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2 REGIME JURÍDICO ESPECIAL DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

4.2 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

4.2.2 A questão da “deslegalização”

A discussão sobre a tese da deslegalização é realizada no âmbito das agências reguladoras. Como já frisamos acima, parte da doutrina entende que a ampla liberdade para que a agência reguladora defina o conteúdo dos atos normativos do setor regulado é permitida através da deslegalização.

Há autores, como Diogo Figueiredo Moreira Neto(2006, p. 419), José dos Santos Carvalho Filho (2008, p. 65) e Alexandre Santos de Aragão (2006, p. 424), que defendem a possibilidade de agências reguladoras baixarem normas regulatórias no setor regulado com fundamento no fenômeno da deslegalização ou deslegificação.

Nesse sentido, José dos Santos Carvalho Filho (2008, p. 65) comenta:

Por conseguinte, não nos parece ocorrer qualquer desvio de constitucionalidade no que toca ao poder normativo conferido às agências. Ao contrário do que alguns advogam, trata-se do exercício de função administrativa, e não legislativa, ainda que seja genérica sua carga de aplicabilidade. Não há total inovação na ordem jurídica com edição de atos regulatórios das agências. Na verdade, foram as próprias leis disciplinadoras da regulação que, como visto, transferiram alguns vetores, de ordem técnica, para normatização pelas entidades especiais – fato que os especialistas têm denominado de “delegalização”, com fundamento no direito francês (“domaine de l’ordonnance”, diverso do clássico “domaine de la loi”). Resulta, pois, que tal atividade não retrata qualquer vestígio de usurpação da função legislativa pela administração, pois que poder normativo – já o acentuamos – não é poder de legislar: tanto pode existir este sem aquele, como aquele sem este. É nesse aspecto que deve centrar-se a análise do tema.

Deslegalização, para Diogo de Figueiredo Moreira Neto é a retirada pelo próprio legislador de determinada matéria do domínio da lei, passando-a para o domínio do ato administrativo53.

Alexandre Santos de Aragão (2006, p. 424) atribui às agências reguladoras um amplo poder normativo regulamentar através do processo de delegificação ou deslegalização:

A deslegalização estaria implícita no amplo poder normativo (esteado em standards gerais) conferidos pelas leis instituidoras às agências reguladoras para exercer as suas competências regulando determinado setor da economia, principalmente em seus aspectos técnicos, observada a política pública fixada pela lei e pela Administração central.

53

Diogo de Figueiredo Moreira Neto apud Alexandre Santos de Aragão (2006, p. 419), a deslegalização consiste na “retirada, pelo próprio legislador, de certas matérias, do domínio da lei (domaine de la loi) passando-as ao domínio do regulamento (domaine de l’ordonnance)”.

Vamos analisar um caso hipotético citado por Alexandre Santos de Aragão (2006, p. 423), em nota de rodapé:

Imaginemos, exemplificativamente, a existência de uma lei que, por hipótese, determinasse o limite máximo de emissão de 150 mg de resíduos sólidos pelos veículos de transporte coletivo. Posteriormente, advém uma nova lei, que cria um órgão regulador na matéria e lhe atribui a competência normativa para, com base nos princípios e finalidades legais (meio ambiente, evolução tecnológica, etc.), fixar os limites de resíduos sólidos a serem emitidos pelos veículos de transporte coletivo. Nos parece natural que este órgão, no exercício da competência conferida pela lei posterior (lex posterior derogati priori), possa fixar limite (razoável) de emissão de resíduos sólidos diverso de 150 mg.

Se uma nova lei que cria uma agência reguladora de transporte coletivo, em tese, transfere para esse ente a competência normativa de baixar normas para o setor regulado.

A agência reguladora (observados os parâmetros de proteção do meio ambiente e evolução tecnológica) baixa a sua primeira norma, o ato normativo da agência reguladora diz que não pode emitir mais de 100 mg.

Parte da doutrina que adota a tese da deslegalização entende que é a lei deslegalizadora que vai revogar a lei vigente. No dia em que foi promulgada a lei que criou a referida agência reguladora não havia contrariedade com a lei existente, no momento em que a agência reguladora editar o ato normativo e esse for promulgado a lei deslegalizadora é concretizada, ganha força normativa suficiente para revogar a lei em vigor.

Alexandre Santos de Aragão chama a lei deslegalizadora de lei de baixa densidade normativa, porque a ela não tem conteúdo, no dia em que é editado o ato normativo da agência reguladora é que ela ganha conteúdo, força normativa.

Se o ato normativo da agência reguladora determinasse a emissão de 200 mg seria invalidada, porque violaria o parâmetro estabelecido pela lei deslegalizadora.

A deslegalização ou delegificação não é admitida pela nossa ordem constitucional porque opera uma verdadeira degradação da hierarquia normativa da lei, que por opção do próprio legislador deixa determinada matéria de ser regulada por lei e passa para a seara do ato administrativo normativo.

Gustavo Binenbojm (2006, p. 100) é contra a adoção da deslegalização e assevera que a remição feita aos artigos 21, XI e 177, § 2º, III, da CRFB, não teria respaldo para excepcionar ou permitir tal processo no ordenamento jurídico brasileiro:

Com efeito, não se admite que possa existir, no Direito Brasileiro, o fenômeno da deslegalização, por meio do qual a lei de criação da agência degradaria o status hierárquico da legislação anterior, permitindo a sua alteração ou revogação por atos normativos editados pela agência. Tal importaria, ao ângulo formal a possibilidade de o legislador alterar o procedimento legislativo previsto na própria Constituição – o que é inadmissível.

O princípio da legalidade administrativa tem duplo efeito porque não serve apenas para proteger a liberdade dos indivíduos, como para limitar e vincular a atuação da autoridade administrativa, dessa forma ele comporta com a constitucionalização do direito administrativo uma ampliação pela juridicidade, mas não comportaria uma degradação hierárquica ou uma supressão por norma de hierarquia inferior, segundo a nossa ordem constitucional.

4.2.3 Discricionariedade administrativa e aplicação de “conceitos jurídicos