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1. PROXIMIDADES E DISTANCIAMENTOS: RECAPITULAÇÃO HISTÓRICA DAS

1.10. A QUESTÃO IMPERIAL

Conforme se depreende com clareza da breve recapitulação histórica precedente, a dominação imperial russa, assumida como tal no período czarista, ou mascarada sob a forma institucional da União Soviética, foi exercida sobre Ucrânia e Belarus. O período transcorrido desde o fim da subjugação imperial é muito menor do que o tempo de duração da mesma. Logo, o imperialismo é um elemento ainda presente nas relações russo-ucraniano-bielo-russas, e seus efeitos são sentidos nas esferas cultural, geopolítica e econômica de tais ligações. Convém, portanto, fazer menção às características do imperialismo exercido pela Rússia.

Hannah Arendt classificou o imperialismo exercido pela Rússia antes da I Guerra Mundial como continental, em oposição ao imperialismo ultramarino de Inglaterra, França e demais Estados com possessões territoriais em outros continentes que não a Europa. Segundo Arendt, o imperialismo continental pode ser caracterizado a partir de elementos geográficos e políticos. No tocante à geografia, ele se desenvolveu em Estados cujas conquistas ultramarinas não eram possíveis, razão pela qual se caracterizava por uma expansão terrestre a partir de um centro de poder. Politicamente, o imperialismo continental está fundamentado numa “ampliada consciência tribal, a qual (...) devia unir todos os povos de origem étnica semelhante, independentemente da história ou do lugar em que residissem” (ARENDT, 2006, p. 255). No caso da Rússia, a gênese de sua expansão imperial seria encontrada no movimento pan-eslavo, classificado pela autora como um movimento de unificação étnica fruto do nacionalismo tribal, baseado na crença

sobre a existência de um povo único, dotado de qualidades interiores inatas, as quais o tornavam diferente e superior a todos os demais.

Daniel Aarão Reis apresenta visão diferente quanto ao aspecto político do imperialismo russo czarista. Reis argumenta que o Império Russo “não afirmava superioridade da nação russa sobre as demais, mas exigia a submissão ao Estado e, particularmente, ao Tsar”, e que as propostas de russificação apenas foram retomadas no final do século XIX (REIS, 2005, p. 149). Andrew Wilson concorda com a posição de Reis ao dizer que somente os dois últimos czares da dinastia Romanov, Alexandre III (governo de 1881 a 1894) e Nicolau II (governo de 1894- 1917) empreenderam projetos de aprofundamento da russificação nos domínios do império, o que era reflexo das medidas repressoras tomadas em 1863 e 1876 (WILSON, 2002, p. 78 e 82).

Durante o período soviético, a dimensão geográfica do império czarista, que ligava expansão territorial e poder, continuou guiando a política externa emanada de Moscou (LIEVEN, 2002, p. 295). Quanto à esfera político-identitária, a tônica foi uma alternância entre a sovietização cultural, a qual era próxima da russificação do século XIX, e as concessões às culturas locais. Angelo Segrillo aponta esta dualidade na política soviética. Por um lado, era defendida a internacionalização do proletariado, o que implicava em afastamento das questões nacionais. Por outro, na organização interna do Estado soviético, havia uma relação entre territorialidade e expressão cultural, ou seja, a divisão das repúblicas e regiões do país obedecia a princípios étnicos. O autor lembra que esta política cultural era fruto da tática de “dividir para governar”, empregada em função do objetivo do Kremlin controlar processos sociais para criar uma sociedade sem classes e sem conflitos étnicos, na qual, ao fim e ao cabo, viveria “um povo soviético” (SEGRILLO, 2000a, p. 159- 160)26.

Cabe ressaltar que além do temor da instabilidade interna, as ocorrências do sistema internacional eram fatores que também influenciavam o ritmo das mudanças políticas do Kremlin. Tais modificações podem ser vislumbradas nos processos de liberalização e repressão do nacionalismo ucraniano no transcorrer do século XX.

26 Angelo Segrillo considera que a política cultural do governo soviético foi benéfica para diversas das nacionalidades espalhadas em seu território. A situação destas teria melhorado neste período, em comparação com o que ocorria no período czarista, posto que eram partes de um Estado multinacional e como tal podiam expressar suas culturas com maior amplitude. Contudo, o autor atenta para o fato de que o panorama não era de inteira calmaria, pois havia tensões de fundo étnico no país (SEGRILLO, 2000a, p. 169 e 170).

No império soviético, além dos aspectos político e geográfico, há de ser destacado o elemento econômico. Embora, ideologicamente, os criadores do Estado soviético criticassem com veemência o traço econômico do imperialismo das grandes potências ocidentais, e Lênin é o exemplo mais acabado disto, na prática, a centralização política e a economia planificada do regime soviético acabaram por gerar o domínio econômico da República Socialista Federativa Soviética Russa sobre as demais repúblicas do país. Conforme será visto com maior detalhamento no capítulo quatro, a economia soviética foi construída de tal forma a criar dependência de todas as unidades do país perante Moscou, situação que ficou bem clara quando da dissolução do Estado soviético. Portanto, não se pode afastar o fator econômico da formação do império soviético.

No concernente à Ucrânia e Belarus, ambos sempre foram importantes para as pretensões imperiais russas. Nos aspectos geográfico e econômico, o domínio sobre o território ucraniano foi fundamental para que a Rússia constituísse seus impérios. Na esfera político-cultural, manter as nações eslavas irmãs sob a tutela russa era questão de honra para Moscou. Tanto isto é verdade que o fortalecimento da cultura russa em Belarus foi uma constante ao longo dos anos. No pertinente à Ucrânia, as permissividades ao nacionalismo local, concedidas principalmente em função da porção oeste da república, somente eram toleradas enquanto não ameaçassem a unidade russo-ucraniana, considerada a pedra fundamental da União Soviética (LIEVEN, 2002, p. 293). Por este motivo é que qualquer entusiasmo excessivo dos movimentos nacionalistas ucranianos foi historicamente reprimido pelos líderes russos e soviéticos.

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