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CAPÍTULO 1 – Introdução

1.3. Estudos sobre habilidades comunicativas verbais no autismo de alto funcionamento e

Lopes (2000), ao levantar as habilidades comunicativas verbais de dois indivíduos com autismo de alto funcionamento e síndrome de Asperger, demonstrou ser homogêneo o perfil comunicativo de ambos, havendo prevalência do uso de habilidades dialógicas e dificuldade no uso de habilidades narrativo-discursivas em decorrência da produção de enunciados pouco extensos, embora funcionais. Exemplificando: o enunciado “Caneta” seguido do gesto de pegar a caneta apresenta a mesma função do enunciado “Por favor, me dê a caneta”; porém, a adequação social do segundo enunciado é maior e, com certeza, promoverá uma comunicação mais efetiva, embora ambos os enunciados apresentem a mesma funcionalidade se forem analisadas apenas as funções comunicativas e não os aspectos formais como a extensão do enunciado.

Koning e Magill-Evans (2001) submeteram dois grupos com 21 adolescentes homens em cada – um com síndrome de Asperger e outro com autismo de alto funcionamento (todos com o mesmo nível de quociente de inteligência e com idades variando entre 12 e 15 anos) - a testes de percepção social e habilidades sociais. Os resultados mostraram que os indivíduos com síndrome de Asperger apresentaram maior dificuldade em inferir emoções quando as pistas faciais apareceram associadas a outras pistas, como o tom de voz, expressão corporal e pistas contextuais. O grupo com autismo

de alto funcionamento utilizou mais pistas faciais e corporais integradas à compreensão do contexto.

Szatmari, Bryson, Boyle, Streiner e Duku (2003) realizaram um estudo longitudinal para avaliar as habilidades comunicativas verbais e não-verbais de jovens crianças com autismo de alto funcionamento e síndrome de Asperger (68 crianças no total) e comparar o desenvolvimento destas habilidades em avaliações posteriores, com intervalos de 2 e 6 anos da avaliação inicial. Neste estudo foram aplicados testes diagnósticos, escalas de desenvolvimento, testes cognitivos, de linguagem e de adaptação social. Os resultados mostraram que haveria relação entre a capacidade cognitiva e o futuro desenvolvimento da linguagem, das habilidades comunicativas, das habilidades sociais e da independência: quanto maior fossem o desenvolvimento das habilidades sociais e de comunicação (fossem elas verbais ou não), mais diminuiriam os sintomas autísticos. Este estudo também mostrou que o prognóstico de desenvolvimento baseado na linguagem seria menos preciso na síndrome de Asperger, dado que, nos testes iniciais, os indivíduos com síndrome de Asperger já apresentariam melhores respostas verbais e muitas vezes estas eram apenas mantidas nas demais avaliações. Ao contrário, os indivíduos com autismo de alto funcionamento apresentariam, na avaliação inicial, baixo índice de respostas verbais, mas tenderiam a melhorar seu desempenho e, muitas vezes, nas demais avaliações, equiparariam-se aos resultados obtidos pelos indivíduos com síndrome de Asperger.

Botting e Conti-Ramsden (2003) afirmaram haver alterações semânticas no autismo de alto funcionamento e na síndrome de Asperger que gerariam alterações na esfera pragmática – o que seria denominado como alterações semântico-pragmáticas. As alterações semântico-pragmáticas se caracterizariam pela capacidade de formar sentenças muitas vezes complexas, mas não necessariamente garantindo a compreensão da função comunicacional envolvendo troca de turnos, dificuldades em iniciar e manter diálogos, uso de um limitado número de tópicos de conversação e tendências em fornecer informações em demasia ou poucas informações sobre determinados assuntos (dependendo de seu interesse no tópico abordado).

Dennis, Lazenby e Lockyer (2001) realizaram um estudo com quatro grupos de crianças, sendo um grupo de autistas, um de autistas de alto funcionamento, um grupo com síndrome de Asperger e um grupo com desenvolvimento normal de linguagem. Os grupos foram divididos em 8 crianças, sendo 7 meninos e 1 menina para cada grupo, com idades variando entre 9 e 10 anos. Neste estudo, foi explorada a hipótese de que crianças com autismo de alto funcionamento e síndrome de Asperger possuiriam e utilizariam algumas habilidades pragmáticas, mas não todas. Foi comparado o desempenho entre os grupos, em situações direcionadas (em que eram propostas situações verbais) e em conversa espontânea, quanto à inferência pragmática sobre pressuposições de palavras que traduzissem estados mentais, inferência pragmática sobre aplicação de novos conhecimentos sobre estados mentais, coerência, uso da linguagem figurativa e uso de atos de fala. Os resultados mostraram que crianças com autismo de alto funcionamento e síndrome de Asperger seriam capazes de definir palavras e identificar múltiplos significados para palavras ambíguas, assim como compreenderiam palavras que envolvessem estados mentais; também seriam capazes de produzir atos de fala. Falhariam apenas em inferir estados mentais implicados por verbos utilizados no contexto de conversa espontânea e na compreensão de metáforas. Portanto, os resultados sugeriram que estes indivíduos possuem algum grau de competência e flexibilidade lingüística dentro de situações conduzidas, o que indicaria que também poderiam utilizar estas habilidades em situações espontâneas, desde que isto fosse trabalhado de forma direcionada.

