• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1 – OS INTELECTUAIS E ACADÊMICOS LATINO-AMERICANOS:

1.1 A RACIONALIDADE MODERNA

A relação existente entre o capitalismo e, de maneira geral, as instituições acadêmicas será abordada neste capítulo, desde o seu surgimento até a atualidade. Serão indicados o modo como ocorreu e perpetuou a naturalização do racismo epistêmico e a invisibilização da dimensão analítica de classe, especialmente nas Ciências Sociais Latino-americanas.

É diante dessa explanação contextual que a posição dos intelectuais latino-americanos na estrutura de docência e produção de conhecimento, marcada pelo paradoxo “dominados- dominadores”, será analisada. O engajamento destes na “abertura das universidades”, via uma educação inter e transcultural crítica, dialógica e horizontalizada será defendida como forma de transformação dessa realidade.

O pensamento moderno ocidental se estruturou, em grande medida, sobre a dicotomia e hierarquização étnico-racial iniciada com o processo colonial nas Américas, tendo a própria ideia de “raça” nascida como pilar cognitivo da dominação europeia. Os genocídios e exclusão das matrizes epistêmicas dos povos originários, e posteriormente africanos, no processo de colonização americano foi parte da estratégia que buscava a naturalização da cosmovisão binária sobre o mundo, na qual a Europa ocupava o seu polo positivo máximo. Inicialmente conjugada à questão religiosa (povos “com alma” ou “sem alma”; povos “com religião” ou “sem religião), no século XVI, a questão racial foi secularizada em termos “científicos”, no século XIX, mas ambos tinham a mesma conotação com relação à “humanidade” ou “não- humanidade” dos povos indígenas e negros.

O início do processo de globalização e do capitalismo moderno e eurocentrado foram iniciados com a colonização das Américas, considerada como o primeiro espaço-tempo de um novo padrão de poder mundial e, por isso, como a primeira identidade da modernidade. A primeira e mais importante ideia para este novo padrão de poder mundial é a de raça, entendida como uma construção mental que naturaliza a codificação das diferenças entre conquistadores e conquistados, tal como uma estrutura biológica que posiciona naturalmente os seres humanos em situações de superioridade e inferioridade. Segundo Quijano (2005, p. 02):

Na América, a ideia de raça foi uma maneira de outorgar legitimidade às relações de dominação impostas pela conquista. A posterior constituição da Europa como nova id-entidade depois da América e a expansão do colonialismo europeu ao resto do mundo conduziram à elaboração da perspectiva eurocêntrica do conhecimento e com ela à elaboração teórica da

ideia de raça como naturalização dessas relações coloniais de dominação entre europeus e não-europeus.

Na perspectiva adotada nesse trabalho, mais do que uma crença verdadeira nas inferioridades das culturas indígenas e africanas, a lógica binária e hierárquica é compreendida como um dispositivo colonial cujo fim principal foi a posse das terras para a extração de matéria-prima e a dominação dos povos para mão de obra, estruturando, mundialmente, o capitalismo. Significa dizer que a motivação central dessa necessidade de diferenciação não diz respeito, a priori, aos conteúdos raciais ou epistêmicos. A classificação e hierarquização social encontrou no fator biológico-fenotípico étnico-racial, secularizado como desígnio divino, um mote para subalternização cultural e religiosa diante dos europeus, visando, mais do que a qualquer outro interesse, à expansão econômica e territorial.

As relações sociais foram construídas e desenvolvidas sobre tal entendimento, fundadas no imperativo de posicionar os sujeitos diante do mercado mundial capitalista e eurocentrado, enquanto força de trabalho necessária para a expansão das coroas europeias (espanholas e portuguesas). A partir dessas relações foram produzidas as identidades sociais historicamente inéditas: índios, negros e mestiços. Outras também foram redefinidas.

Essa perspectiva que toma os elementos estruturais do capitalismo (impulsos pela riqueza, estruturação da mão de obra, expansão territorial e acumulação) como anteriores ao processo de hierarquização social (religiosa e étnico-racial) é pouco explicitada em diversos autores, sendo, portanto, ressaltada em diversos momentos desse trabalho.

Grosfoguel (2016) chama atenção para um elemento que prescindiria a “raça” enquanto categoria central da hierarquia social, mas que se relaciona diretamente com o impulso capitalista descrito acima: a religião. Esse autor relaciona entre si quatro genocídios/epistemicídios do longo século XVI como as condições sócio-históricas para a conformação da chamada racionalidade ocidental moderna: contra os muçulmanos e judeus na conquista de Al-Andalus, em nome da “pureza do sangue”; contra os povos indígenas do continente americano, primeiro, e, depois, contra os aborígenes na Ásia; contra africanos aprisionados em seu território e, posteriormente, escravizados no continente americano; e contra as mulheres que praticavam e transmitiam o conhecimento indo-europeu na Europa, que foram queimadas vivas sob a acusação de bruxaria.

