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CAPÍTULO 1 – Introdução

1.2. Habilidades comunicativas verbais

A comunicação seria um conceito observável, amplo e de referência social. Poderia ser realizada por meio de códigos lingüísticos (fala, escrita, linguagem gestual) e não-lingüísticos (expressões fisionômicas, sorrisos, olhares, toques e “silêncios”) e envolve, no mínimo, duas pessoas, classificadas como emissor-receptor ou como interlocutores, que trocariam entre si uma mensagem qualquer (SYDER, 1987).

A fala, que garantiria uma das formas de comunicação mais aceitas socialmente (comunicação verbal), também seria um conceito observável e referir-se-ia à exteriorização do pensamento por meio do uso de símbolos verbais comuns entre as pessoas que estabelecem o processo de comunicação. A fala constituir-se-ia, desta forma, como a manifestação verbal da linguagem (LAHEY, 1988).

Segundo Syder (1987), embora fala e linguagem fosse usados freqüentemente como intercambiáveis, não seriam sinônimos e, por isso, haveria necessidade de fazer distinção entre estes conceitos. Linguagem seria a habilidade do ser humano em manipular símbolos, sejam eles exteriorizados ou não. Um símbolo é, por sua vez, algo que substituiria ou representaria uma outra coisa, seja um objeto, um conceito, um sentimento ou uma pessoa e os mais utilizados são as palavras, que, quando articuladas, originam a fala — por isso, seria comum a utilização do termo “linguagem verbal” ou “linguagem oral”.

O processo de linguagem envolveria a representação e a organização das experiências mentais que, quando codificadas por meio de representantes verbais, orais ou gráficos, constituiriam na forma mais sofisticada de comunicação entre seres humanos (PERISSINOTO, 2003).

Lahey (1988) definiu, como componentes da linguagem verbal, três fatores - o conteúdo, a forma e o uso. O conteúdo referiria ao conhecimento, às experenciações e

relações significativas e pessoais estabelecidas e transmitidas por palavras ou frases (está relacionado à parte semântica da linguagem). O componente forma abrangeria os aspectos que confeririam estrutura, como a organização dos sons de uma língua (fonologia) e suas regras (sintaxe). Finalmente, o componente uso referiria aos aspectos funcionais da comunicação, isto é, à intenção do falante, o “para quê” seriam utilizadas as expressões lingüísticas. O uso incorporaria todos os aspectos da linguagem, conforme ocorressem no contexto. Ele incluiria o propósito do falante, quer este fosse direcionado aos outros (informar, solicitar ou regular o comportamento) ou para si mesmo (raciocinar, auto- regular). O uso também incluiria o modo como a linguagem seria adaptada para amoldar as diferentes situações. Aspectos do uso da linguagem são denominados pragmática.

Estes três aspectos, para Lahey (1988), não poderiam ser dissociados, já que se inter- relacionariam de forma intrínseca e interdependente. A alteração em um deles, com certeza afetaria os outros componentes, mas um destes poderia estar mais alterado que os demais (FIGURA 2).

Conteúdo Forma

Uso

Figura 2 – Componentes da linguagem (LAHEY, 1988, p. 18)

Ao fazer a interelação conteúdo/forma da linguagem verbal, tendo como objetivo determinada função (uso), o interlocutor lançaria mão do que Lahey (1988) definiu como habilidades comunicativas verbais.

Baseada na definição de Lahey (1988) sobre habilidades comunicativas verbais, Lopes (2000) realizou um estudo com objetivo de levantar quais habilidades comunicativas verbais seriam utilizadas por indivíduos com autismo de alto funcionamento e síndrome de

Asperger. Foram definidas quatro grandes categorias: habilidades dialógicas, habilidades de regulação, habilidades narrativo-discursivas e habilidades verbais não-interativas. Estas categorias foram subdivididas em outras vinte e quatro subcategorias (ver ANEXO A).

Na realidade, desde a descrição inicial do autismo, há um substancial número de pesquisas que identificam características particulares dos autistas e de outras desordens do espectro autístico em relação a desordens de linguagem pré-lingüística, não-verbal e verbal. Passadas mais de três décadas de pesquisas sobre a competência comunicativa destes indivíduos, pode-se ressaltar duas grandes linhas investigativas. Primeiramente, a ênfase das pesquisas em analisar as funções comunicativas ou pragmáticas em detrimento de pesquisas que envolvam os aspectos estruturais, como o desenvolvimento gramatical e morfológico. Segundo, a ênfase em desenvolver formas de avaliar estes déficits e não necessariamente em desenvolvê-los (ZIATAS; DURKIN; PRATT, 2003).

Em parte, isto se deveria ao fato de que as observações de indivíduos autistas demonstrariam claramente que a eficiência comunicativa não depende apenas da competência nas áreas de morfologia, sintaxe e semântica, mas também incluiria habilidades sociais como iniciar um discurso, responder a diversos interlocutores, lidar com tópicos de conversação variáveis, considerar pressuposições de ouvintes diferentes, bem como emitir e replicar as sutis pistas para trocar turnos dialógicos (BISHOP; MOGFORD, 2002).

Habilidades sociais seriam aqueles comportamentos que, dentro de uma dada situação, predizem resultados sociais importantes como a aceitação por pares, colegas ou popularidade, julgamento de comportamento por outros significativos e demais comportamentos sociais. O comportamento socialmente habilidoso seria o conjunto de comportamentos emitidos por um indivíduo no contexto interpessoal, que expressaria sentimentos, atitudes, desejos, opiniões ou direitos do indivíduo de um modo adequado à situação, ao mesmo tempo em que minimizaria a probabilidade de problemas futuros (PAULA, 1999).

