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1. PROXIMIDADES E DISTANCIAMENTOS: RECAPITULAÇÃO HISTÓRICA DAS

1.9. A INDEPENDÊNCIA DA FEDERAÇÃO RUSSA, DA UCRÂNIA E DE BELARUS

1.9.1. A Federação Russa

A República Socialista Federativa Soviética Russa era a principal unidade da União Soviética. Daquela emanavam as decisões que guiavam não apenas as demais repúblicas, mas todo o bloco comunista do leste europeu sob o comando soviético. Não é por outra razão que tanto o Soviete Supremo, que era constitucionalmente considerado o órgão de governo central de um Estado composto por várias repúblicas, regiões e territórios autônomos, quanto o Politburo, composto pela elite do Partido Comunista Soviético, estavam localizados em Moscou. Aliás, as decisões do Politburo eram aquelas a serem obedecidas pelas demais células da organização partidária em todo o território soviético24. Assim sendo, os eventos ocorridos e as decisões tomadas na Rússia, em qualquer esfera (econômica, política, militar), espraiavam efeitos para toda a União Soviética. Por tal motivo, o processo de emancipação da Rússia como Estado soberano se confunde grandemente com os atos que levaram ao fim da unidade soviética, ainda que, por certo, a dissolução de um império não possa ser relegada aos acontecimentos de apenas uma de suas partes, por mais importante que esta seja.

As reformas implementadas por Gorbachev levaram à acentuação das divergências dentro do Politburo. De um lado estavam os conservadores, que apoiavam as reformas, desde que essas não ameaçassem a hegemonia do poder do partido ou instalassem uma economia de mercado que pudesse pôr em risco os fundamentos socialistas do país (SEGRILLO, 2000b, p. 31). No outro campo, que tinha à frente Aleksandr Yakovlev, era defendido o constante aprofundamento da

Glasnost, acompanhada da abertura do mercado. Apesar da posição dos

conservadores, em função do forte apoio popular e do entusiasmo das nações ocidentais diante paulatina abertura da Cortina de Ferro, a liberalização econômica e política do sistema adquiriram dinâmica própria desde que foram detonadas.

Diante da constatação de que o Partido Comunista não possuía mais o controle almejado na condução das transformações sistêmicas, o próprio

24 Angelo Segrillo aponta que no início da Perestroika, ou seja, 1985, o Politburo, composto por 14 membros votantes, era o verdadeiro locus de poder máximo da União Soviética. Isso porque o Soviete Supremo apenas se reunia duas vezes por ano e o Comitê Central do Partido Comunista também não funcionava permanentemente. O Politburo era, assim, na prática, o órgão de governo permanente da União Soviética (SEGRILLO, 2000, p 1412-143).

Gorbachev, por vezes, se aliou a correntes mais tradicionais do partido em busca de apoio. A sua movimentação entre os campos políticos se tornou difusa, o que o fez enfrentar diversas críticas e, principalmente, perder espaço na política interna soviética e russa, apesar de ainda gozar de prestígio no exterior.

No mês de março de 1990, pressionado pelo crescimento dos movimentos nacionalistas dentro das repúblicas, Gorbachev aprovou o fim do monopartidarismo, acabando com a exclusividade do Partido Comunista na vida política do Estado. No mesmo dia foi criado o cargo de Presidente da União Soviética, para o qual Gorbachev foi conduzido mediante eleição indireta.

Apenas dois meses depois, Boris Yeltsin, político de carisma que havia se desligado do Partido Comunista em 1987, é eleito pelo voto popular direto Presidente do Soviete Supremo da Rússia. Segundo Angelo Segrillo, desde então “começaria a polarização entre a República Russa e o governo central da União Soviética” (SEGRILLO, 2000b, p. 46). Os liberais, que pretendiam a criação de uma plena economia de mercado, apoiavam fortemente Yeltsin, e “criticavam a União Soviética por ser um Estado hiper-centralizado, atacando-a a partir de uma perspectiva nacionalista ante o colonialismo. Crescentemente, eles enxergavam a solução na separação da Rússia em relação ao centro e na construção de suas próprias instituições estatais” (TSYGANKOV, 2006, p. 45).

Num de seus primeiros atos no cargo, Yeltsin declarou, em 08 de junho de 1990, que as leis russas tinham prioridade sobre as normas soviéticas, o que equivalia a dizer que a Rússia não respeitaria mais as ordens da URSS, passando a agir como uma entidade autônoma. Apenas três dias depois, foi declarada a independência da Federação Russa.

O já referido plebiscito de março de 1991 representou uma das últimas tentativas de Gorbachev de manter a união das repúblicas em torno de um projeto único. O resultado favoreceu aos seus intentos, pois 76,4% dos votantes aprovaram o destino comum das repúblicas. Seguiram negociações do governo central com os governos locais, restando decidido que a nova instituição não possuiria um poder central, pois as decisões seriam tomadas conjuntamente. No dia 20 de agosto de 1991 seria assinado um acordo selando tal compromisso entre Rússia, Belarus, Tadjiquistão, Cazaquistão e Uzbequistão (SEGRILLO, 2000b, p. 69). Contudo, antes desta data, dois eventos de grande magnitude ocorreram em Moscou.

O primeiro deles foi a eleição de Yeltsin para o cargo de Presidente da Rússia, em 12 de junho de 1991. O segundo, crucial para os destinos da Rússia e da União Soviética, foi a tentativa de Golpe de Estado de 19 de agosto de 1991, data na qual Gorbachev estava em sua casa de férias (dacha). Sem rumo claro, carentes de uma liderança determinada e desprovidos de apoio popular e militar, os golpistas desistiram do ato três dias depois. Yeltsin, que ficara sitiado no Parlamento Moscovita (a Casa Branca para os russos), surgiu como o grande líder da resistência e defensor das conquistas democráticas do povo russo. Seus gestos durante a crise o tornaram o político mais popular da Rússia, o que representou a ascendência de seu poder sobre o de Gorbachev. Este renunciou ao cargo de presidente soviético em 25 de dezembro de 1991, alguns dias depois da retirada unilateral da Rússia, da Ucrânia e de Belarus da União Soviética25.

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