A diferenciação quanto ao tipo de resposta que se obtém dos indivíduos autistas de alto funcionamento e com síndrome de Asperger em dependência da forma de apresentação de estímulos e a situação em que eles são apresentados (se em contextos estruturados ou naturais) seria uma grande fonte de questionamentos. Tem-se como exemplo a questão da compreensão de situações de humor. Emerich, Creaghead, Grether, Murray e Grasha (2003) realizaram um estudo com objetivo de investigar se haveria diferença na compreensão de situações de humor entre grupos de adolescentes com autismo de alto funcionamento, com síndrome de Asperger e adolescentes normais, com materiais de humor apresentados em duas formas diferentes – em piadas e em cartões. Foram selecionados 8 adolescentes para cada grupo, com idades variando entre 11 e 17 anos. Os

resultados mostraram que adolescentes com autismo de alto funcionamento tiveram maior número de erros na finalização da compreensão de quadrinhos de humor (cartões) do que os grupos com síndrome de Asperger e de adolescentes normais. Os adolescentes com síndrome de Asperger tiveram mais dificuldades do que os adolescentes normais e esta dificuldade seria mais acentuada nas piadas do que nos cartões, dada a natureza mais abstrata das piadas, que exigem necessariamente habilidades metalingüísticas.

O desenvolvimento do humor seria relacionado ao desenvolvimento intelectual, social e emocional. Haveria relação entre os processos cognitivos e o desenvolvimento da compreensão das situações de humor, já que uma resposta apropriada a estímulos humorísticos seria determinada por vários fatores, inclusive de como este estímulo fosse apresentado a quais habilidades cognitivas e lingüísticas são requisitadas. Especificamente, dada a natureza das piadas (que envolveriam, muitas vezes, ambigüidade e uso de duplo sentido), as habilidades metalingüísticas seriam mais exigidas, uma vez que a própria linguagem seria necessária à compreensão da situação apresentada verbalmente. As habilidades metalingüísticas permitiriam que o ouvinte, ao ser deparado, na piada, a um curso diferente de eventos e a finais inesperados, reagisse à incongruência criada e resolvesse a situação de forma a interpretá-la de uma maneira diferente da usual e isto envolveria, necessariamente, flexibilidade de pensamento e modificações nos padrões de interpretação. Desta forma, déficits na integração de informações durante narrativas de fatos e/ou histórias também afetariam a compreensão de situações de humor (EMERICH; CREAGHEAD; GRETHER; MURRAY; GRASHA, 2003).

Estudo realizado por Vongindroukas, Papageorgious e Vostanis (2003) indicou a existência de alterações semânticas em crianças com autismo de alto funcionamento. Sendo assim, as palavras possuiriam significados diferentes de acordo com a forma em que fossem usadas no contexto social e dependendo da intenção do falante. Os autores, para chegar a estes resultados, aplicaram provas de nomeação e definição em dois grupos de seis crianças cada – um grupo de crianças autistas de alto funcionamento e um grupo de crianças com distúrbios de aprendizagem. As figuras foram selecionadas de forma a garantir que fizessem parte da rotina de todas as crianças. A criança era solicitada a nomear

as figuras e, em seguida, defini-las. As provas foram gravadas e, depois, analisadas de forma a avaliar os mecanismos usados na nomeação (se por material, por descrição, por partes do objeto ou figuras, por analogia ou por uso) e a classificar os tipos de parafasias utilizadas (parafasias são erros semânticos que envolvem dificuldades em atribuir significados).

Nas parafasias globais ou verbais, haveria substituição de palavras por outras irrelevantes ou desconexas; nas parafasias semânticas, a palavra seria substituída por outra da mesma categoria semântica e, nas parafasias fonêmicas, haveria produção de palavras por adição, dedução ou transferência natural de fonemas em palavras já adquiridas. No estudo de Vogindroukas, Papageorgeous e Vostanis (2003), crianças com autismo de alto funcionamento apresentaram mais parafasias fonêmicas e utilizaram mais definições por uso do objeto. Os mecanismos usados pelas crianças quando não eram capazes de nomear a figura adequadamente foram similares em ambos os grupos.

Muito daquilo que é necessário se entender na comunicação feita por meio da linguagem não seria diretamente dito ou declarado, escrito ou descrito, ainda que o sucesso em compreender determinadas situações dependa de inferências. A inferência seria a chave do componente da pragmática. A inferência pragmática apresentaria variadas formas: algumas envolveriam inferências em conectar palavras para conseguir compreendê-las, em observar sua forma gramatical ou a coerência textual (DENNIS; LAZENBY; LOCKYER, 2001).

Klin (2000) defendeu a idéia de que os indivíduos com boas habilidades verbais, como os com síndrome de Asperger, quando submetidos a situações de testes apresentados de forma verbal e que exigissem respostas verbais (como os testes utilizados pela teoria da mente, por exemplo), utilizariam suas habilidades verbais com eficiência e demonstrariam um nível de desempenho satisfatório; porém, quando estas mesmas habilidades fossem exigidas em situações da vida real, eles apresentariam dificuldade de generalização. Isto ocorreria porque, em situações naturais, dificilmente seria apresentado ao indivíduo um problema de forma tão diretiva – normalmente, as situações de interação social promoveriam a necessidade de resolução de problemas sem que estes fossem colocados tão

claramente. Desta forma, situações naturais exigiriam a análise de diversos elementos sociais do contexto e incluiriam a necessidade de uma decisão por parte do indivíduo.

1.4. Propostas de intervenção em linguagem no autismo de alto funcionamento e na