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2.2 Finalidade político-criminal da medida de segurança enquanto obrigação estatal

2.2.2 Prevenção especial negativa: a proteção da sociedade

Para Dias (2005, p. 429), as medidas de segurança legitimam-se na necessidade de defesa social, para prevenir novas práticas de ilícito-típicos pelo inimputável que já cometera um fato dessa

23 Segundo Gracia Martín (2006, p. 439), “el Estado tiene el deber de proporcionar al individuo aquéllos

instrumentos educativos y curativos que le sean precisos para que éste pueda adquirir y ejercitar la capacidad de adecuar su conducta a las exigencias del orden ético-social, es decir, de modo compatible con las exigencias de libertad y seguridad de los demás”.

24 Em realidade, já é hora de se começar a reconhecer que basta a reintegração social do interno, independentemente da efetiva cura de sua anomalia psíquica. O que ocorre é que há uma tradição de se acreditar que a reintegração do doente mental só é possível se ele for primeiramente curado. Tal não é bem verdade, o que é provado pelo fato, muito freqüente, de os pacientes desinternados continuarem a realizar o tratamento psiquiátrico através do sistema de saúde pública, a indicar que sua doença mental ainda persiste, apesar de ter sido lograda sua inserção comunitária. Sendo assim, pode-se afirmar que o aspecto principal da prevenção especial positiva é a ressocialização do interno, a cuja efetivação pode e deve contribuir o tratamento terapêutico a ser realizado. Para tanto, ademais, referida terapêutica não deve abranger apenas as abordagens psiquiátrica e psicológica, mas também privilegiar outras importantes intervenções destinadas a colaborar com a inserção social do paciente.

ordem. Cumpre registrar que a idéia de defesa social por si só não basta. Segundo o mesmo autor (2005, p. 430), a medida de segurança apenas se justifica quando baseada no princípio da ponderação de bens conflitantes, isto é, quando a restrição da liberdade do indivíduo cause menos prejuízos do que seu uso traria a outras pessoas. Em outras palavras, a medida de segurança só deve ser aplicada quando a restrição da liberdade do portador da doença mental for consideravelmente menor que a ofensa que provavelmente ocorreria aos bens jurídicos de terceiros, caso não fosse imposta a medida25. Assim, a medida de segurança só pode ser aplicada

[...] para defesa de um interesse comunitário preponderante e, por conseguinte, em medida que se não revele desproporcional à gravidade do ilícito-típico cometido e à perigosidade do agente [...] só deste modo se poderá aceitar que a aplicação da medida de segurança, não sendo função da ideia jurídico-penal de culpa, nem encontrando nesta o seu limite, todavia constitua uma reacção aceitável nos quadros do Estado de Direito e de modo algum violadora do respeito absoluto pela dignidade da pessoa (DIAS, 2005, p. 429-430).

Enquanto o inimputável que cometeu um ilícito-típico revelador de sua periculosidade não for submetido a tratamento, os bens jurídicos relevantes da sociedade provavelmente serão afetados26. Por isso se justifica sua inocuização através da medida de segurança, em razão da proteção da sociedade frente a seus atos27.

Ademais, a contenção do doente mental, emanada da prevenção especial negativa, é o que possibilita a efetivação de seu tratamento, ou seja, a realização da prevenção especial positiva. Dessa feita, percebe-se que a prevenção negativa é subsidiária da positiva, conforme já ficou anteriormente enunciado. A inocuização destituída de finalidades terapêuticas não se justifica em nosso ordenamento, a não ser nos raríssimos casos em que a compensação clínica é impossível, ao menos com os conhecimentos médicos atuais (FERRARI, 2001b, p. 60).

Em outras palavras, conforme o entendimento doutrinário contemporâneo, a finalidade preventivo-especial positiva deve prevalecer sobre a negativa. O tratamento do submetido à medida de segurança é a expectativa primordial da execução dessa, enquanto a inocuização do agente consiste em aspecto secundário, a viabilizar o primeiro. O aspecto negativo, regra

25 No mesmo sentido, Sanz Morán (2005), afastando uma legitimação puramente utilitarista, baseada apenas na defesa social, e acolhendo o princípio do interesse preponderante. Confira também Barreiro (2001, p. 153). 26 Essa é a premissa sobre a qual se funda todo o sistema das medidas de segurança, embora seja de difícil comprovação. 27 Frise-se que a imposição da medida é decorrência da periculosidade do agente, para a qual o fato típico-ilícito

funciona apenas como comprovador. Pode-se afirmar que, no fundo, a proteção da sociedade se faz necessária em razão da imprevisibilidade do comportamento do inimputável, em razão de sua doença mental. É disso que a sociedade pretende se proteger através da medida de segurança. Por isso é que, modernamente (FERRARI, 2001b, p. 156-158), tem-se exigido que a periculosidade consista na probabilidade de novas práticas de ilícito- típicos, e não de sua mera possibilidade, em razão da imprevisibilidade de seu comportamento.

geral, não pode consistir em finalidade autônoma da medida de segurança, a não ser nos casos em que a ressocialização for impossível28. Nas palavras de Dias (2005, p. 424-425):

[...] o propósito socializador deve, sempre que possível, prevalecer sobre a intenção de segurança, como é imposto pelos princípios da socialidade e da humanidade que [...] dominam a nossa constituição político-criminal; e consequentemente que a segurança só pode constituir finalidade autónoma da medida de segurança se e onde a socialização não se afigure possível. Até porque [...] através da segurança, como tal, não se torna possível lograr a socialização; enquanto esta, quando tenha lugar no quadro de uma medida institucional, arrasta consigo um elemento de segurança pelo tempo do internamento respectivo.

Gracia Martín posiciona-se no sentido de reconhecer que, quando a ressocialização não for concretamente possível, a medida de segurança continua legitimada, em razão de sua função preventiva especial negativa, é dizer, ela deve ser imposta visando a proteção da sociedade29. Com efeito, esse raciocínio procede, desde que o Estado realmente dispenda todos os esforços possíveis no sentido da consecução da reinserção do indivíduo. Com isso quer-se dizer que, caso o Estado, após oferecer materialmente todas as condições terapêuticas para que a ressocialização se opere, não consiga atingir esse objetivo, a inocuização do indivíduo justificará a medida de segurança, em função da proteção da sociedade e de seus bens jurídicos face àquele indivíduo. No entanto, não pode o Estado utilizar esse argumento quando não colaborar efetivamente para a satisfatória execução das medidas, não propiciando a cura e a reintegração social do interno, como não raro ocorre no ordenamento jurídico brasileiro.