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3.3 Características e dinâmica da desinternação progressiva

3.3.1 Imediações e Visitas Domiciliares Assistidas

Na desinternação progressiva estimula-se um contato cada vez maior do interno com seu meio social e familiar, estreitando esses laços, ao passo que se vai diminuindo sua dependência com relação ao hospital. Para atingir esses objetivos, diversas estratégias foram formuladas e colocadas em prática. Em primeiro lugar, estão previstas as chamadas imediações acompanhadas, pelas quais o interno, acompanhado dos agentes de segurança penitenciária, pode conhecer a cidade de Franco da Rocha. Também há as imediações desacompanhadas44, pelas quais o interno, sem a companhia de nenhum agente, pode se dirigir à cidade de Franco da Rocha ou mesmo a outras cidades, desde que não muito distantes. Importante assinalar que as imediações, regra geral, podem durar no máximo três horas45, eis que se trata de um tempo reputado suficiente seja para conhecer o centro da cidade (imediações com acompanhamento), seja para realizar compras ou dirigir-se a determinadas instituições (imediações sem acompanhamento).

Finalmente, tem-se a Visita Domiciliar Assistida (VDA), instrumento pelo qual os custodiados podem ficar com suas famílias por um determinado período46. Normalmente essas estratégias são aplicadas nessa exata ordem, isto é, primeiro o interno sai pelas imediações com acompanhamento, depois sai pelas imediações desacompanhado e, só então, pode visitar sua família, fazendo uso da Visita Domiciliar Assistida. Na verdade, a praxe consiste em submeter o interno a no mínimo três imediações estando acompanhado,

44 Chamada também por alguns de permissões de saída.

45 Também nesse caso existe a possibilidade da duração da saída ser alargada, desde que haja justificativa convincente de sua necessidade, de modo que o interno não fique ocioso pelas ruas. Por exemplo, se três horas forem insuficientes para ir e voltar de uma determinada cidade relativamente próxima.

46 Como já dito anteriormente, o HCTP I mantém uma ala de progressão destinada a mulheres. Suas características básicas são semelhantes às do HCTP II, inclusive as denominações “imediações” e “VDA’s”, com a diferença de que o período máximo de permanência com a família é de 25 dias. As atividades principais desempenhadas pelas custodiadas são panificação e limpeza geral. A ala é composta de quartos com capacidade para até cinco internas, sendo que sua capacidade total é de 25 vagas.

posteriormente a três imediações sem acompanhamento, para só então permitir as Visitas Domiciliares Assistidas.

Ademais, ressalte-se que essas medidas não são aplicadas assim que o interno chega ao hospital. Normalmente no primeiro mês o interno não realiza nenhuma saída, no segundo mês realiza imediações acompanhado, no terceiro mês faz imediações desacompanhado, para só depois realizar as chamadas VDA’s. Nas primeiras saídas em VDA o interno passa poucos dias com a família47; se não ocorre nenhuma intercorrência, e sua situação terapêutica permite, ele vai passando pouco a pouco mais dias com sua família, até atingir o limite máximo de vinte dias. Quando atinge esse patamar, passa a permanecer sete dias no hospital (mínimo) e vinte dias (máximo) em sua casa48. Em verdade, embora esse seja o modelo de progressão no HCTP II, é muito comum que a ordem de aplicação das estratégias seja invertida, ou mesmo que se omita alguma das fases, tendo em vista as necessidades terapêuticas e sociais do interno em concreto. Sendo assim, é possível que, dada a rápida evolução do interno, ele não precise fazer as seis imediações, por exemplo. Ou então, em razão da ausência de apoio familiar, apenas realize imediações49. O modelo desenhado serve muito mais de guia de orientação50 do que consiste em um ritual a ser necessariamente seguido: tudo depende da adequada abordagem que deve ser feita com cada interno.

Seguindo esse mesmo raciocínio da não absolutização das regras aqui esboçadas, eis que podem ser adaptadas a razões de ordem terapêutica ou prática, convém registrar que as imediações com acompanhamento são normalmente realizadas com um grupo de, no máximo, seis internos, em um veículo do hospital. Eles são acompanhados pelo motorista e dois agentes de segurança penitenciário, um alocado no banco da frente, e outro acomodado no banco de trás. Dirigem-se até o centro de Franco da Rocha, ocasião em que o primeiro agente mostra e explica aos internos as principais ruas e avenidas, os estabelecimentos e as

47 Normalmente a primeira VDA é feita com acompanhamento de agentes de segurança penitenciária e tem a duração de um dia.

