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2.2 Finalidade político-criminal da medida de segurança enquanto obrigação estatal

2.2.3 A questão da prevenção geral na medida de segurança

Enquanto a existência da prevenção especial como finalidade precípua da medida de segurança é incontroversa, há um intenso debate a respeito da prevenção geral. Para alguns doutrinadores, secundariamente à prevenção especial, a medida de segurança visaria também

28 Mais uma vez, frise-se que a contenção do agente poderá consistir em finalidade exclusiva da medida apenas quando o tratamento for clinicamente inviável, em casos excepcionais, e não como conseqüência do descaso do Estado em cumprir fielmente sua obrigação.

29 Em suas palavras (GRACIA MARTÍN, 2006, p. 438, grifo do autor): “Si en un Estado social y democrático

de Derecho [...] se reconoce al Derecho penal como un instrumento válido y legítimo para la protección de los bienes jurídicos en el marco del respeto a determinados principios y garantías fundamentales sobre cuya observancia tienen los ciudadanos una pluralidad de derechos fundamentales, una medida de seguridad que en razón de las condiciones y circunstancias de su aplicación, no pueda satisfacer los fines de reeducación y de reinserción social, pero aparezca como estrictamente necesaria para obtener el aseguramiento imprescindible de la sociedad, será justa, y estará constitucionalmente legitimada si se mantiene dentro de los límites infranqueables que impone el respeto a aquellos derechos y garantías constitucionales vinculantes”.

a prevenção geral. Para outros, a prevenção especial é a única finalidade político-criminal das medidas de segurança.

Para Gracia Martín30, tais medidas não atendem à prevenção geral, sendo sua exclusiva finalidade a consecução da prevenção especial, seja negativa ou positiva. Conforme seu entendimento, as medidas de segurança devem ser orientadas exclusivamente às finalidades preventivas especiais, a saber: advertência individual, correção ou emenda e inocuização do agente. No mesmo sentido é o posicionamento de Antunes, que não admite qualquer finalidade preventiva geral com relação à medida de segurança, pois o fato do inimputável não seria apto a abalar as expectativas comunitárias na vigência das normas, eis que todas as pessoas reputam a prática do fato à condição excepcional do doente mental (DIAS, 2005, p. 426).

Posição interessante é a de González-Rivero (2003, p. 69), que, para tratar das finalidades da medida de segurança, divide-a em fases. No momento de reconhecimento da inimputabilidade e valoração de sua periculosidade, presente está a “protección de la generalidad; esto es, al sujeto se le va a imponer una determinada medida de seguridad por el hecho de que resulta peligroso para la sociedad”. Já na execução da medida, presente se faz a prevenção especial, objetivando a reinserção social do indivíduo. Pelo que se pode inferir, apesar da ausência de referência expressa, na primeira fase a autora acolhe a prevenção especial negativa, e na segunda a prevenção especial positiva. Ao que parece, rejeita a prevenção geral como finalidade da medida de segurança31.

Em sentido contrário posiciona-se Dias (2005, p. 427-428), para quem o legislador quis alcançar finalidades preventivas gerais, sobretudo positivas. Isso porque, se a aplicação da medida de segurança pressupõe a prática de um fato ilícito-típico (que deve ser ademais grave), isso significa que ela participa da proteção de bens jurídicos e da tutela das expectativas comunitárias, autonomamente à função preventivo-especial. Sendo assim, a medida de segurança é utilizada para estabilizar contrafaticamente tais expectativas, numa típica função preventivo-geral positiva32, ao contrário do que querem os autores anteriormente citados. Bem exemplifica essa questão, conforme o entendimento de Dias, o estabelecimento

30 Para esse autor (GRACIA MARTÍN, 2006, p. 437), as medidas de segurança não podem nem devem orientar-se aos fins de prevenção geral. Cita, no entanto, o posicionamento de Roxin e de Jakobs, que entendem ter a medida de segurança um efeito secundário de prevenção geral, a demonstrar-nos a atualidade e a densidade do debate.