A conquista de Al-Andalus, ainda no final do século XV, foi protagonizada pela monarquia cristã espanhola contra o califado de Granada e se dirigiu aos judeus e muçulmanos. A pureza de sangue foi o mecanismo utilizado para vigiar essas populações e garantir que, as que não fossem mortas (genocídio) ou que fugissem da Península Ibérica, se convertessem ao

cristianismo (genocídios culturais/epistemicídios). A queima de bibliotecas com enormes acervos (também parte dos epistemicídios) foi um método amplamente utilizado10. A narrativa

de “pureza de sangue”, a princípio não questionava a humanidade das vítimas, sendo a sua maior intenção a vigilância daquelas populações que não tinham ascendência cristã, de forma a confirmar as suas conversões ao cristianismo. Assim, quem não era branco, seria vigiado.

Apenas nove dias após a conclusão dos conflitos em Al-Andalus, em 02 de janeiro de 1492, Cristovão Colombo encontrou-se com a rainha Isabel e foi autorizado a partir para as “Índias”. Lá a monarquia espanhola pensava em unificar todo o território como um Estado, uma identidade e uma religião, ao contrário do que se passava em Al-Andalus, onde havia diversos sultanatos, com reconhecimento de identidades e espiritualidades diversas nos limites de suas fronteiras. Em outubro do mesmo ano, Colombo desembarcava em território americano (ou do que denominou Índias Ocidentais).

Houve uma forte influência da colonização em Al-Andalus sobre a colonização nas Américas, com a transposição dos métodos mais cruéis de violência. Além do genocídio em massa, o epistemicídio pode ser percebido, no caso das populações americanas, com a destruição dos códices indígenas (parte escrita da prática utilizada pelos ameríndios na busca pelo conhecimento). A evangelização também foi outro método transplantado de Al-Andalus. Assim, a destruição dos conhecimentos e da espiritualidade se fizeram presentem, com grande semelhança, em ambos os processos de colonização.

Por outro lado, a conquista das Américas afetou definitivamente a colonização de mouriscos (muçulmanos convertidos) e marranos (judeus convertidos) na Península Ibérica. A discussão travada sobre a ausência de Deus, religião, alma e humanidade nos ameríndios mobilizou a comunidade europeia durante os primeiros 50 anos do século XVI e culminou com o julgamento de Valladolid, em 1552.

Os ícones desse debate eram Bartolomé de Las Casas, que defendia que os indígenas tinham alma e que, portanto, não poderiam ser escravizados, e sim convertidos ao cristianismo, e Gines Sepúlveda, que defendia a ausência de alma dessa população e, logo, a sua possível escravização. Las Casas venceu nas instâncias menores e mais decisivas, e a monarquia espanhola “decidiu” que os indígenas possuíam alma e que não deveriam ser escravizados, mas sim convertidos em cristãos. Na divisão do trabalho, eles passaram da escravidão para outra forma de coerção e trabalho imposto denominada “encomenda”, (na prática, uma outra forma de escravidão).

10 Segundo Grosfoguel (2016), a biblioteca de Córdoba, com um acervo de 500 mil livros, foi queimada no século XIII. A

Os negros, por sua vez, eram considerados desprovidos de alma e foram trazidos para as Américas para substituir os “índios” no trabalho escravo, posto que o capitalismo em curso precisaria de um exército de mão de obra. Essa substituição da mão-de-obra indígena esteve em grande medida vinculada a atuação dos jesuítas, que buscavam a catequização dos indígenas, vistos como seres infantis, puros e sem maldade. Importante acrescentar, no entanto, que em algumas regiões indígenas, junto com negros, eram utilizados como mão-de-obra escrava.

De qualquer forma, a partir de então, o “racismo de cor” se sobrepõe ao “racismo religioso”. A relação entre religião e o império que até então estava no centro da hierarquização social, passou a ser baseada na categoria racial - ponto de onde Quijano (2005) parte para a sua teorização sobre a categoria “raça” (motivada principalmente pela diferenciação do negro) como elemento central da lógica do pensamento moderno colonial.

Importante complementar a explanação e enfatizar um fator, dentre muitos outros, que pode ter motivado essa decisão. Mesmo não sendo especialista no tema, gostaria de levantar alguns fatores podem ajudar nessa análise. Diversos povos indígenas americanos, por cultivarem crenças em muitas entidades divinatórias, foram convertidos ao cristianismo com relativa facilidade11. Por outro lado, alguns desses povos, por características que mantinham no

âmbito das relações de trabalho, tiveram dificuldades na adaptação ao regime do trabalho escravo12. Muitos fugiam para dentro da mata, e a conheciam tão bem que dificilmente seriam

capturados. Por fim, eles não representavam uma ameaça séria à dominação europeia. Enfim, os povos indígenas não pareciam ser a melhor mão de obra para o trabalho escravo.

