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II. ANÁLISE DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NO AMAZONAS

2.3 ESCOLA INDÍGENA GILDO SAMPAIO MEGATANÜCÜ E OS

Não é difícil entender as fissuras pedagógicas apresentadas no tratamento e condução da educação escolar indígena no Estado do Amazonas, que, mesmo concentrando a maioria das escolas indígenas do país, ainda apresenta uma série de problemas para o atendimento de suas particularidades, principalmente aqueles relacionados à proposta de ensino bilíngue.

A educação diferenciada aos povos indígenas é garantida e regulada em vários dispositivos legais na qual está pautada, como o Decreto Lei nº 6001 de 1973, que já estabelecia em seu Art. 49 “A alfabetização dos índios far-se-á na língua do grupo a que pertençam, e em português, salvaguardado o uso da primeira”.

O Ministério da Educação e Cultura (MEC), através da sua Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), confirma ações de apoio dados aos municípios e estados brasileiros para a garantia de uma educação escolar indígena de qualidade. Para tal intenção, afirma:

Os desafios postos pela educação escolar indígena, que compreende as complexas demandas implicadas no reconhecimento da diversidade de mais de 225 povos e da sua busca por autodeterminação, estão sendo enfrentados pela SECAD/MEC com políticas de formação de professores indígenas focadas nas licenciaturas e no magistério intercultural, de produção de materiais didáticos e paradidáticos específicos, de ampliação da oferta de educação básica nas escolas indígenas e de fortalecimento da interlocução institucionalizada e informada de representantes indígenas com os gestores e

dirigentes do MEC e dos sistemas de ensino. (SECAD/MEC – CADERNOS 3,

2007, p.09).

Mesmo diante das recomendações legais, a escola indígena Gildo Sampaio Megatanücü ainda não alcançou a autonomia que espera na condução do seu fazer pedagógico e na efetivação do seu Projeto Político Pedagógico específico, pois o mesmo ainda está em construção e não foi apresentado à macro administração da Rede de Ensino. Dessa forma, adota as propostas curriculares das escolas tradicionais, submetendo-se às mesmas avaliações de desempenho e desconsiderando as diferenças culturais que afetam diretamente no resultado dessas avaliações.

Por falta de recursos, muitas vezes as atividades diárias da escola são suspensas por falta de material de expediente ou pedagógico que seria necessário

para provir às necessidades de alunos e professores. Neste ponto, confirma o Secretário da Escola Gildo Sampaio após solicitar diversos materiais à gestora da escola:

A nossa escola ela não tem até hoje APMC tá aí uma das coisa que é que comprometeria a formação disso que falta interesse do gestor anterior nem de professores é porque nosso quadro era todo temporário, então nos sabemos que a formação no mínimo 2 anos para que está a frente de assumir a responsabilidade de presidente e tesoureiro e assim por diante de uma APMC, então agora com um novo professor que é efetivo e tá tentando organizar o conselho da escola e esse mesmo conselho a gente vai registrar para ter a função da APMC, que por exemplo nos sem a APMC nos não recebemos nem 1 real, do governo estadual, nem federal, pra dispensa diária da escola, que são muitas ( Secretário escolar).

Deixar a escola indígena autônoma não é simplesmente deixar que ela caminhe com seus próprios pés, sem o apoio financeiro ou técnico das instituições governamentais, mas da liberdade para a construção de uma proposta curricular específica que atenda o que recomenda o Referencial Curricular Nacional para a Educação Escolar Indígena RCNEI.

Na questão da autonomia, adotamos aqui o conceito apresentado por Jair Militão da Silva (1996) quando afirma que autonomia é:

Aquela pessoa ou instituição que é capaz de fixar as normas de sua conduta no âmbito de sua natureza específico. Portanto, escola pública estatal autônoma será aquela capaz de fixar as regras de seu próprio existir e agir, levando em conta seus limites e suas potencialidades (p.14).

Por não ter uma Associação de Pais, Mestres e Comunitários - APMC, a escola fica impedida de receber recursos e isso compromete a autonomia financeira e pedagógica, pois a falta de material de expediente ou de limpeza pode comprometer o andamento das aulas.