31 Até porque entende que a medida de segurança tem natureza administrativa.

32 Em nosso sistema, prova disso seria a previsão da aplicação de medida de segurança de internamento para o inimputável que praticar fato definido como crime punido com reclusão, e a aplicação de tratamento ambulatorial no caso de previsão de detenção (art. 97, caput, CP). A razão que está por detrás dessa regulamentação só pode ser preventivo-geral, pois à luz da prevenção especial não faz qualquer sentido. No entanto, aqueles que reconhecem apenas as finalidades preventivo-especiais criticam veementemente a disposição do artigo em tela justamente por não levar em conta que a única finalidade político-criminal legítima na medida de segurança é a preventivo-especial.

de limites mínimos de duração da medida de segurança33, pois, ainda que a periculosidade cesse, antes desse prazo a medida não pode findar. Se assim é, está aí exteriorizada a presença da prevenção geral na medida de segurança de forma autônoma, ainda que secundariamente à prevenção especial34. Conclui referido autor que, no que diz respeito às finalidades político- criminais, não há diferenças essenciais entre as medidas de segurança e as penas. A diferença residiria apenas na “forma de relacionamento entre as finalidades de prevenção geral e especial” (DIAS, 2005, p. 428), pois nas penas a primeira seria preponderante, ao passo que nas medidas de segurança a segunda seria prioritária, mas estando sempre as duas finalidades presentes em ambas sanções.

Na doutrina brasileira, Ferrari (2001b, p. 63) acolhe o posicionamento acima referido, afirmando que “a prática de um ilícito-típico por parte do doente mental origina abalo na comunidade social, constituindo necessária a reafirmação do ordenamento jurídico com o intuito de estabilizar contrafaticamente as normas violadas”.

De nossa parte, entendemos que a medida de segurança tem, secundariamente, finalidades preventivo-gerais, de índole positiva. Isso porque sua aplicação e execução visam a proteção de bens jurídicos relevantes socialmente. Por esse motivo, a prevenção geral positiva também é, embora de maneira absolutamente secundária, finalidade autônoma da medida de segurança. Claro está, por outro lado, que a prevenção geral negativa não se inclui entre as expectativas próprias da medida de segurança, eis que o ato do inimputável não gera abalo na confiança comunitária com relação à vigência da norma. Ademais, ele sequer comete um delito, mas sim um fato descrito como crime, reafirmando o que acabamos de mencionar. De qualquer forma, a prevenção especial é, indubitavelmente, a principal finalidade da medida de segurança, devendo preponderar, como já anteriormente dito, seu aspecto positivo.

Não extraímos, no entanto, as mesmas conclusões da doutrina a partir do reconhecimento da prevenção geral enquanto expectativa legítima da medida de segurança. Embora o artigo 97 de nosso Código Penal estabeleça a aplicação de internamento para os fatos punidos com reclusão, e a aplicação de tratamento ambulatorial para os punidos com detenção, e isso decorra, provavelmente, da finalidade preventivo-geral, essa disposição necessita ser urgentemente revista. Isso porque deve prevalecer, sempre, a finalidade

33 Em nosso ordenamento, tal disposição encontra-se no artigo 97, § 1º, CP. Para os defensores da outra tese, esse artigo é incoerente com as finalidades da medida de segurança, e necessita de urgente reformulação. 34 No mesmo sentido, e coerentemente com seu pensamento, é a posição de Jakobs: a medida de segurança tem ,

secundariamente, finalidade preventivo-geral e, primordialmente, a finalidade de eliminação de perigos (SANZ MORÁN, 2005, p. 977).

preventivo-especial, e em sua dimensão positiva. Vale dizer: o tratamento do doente mental deve ser incansavelmente buscado, e todas as disposições legais devem tender a isso. Ora, a disposição do artigo 97 parece não se preocupar com as necessidades terapêuticas do inimputável, ao vincular a escolha da espécie da medida de segurança à punição abstrata do fato. Não se legitima essa preponderância da prevenção geral, sacrificando a prevenção especial. Afinal, a escolha equivocada da espécie de medida, ao arrepio das reais necessidades terapêuticas, pode até mesmo inviabilizar a consecução da ressocialização do doente. Posto isso, vale registrar que, a despeito de reconhecermos a existência da prevenção geral na medida de segurança, não aceitamos a disposição do artigo 97, tampouco a regulamentação prevista por seu § 1º, ao estabelecer limites mínimos para a duração da medida. Embora seja forçoso reconhecer, aí também, uma manifestação da prevenção geral, certamente visada pelo legislador, tal expressão é equivocada, por fazer prevalecer tal finalidade sobre a prevenção especial, trazendo sérias e inoportunas conseqüências. Isso porque, conforme a regulamentação citada, ainda que o tratamento seja exitoso e a periculosidade do doente cesse, a medida não poderá findar-se enquanto não escoada sua duração mínima, com o risco, inclusive, de o indivíduo ter sua situação clínica piorada em razão da continuidade do internamento. Isso fere, frontalmente, a necessária prevalência da prevenção especial positiva, motivo pelo qual pleiteamos a supressão do estabelecimento de prazos mínimos de duração para as medidas de segurança.