Os negros africanos, no entanto, já tinham uma sociedade mais hierarquizada, inclusive pela prática da escravização adotada por diversas etnias quando da conquista de novos terrritórios. Atento aos riscos de naturalizar a tragédia da escravidão negra e as suas heranças na atualidade, pode-se afirmar que o fato de existir escravidão entre etnias africanas, de algum modo, facilitou a imposição – extremamente violenta e não consentida – dos negros africanos.

11 Difícil não incorrer em simplificações grosseiras para tratar do tema de forma sucinta. Certamente que essa “facilidade” de

“alguns povos indígenas” deve ser relativizada, uma vez que esse processo traz complexidades que devem ser analisadas de perto, caso a caso. Inúmeras violências brutais foram cometidas, incluindo genocídios e “epistemicídios”, para que essa assimilação do cristianismo ocorresse por estes povos indígenas. De qualquer forma, a evangelização foi um projeto exitoso em diversos povos indígenas da região.

12 Esse fator pode ser considerado válido apenas para algumas etnias, especialmente em países como o Brasil, onde existiam

muitas “microetnias”. Ribeiro (1978) classifica os grupos indígenas da América Latina em 2 grupos: as microetnias, caracterizadas pelos grupos menores (de dezenas até poucos milhares de indivíduos) marcados pela tradição comunitária, e as macroetnias, as civilizações pré-colombianas que, por já apresentarem certa estratificação social, estavam mais adaptadas ao domínio colonial.

Ao serem desterritorializados13 e misturados em um novo continente, de forma a perderem os

seus lastros culturais e comunitários, esse povo esteve sujeito à dominação europeia, sendo os quilombos e insurreições formados após muitos anos do regime escravocrata.

Ainda segundo Grosfoguel (2016), as consequências dessa transposição de racismos atingiram diretamente os mouriscos e marranos, levantando, à semelhança do que ocorreu com os indígenas e negros africanos, questionamentos sobre as suas humanidades. A crença em um “deus errado” fazia daqueles povos seres “sem alma”, não humanos ou subumanos. Assim, a partir da segunda metade do século XVI, os mouriscos foram massivamente escravizados em Granada, mesmo já sendo convertidos. Na segunda metade do mesmo século, o racismo se acentua e eles são expulsos massivamente da Península Ibérica.

Ainda seguindo Grosfoguel (2016), poderíamos pensar na conjuntura em que se deu essa decisão. Os judeus e muçulmanos tinham uma religião monoteísta profundamente arraigada, de difícil sujeição ao cristianismo. No caso dos muçulmanos, além de serem oriundos em grande parte da África, e, portanto, de terem características fenotípicas que contrastavam com os ibéricos, durante o século VII conquistaram parte da Península e converteram diversos cristãos ao Islão. Por fim, ocupavam um território estratégico para o império espanhol e português, sendo conveniente geopoliticamente considerá-los desprovidos de alma e sujeitos ao trabalho escravo e à perseguição14.

O último genocídio/epistemicídio da conformação do pensamento moderno colonial diz respeito à morte de mulheres que transmitiam geracionalmente os diversos conhecimentos indo-europeus (conhecimentos xamânicos de tempos ancestrais que se referiam à astronomia, biologia, ética, etc) naqueles territórios, com a relevante função de estabelecer formas comunais de organização da política e da economia. A perseguição a essas mulheres começou na Baixa Idade Média e se intensificou nos séculos XVI e XVII, reificando ainda mais as estruturas

13 O termo “território”, e suas variantes (no caso, “desterritorialidade”) tem uma ampla gama de definições. Não é do meu

interesse, nesse momento, aprofundar sobre essa questão. De qualquer forma, para não deixar ausente a tomada de uma posição, nesse trabalho me alinho ao raciocínio de estruturação do conceito de territorio desenvolvido pelo geógrafo brasileiro Rogério Haesbaert (2003) que, questionando os usos genéricos feito desse termo, busca não apenas pontuar as suas concepções mais usuais (jurídico-política, culturalista, econômica, naturalista) como integrá-las: “O território envolve sempre, ao mesmo tempo [...] uma dimensão simbólica, cultural, através de uma identidade territorial atribuída pelos grupos socials, como forma de 'controle simbólico' sobre o espaço onde vivem (sendo também, portanto, uma forma de apropriação) e uma dimensão mais concreta, de caráter poIítico-discipllnar: a apropriação e a ordenação do espaço como forma de domínio e disciplinarização dos indivíduos (HAESBAERT, 1999, p. 42)” (p. 14). Em correspondência a este conceito de território, o autor desenvolve o conceito de desterritorialização. No caso desse trabalho, a dominação violenta (conquista, captura dos sujeitos e submissão de todas as ordens, do trabalho à subjetividade) configura uma desterritorialização que vai para muito além do simples deslocamento geográfico, evidentemente.

