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CAPÍTULO 1 – Introdução

1.1. Transtornos globais do desenvolvimento

1.1.3. A questão diagnóstica e o conceito de continuum / espectro autístico

O diagnóstico do autismo e da síndrome de Asperger é basicamente clínico, isto é, realizado por meio de observações que caracterizam o quadro, observações comportamentais e análise do histórico do indivíduo e não por intermédio de exames laboratoriais – exceção feita quando o autismo aparece associado a outra condição (SCHWARTZMAN, 1995, 2003).

Compete aqui explicitar que os diagnósticos são geralmente realizados por equipes multidisciplinares e o que tem norteado estes diagnósticos são as listas de sintomas propostas pelos manuais específicos já citados como o DSM-IV, o DSM-IV TR e o CID- 10. Como a tríade diagnóstica dos transtornos globais do desenvolvimento se refere aos déficts de comportamento, interação social e linguagem, a comunicação é um dos aspectos em que se baseiam as observações clínicas necessárias ao diagnóstico e possíveis intervenções.

Muitas são as discussões na literatura a respeito do autismo, do autismo de alto funcionamento e da síndrome de Asperger: discute-se o fato do autismo ser uma patologia que abarcaria desde as mais leves manifestações (estando aí o autismo de alto funcionamento e a síndrome de Asperger) até manifestações mais severas; aborda-se a questão de o autismo ser uma patologia diferenciada, classificando o autismo de alto funcionamento e a síndrome de Asperger como a mesma patologia e ainda a hipótese de tratar-se de patologias diversas com sintomatologias comuns, mas com pontos diagnósticos diferenciais. A seguir, relacionam-se alguns dos autores que participam desta discussão.

Wing (1992) sugeriu a hipótese de ser o autismo parte de um continuum ou spectrum de desordens que teria, como problema central, prejuízo intrínseco no desenvolvimento da interação social recíproca e na linguagem, sendo que tais características variariam na tipologia e na severidade com que se manifestariam.

O conceito de continuum autístico nasceu após um trabalho da própria Wing, em 1981, com um grupo de crianças e adultos que se enquadravam nos critérios propostos por Asperger. Após avaliações individuais, foi notado que muitos dos sujeitos avaliados apresentavam sintomas de autismo infantil precoce. Desta forma, foi sugerido que a síndrome de Asperger e o autismo de alto funcionamento fariam parte de um grau mais elevado dentro do spectrum autístico ou espectro autístico (PASTORELLO, 1996).

Perissinoto (2004) citou que a expressão espectro autístico, já consagrada na prática clínica, reuniria os quadros de autismo leve, de alto e baixo funcionamento, os traços autísticos, o autismo clássico e a síndrome de Asperger, assumindo a função de diagnóstico iniciada sem que o clínico perca de vista a gravidade de cada uma das manifestações atípicas e a busca por diagnósticos precisos e norteadores de condutas terapêuticas.

Já Fernandes (2004) afirmou que a definição dos distúrbios que deveriam ser incluídos no espectro autístico ainda é um tema de discussão, entretanto haveria pouca discordância a respeitos da noção de que existe um espectro.

Para representar as fronteiras entre o autismo, a síndrome de Asperger e a desordem semântico-pragmática, Bishop (1989) propôs um modelo bidimensional de distúrbios, a fim de que se definissem as alterações dos quadros não só para quantificá-las, mas para obter-se uma idéia de quanto cada aspecto do desenvolvimento estaria afetado (FIGURA 1):

NORMAL DESORDEM SEMÂNTICO-PRAGMÁTICA SÍNDROME DE ASPERGER

A

AUTISMO

B

ANORMAL

EIXO A – Interesses e relacionamento social.

EIXO B – Comunicação verbal

Figura 1 – Modelo bidimensional de distúrbios (BISHOP, 1989, p.117)

Tal modelo representaria, em seu eixo vertical (A) as relações sociais e, em seu eixo horizontal (B), a comunicação verbal significativa. O autismo seria o mais alterado nas duas dimensões consideradas e a desordem semântico-pragmática a menos alterada no eixo da relações sociais. A síndrome de Asperger apresentaria alterações menos evidentes que os outros dois quadros no que se refere à comunicação verbal significativa. A intersecção entre os quadros demonstraria que a extensão das desordens variaria, assim como a relação entre elas (BISHOP, 1989).

Fernandes (2002) sugeriu uma ampliação do esquema sugerido por Bishop (1989); propondo um terceiro eixo, correspondente ao desenvolvimento cognitivo, transformando assim a figura em tridimensional. Isso permitiria a inclusão e a distinção do autismo de alto

funcionamento, que apresentaria grandes dificuldades de linguagem e socialização, na presença de algumas habilidades cognitivas preservadas (às vezes até excepcionais). A importância dessas distinções reflete-se, inevitavelmente, no estabelecimento de objetivos e condutas terapêuticas distintas.

Como apontou Bishop (1989), a respeito da síndrome de Asperger ser apenas uma das formas do autismo, os diferentes graus de intensidade das manifestações clínicas do autismo acrescentariam à discussão a questão de se estudar patologias realmente diversas ou apenas a mesma patologia manifestada de formas diferentes, formando um spectrum (ou

continuum, aqui utilizado como sinônimo) do qual a síndrome de Asperger faria parte. O

diferencial de autismo de alto funcionamento e síndrome de Asperger se deve a três fatores: uso de diferentes critérios diagnósticos, subjetividade na descrição dos sintomas e as mudanças ocorrentes nos quadros com a idade dos indivíduos. A fim de esclarecer a questão diagnóstica, a autora sugeriu que se usasse o termo autismo para crianças que preenchessem os critérios diagnósticos psiquiátricos tradicionais. O uso da nomenclatura síndrome de Asperger seria indicado, então, para crianças que não se enquadrassem nos critérios para o autismo, desenvolvessem aspectos formais da linguagem na idade esperada e possuíssem maiores facilidades no estabelecimento de relações interpessoais.

Estudos mais recentes (FOSTER; KING, 2003; VOLKMAR; COOK; POMEROY, 1999), sugeriram que o autismo de alto funcionamento poderia ser diferenciado da síndrome de Asperger com base em seu histórico de desenvolvimento, histórico familiar e comorbidades. Haveria também uma melhor performance de indivíduos com síndrome de Asperger em testes de QI verbal. Por outro lado, estes mesmos estudos apontaram para a questão de que, se ao invés de selecionar indivíduos com síndrome de Asperger pelo seu nível de comprometimento e não pelo histórico de desenvolvimento, para comparar com indivíduos com autismo de alto funcionamento no mesmo nível de comprometimento, os dados e resultados alcançados por ambas as populações seriam similares.