Em regime de cooperação entre as esferas de governo, cabe ao poder público o apoio financeiro na manutenção das escolas indígenas tanto municipais como estaduais, além do apoio técnico pedagógico a fim de garantia ao que propõe a legislação que regula a educação escolar indígena.

A estrutura curricular adotada pela Escola Indígena Gildo Sampaio recomenda que a educação indígena seja aplicada como tema transversal e sugerindo como língua estrangeira o inglês. Este fato pode ser elencado como exemplo da fissura existente entre a educação escolar indígena recomendada pela legislação e a

educação tradicional aplicada na escola, além de caracterizar a falta de autonomia pedagógica.

Por não ter, ainda, um PPP próprio que atenda todas as especificidades de uma escola indígena, a Escola Estadual Indígena Gildo Sampaio Megatanücü adota as Diretrizes Curriculares das escolas convencionais da rede estadual, porém, a Matriz Referencial cobrada nas avaliações do SADEAM, conforme o resultado apresentado, não apresenta consonância entre o conteúdo ensinado e o conteúdo avaliado.

Aponta para um tratamento diferenciado da escola indígena, o depoimento do coordenador distrital de Benjamin Constant/AM na questão relacionada à construção de um Projeto Político Pedagógico para a Escola Gildo Sampaio:

Bem, ela, claro todas as escolas indígenas têm assim uma diferença própria, a gerência já atribuí essas situações a eles, até porque ano passado veio pessoas aqui do MEC voltados para uma formação de entendimento voltados para aprendizagem indígena. Porque eles falam que o ensino é diferenciado. Diferenciado por que? Por causa da linguagem deles. Se você não for realmente um professor profissional que tenha uma habilidade, que tenha um perfil realmente pra passar as orientações a ser seguida como eles merecem realmente não há aprendizagem. Então acho que o professor tem que ter perfil voltado para essa situação, principalmente pra língua portuguesa, que é de pura importância, na área indígena (Coordenador Distrital).

Outro aspecto negativo a se considerar é posto pela gestora da escola, a qual aduz que a escola segue as diretrizes do Projeto Político Pedagógico apresentado pela Secretaria Estadual de Educação (SEDUC) e que ainda não contempla a realidade do seu povo e não permite construir uma proposta pedagógica participativa, condição sine qua non para a construção de um modelo de gestão democrática.

Este distanciamento, entre a realidade da escola e a falta de apoio administrativo e pedagógico da SEDUC não permite a autonomia da escola que subjaz à proposta pedagógica. A proposta curricular a ser construída pela escola indígena pressupõe uma realidade escolar construída coletivamente onde a aprendizagem significativa é inexorável.

Segundo a Coordenadoria de Benjamin Constant/AM, a qual pertence à escola, há um problema duplo gerado pela falta de autonomia que acaba resultando em uma espécie de jogo de forças no qual de um lado temos a Secretaria Estadual de Educação que não apresenta uma proposta curricular específica e não avalia a escola como escola indígena e do outro os professores que diante das dificuldades

apresentadas tentam, de forma precária, cumprir uma proposta curricular que desconhece as especificidades da escola indígena. O que percebemos é que a Escola Gildo Sampaio Megatanücü acaba sendo uma escola de branco em terra de índio avaliada como escola de branco. O resultado de tudo isso são alunos que apresentam problemas de aprendizado por consequência de um não entendimento dos conteúdos passados e a compreensão precária da língua portuguesa.

À medida que a Escola Estadual Indígena Gildo Sampaio Megatanücü não possui plena autonomia administrativa e pedagógica, os conteúdos curriculares são dissociados da realidade da Educação Escolar Indígena, não usando sequer a sua língua materna ou uma proposta do ensino da língua portuguesa como segunda língua. Há, então, há um distanciamento entre a educação escolar oferecida e a educação real nos moldes indígenas, prática essa que tem como consequência um baixo rendimento dos alunos, comprovado nas avaliações externas. O grande desafio a ser enfrentado pela escola indígena está concentrado nas avaliações, ou seja, como avaliar a escola indígena e qual matriz de referência deve ser utilizada? Definido esse “imbróglio pedagógico” podemos falar, então, na qualidade da Educação Escolar Indígena Ticuna.