48 Mesmo quando o interno atinge essa situação ideal, muitas vezes passa mais de sete dias no hospital por razões práticas, tais como falta de dinheiro e problemas familiares, que o impedem de voltar a sua casa imediatamente. Da mesma forma, nem sempre ficará vinte dias no seio familiar, seja por impedimento da própria família, seja por necessidades do hospital. Ademais, esses prazos podem ser modificados em razão de comportamentos inadequados do interno, tal como não ter ingerido a medicação corretamente na saída anterior.

49 Esses casos são os de progressão mais difíceis de serem viabilizadas.

50 Deve-se evitar uma compreensão matemática e linear da dinâmica da desinternação progressiva, pois isso não corresponderia aos fatos. Se bem entendemos seu funcionamento, é perfeitamente possível que um interno, já realizando VDA’s em seu período máximo (vinte dias), saia nas imediações desacompanhado. Isso seria possível se, por exemplo, estando o interno no hospital, necessitasse fazer algo urgente na cidade, atividade essa que não poderia aguardar a próxima VDA.

instituições da cidade51, assim como aponta os pontos de ônibus e estações de trem e explica seu funcionamento. Os custodiados não saem do veículo durante essa saída, o motorista apenas pára52 vez em quando para que eles apreendam a localização. A saída para imediações é uma medida essencial na desinternação progressiva, já que se pretende reinserir o interno socialmente. Considerando que a maioria dos internos do HCTP II é do interior de São Paulo, trata-se de um imperativo mostrar a eles a cidade em que se encontra o Hospital, assim como ensinar-lhes a irem visitar sua família, através dos meios de transporte disponíveis na cidade. Ademais, como muitos deles ficaram internados anos a fio em outros hospitais, é muito conveniente essa primeira visita extra-muros ser feita com acompanhamento, e de uma forma não demorada, para que entrem em contato com a realidade exterior paulatinamente. Quando forem realizar as imediações desacompanhados, saberão para onde se dirigir, no sentido de satisfazer suas necessidades, tais como comprar mantimentos e roupas, ou dirigir-se ao dentista53.

Com relação às VDA’s, cumpre salientar que elas só se viabilizam se houver a anuência da família54, que inclusive se responsabiliza por cuidar do interno durante esse período. Ademais, no retorno do interno, a família deve informar ao Hospital tudo que ocorreu durante essa fase, sejam avanços ou intercorrências. Assim é que o interno deve trazer um formulário preenchido e assinado por um familiar, em que constam perguntas relevantes a respeito da observância do tratamento medicamentoso e de seu comportamento55. Essas informações são importantes na medida em que proporcionam ao hospital a formulação do juízo a respeito da evolução do tratamento do custodiado e de sua inserção social, colaborando, aliás, para a autorização ou a denegação da próxima VDA.

Além das VDA’s, o contato dos internos com suas famílias pode ocorrer nas visitas que eles recebem aos finais de semana e feriados. Na verdade, todo e qualquer interno que se encontra no Hospital pode receber visitas, inclusive aqueles que ainda não podem estabelecer contato com o meio externo56. No entanto, o número de pessoas que visitam os internos é bem pequeno, provavelmente em razão da distância entre o Hospital e suas cidades de origem.

51 Por exemplo, delegacias, supermercados, bancos, prefeitura, previdência social etc. Conforme nos foi informado, não são apontados lugares que não serão utilizados – ou não devem sê-lo – pelos pacientes, tais como bares, creches etc.

52 A parada dura de dez a quinze minutos, em regra.

53 Algo comum, pelo que se pode inferir da fala dos entrevistados e informantes. 54 Em regra, se bem entendemos o programa, a família busca o interno.

55 Os assistentes sociais checam essa informação, pessoalmente ou através de ligação telefônica, com os familiares. Na verdade, a principal forma de comunicação nesse caso é a oral, sendo o formulário secundário. Ademais, pelo que se averiguou, a instituição do instrumento escrito é relativamente recente.