvidos na educação escolar indígena, isso passa a ser um grande desafio a ser superado que, para Ladeira (2004),

O desafio da educação escolar indígena é se propor um sistema de ensino de qualidade e diferenciado, no sentido de atender as especificidades de um povo diferente da sociedade nacional, considerando que seus horizontes de futuro não são os mesmos que os nossos, e não reduzir a questão ao atendimento por meio dos programas de inclusão social dos anseios individuais, ainda que legítimos, de alguns dos estudantes indígenas (LADEIRA, 2004, p.143).

A partir da aplicação dessa proposta de ensino surgirá um novo desafio: como avaliar a educação escolar indígena a partir de diversas propostas pedagógicas atreladas a diferente filosofia de vida e saberes? Este será sem duvida mais um desafio a ser superado no futuro e que, neste momento apenas serve como reflexão. O que vai nos interessar aqui é chegar a essa qualidade de ensino aplicada na escola Gildo Sampaio para que haja uma mudança no atual cenário e que mais tarde possa ser reavaliado de forma positiva. Na próxima seção, mostraremos a relevância de se avaliar a escola indígena e registrar a opinião dos atores envolvidos nesse processo educacional.