Alterações nas habilidades sociais e de linguagem seriam sempre associadas a quadros como a síndrome de Asperger e o autismo de alto funcionamento. Muito se utilizaria a expressão “alterações de comunicação e alterações sociais”, mas estes termos seriam redundantes. Toda comunicação, que por definição se refere à troca de informações entre falante e ouvinte, seria de natureza social (RHEA, 2003).

Na literatura relativa ao autismo, somente a partir de 1980 é que puderam ser encontrados estudos e pesquisas que levavam em conta não apenas a linguagem em seus aspectos formais, mas principalmente em seus aspectos funcionais (pragmáticos), levando em consideração o contexto em que a comunicação ocorreria. Além disso, as teorias pragmáticas incluiriam também os aspectos não-lingüísticos no estudo da linguagem. Desta forma, o estudo da linguagem passou a envolver aspectos não-verbais, sociais e ambientais do contexto comunicativo. O uso funcional da linguagem como forma de comunicação interpessoal tornou-se o foco central de atuação do fonoaudiólogo, especialmente na atuação com o indivíduos do espectro autístico. Tais estudos passaram a enfocar as formas de expressão comunicativa, mesmo que atípicas, das crianças autistas e o contexto destas expressões (FERNANDES, 1996, 2003).

As habilidades de comunicação seriam pré-requisitos para a atribuição de função comunicacional à linguagem, isto é, possibilitariam o uso da linguagem em um processo de interação. As funções da linguagem tanto seriam descritas em termos lingüísticos, como a forma gramatical de uma frase (aspecto sintático) como por meio de parâmetros mais sociais, que envolveriam a interação e regulação entre falantes e ouvintes. Uma parte da pragmática então seria justamente a de mediar objetivos sociais ou pessoais através do tipo de mensagens que um indivíduo utilizaria para se fazer entender. Comunicaria-se melhor quem mais hábil fosse em utilizar suas mensagens adequadamente (LAHEY, 1988).

Os três maiores aspectos da pragmática são (a) o uso da linguagem para diferentes objetivos ou funções, (b) o uso de pistas contextuais para determinar o que se diz para realizar um objetivo e (c) o uso da interação entre pessoas para iniciar, manter e terminar conversações (LAHEY, 1988).

Indivíduos com autismo de alto funcionamento e síndrome de Asperger exibiriam falhas em componentes da esfera pragmática da comunicação, por mais que falassem fluentemente – falhariam em reconhecer conotações para as palavras ou em usar verbos que traduzissem estados mentais na fala espontânea (FRITH, 1991; TAGER-FLUSBERG, 1992). Haveria controvérsias quanto a esta questão: embora alguns estudos indicassem que crianças com autismo de alto funcionamento e síndrome de Asperger manifestariam as mesmas alterações pragmáticas (BISHOP, 1989; GHAZIUDDIN; LEININGER; TSAI, 1995; HOWLIN, 1987; SZATMARI, 1991), outros estudos demonstrariam que haveria menos evidências de alterações pragmáticas nas crianças com síndrome de Asperger (WETHERBY; PRUTTING, 1984; ZIATAS; DURKIN; PRATT, 2003).

Fernandes (1995) realizou um estudo em que foram feitas avaliações funcionais de linguagem em dois grupos com 25 crianças autistas em cada – um grupo foi submetido a 70 minutos de gravações e outro a 30 minutos, para que se verificasse a possibilidade de generalização dos dados obtidos nos dois grupos e a porcentagem de atos comunicativos de crianças autistas e adultos em interação. Os resultados encontrados indicaram um grande número de atos comunicativos utilizados pelos autistas nas sessões de jogo, sendo que a metade deles com funções interacionais não muito distintas daquelas expressas pelos adultos. A autora, baseada em tais resultados, supôs que a interação dos autistas também seria influenciada pelo contexto lingüístico. Houve, porém, uma assimetria na comunicação entre adultos e crianças, sendo que o domínio comunicativo sempre foi dos adultos. Entretanto, a análise final demonstrou que, se os adultos tomassem menos iniciativas de comunicação, provavelmente a criança autista ocuparia este espaço.

Desta forma, observa-se que a pragmática – como tradicionalmente é abordada nos estudos de linguagem - estuda o funcionamento destes contextos sociais, situacionais e comunicativos, ou seja, trata do conjunto de regras que explicam ou regulam o uso intencional da linguagem, considerando que se trata de um sistema social compartilhado e com normas para a correta utilização em contextos concretos. Porém, a pragmática não se limitaria ao estudo dos usos e funções lingüísticas: ocupar-se-ia também dos aspectos

formais que definiriam os ajustes motivados pelo contexto de comunicação e das variações que implicariam o uso da linguagem em função das características do interlocutor e da situação. Portanto, existiria uma interdependência clara entre forma e função, pois a aquisição dos aspectos formais da linguagem iria requerer o desenvolvimento prévio das intenções comunicativas e, por sua vez, a evolução dos aspectos funcionais dependeria da sofisticação dos elementos estruturais. Desta forma, pode-se dizer que a competência lingüística e a competência pragmática estão integradas na competência comunicativa, isto é, na capacidade para compreender e produzir mensagens apropriadas em relação à produção sintática, semântica e funcional (ACOSTA, 2003).

1.3. Estudos sobre habilidades comunicativas verbais no autismo de alto