14 Importante notar a conjuntura em que se deu essa decisão. Os judeus e muçulmanos tinham uma religião monoteísta

profundamente arraigada, de difícil sujeição ao cristianismo. No caso dos muçulmanos, além de serem oriundos em grande parte da África, e, portanto, de terem características fenotípicas que contrastavam com os ibéricos, durante o século VII conquistaram parte da Península e converteram diversos cristãos ao Islão. Por fim, ocupavam um território estratégico para o império espanhol e português, sendo conveniente geopoliticamente considerá-los desprovidos de alma e sujeitos ao trabalho escravo e à perseguição.

patriarcais dentro do pensamento moderno colonial.

Castro-Gómez (2005) investigou como a estrutura de poder no território da Nova Granada15, do século XVI ao XIX, foi capaz de produzir práticas culturais em torno da

branquitude. Protagonizados por uma elite colonial letrada, correspondente a um pequeno setor dominante de homens brancos, os conhecimentos chamados científicos buscaram garantir a manutenção e o controle legítimo de uma ordem social hierárquica e estruturada sobre critérios raciais e étnicos. O acesso aos demais povos não-brancos estava impedido, inclusive fisicamente. Os muros da cidade letrada impediam a entrada de quem não tivesse “pureza de sangue” suficiente. Esse critério não se aplicava apenas ao fenótipo da pessoa, mas também a sua ascendência, e ao tipo de trabalho que a sua família mantinha. A estrada para a universidade, portanto, era restrita a sujeitos das castas superiores. Os “colégios mayores” ficavam a cargo das ordens religiosas dominicana, jesuíta, franciscana e agostiniana. A aprovação, após essa criteriosa pesquisa geracional quanto à pureza racial do sangue e à natureza do trabalho desenvolvido pela família, era feita mediante um ritual “cavalheiresco”.

Importante ressaltar um fator que ilustra a relação entre a raça e a estrutura socioeconômica, e que encontra fortes reflexos na atualidade, como apresentado mais adiante: se um candidato fosse mestiço e rico, ele poderia ser admitido “parcialmente”, o que significa que ele poderia ter acesso aos locais físicos da cidade letrada, mas deveria ter uma formação para ofícios menos valorizados, além de não poder entrar em contato físico com os brancos. Por fim, e não menos importante, deve-se relativizar a ausência de negros e indígenas uma vez que, na formulação de conhecimentos, a relação imposta foi de apropriação unilateral. Tampouco significou ausências desses segmentos dos projetos educativas em Nova Granada. Como diz Castro-Gomez (2005), essas populações ocuparam as posições de guias, desenhistas, escrivãos das expedições científicas e mão-de-obra servil para as fazendas dos colégios e universidades.

A breve análise histórica demonstra como a classificação e extermínio racial caminharam de mãos dadas com a subalternização epistêmica, e esta, por sua vez, com o capitalismo eurocentrado. Com relação às Américas, a busca pela diferenciação, principalmente com os negros capturados da África, faz os europeus se nomearem “brancos”. A procedência geográfica que antes caracterizava as identidades, tal como espanhóis e portugueses, no caso dos colonizadores europeus, ganha uma conotação racial, trans-territorial, e passam a significar,

15 O Vice-Reino de Nova Granada foi uma jurisdição colonial do Reino da Espanha existente desde o século XVI até o XIX e

correspondeu aos atuais países de Panamá, Colômbia, Equador e Venezuela. Teve influências no continente como um todo, inclusive no Brasil. Sua capital era a cidade de Santa Fé de Bogotá, atual capital colombiana.

dentro das recém-construídas relações sociais com as outras raças, relações de dominação e subordinação que se estendem a todo o mundo. Assim, os povos conquistados foram posicionados de forma inferior, bem como suas características fenotípicas (raciais) e seus conhecimentos mentais e culturais. Os orientais, ao contrário, devido ao seu “nível” de desenvolvimento político e cultural, a olhos europeus16, foram considerados como o “outro”, o

que lhes conferia certa dignidade, não atribuída aos indígenas e negros.

Dentre as formas de dominação cognitiva dos europeus sobre os demais povos, destacam-se: a expropriação das descobertas culturais que interessava ao desenvolvimento do capitalismo; a repressão das formas de produção de sentidos, seus universos simbólicos, os padrões de expressão e a objetificação da subjetividade; a imposição de suas próprias culturas, fosse ao campo da atividade material, tecnológica, subjetiva ou, especialmente, religiosa.

As dualidades e a linearidade temporal e evolutiva inerentes ao pensamento e produção de conhecimentos eurocentrados, sempre fazendo da Europa o polo positivo e o ponto de chegada, eram as diretrizes gerais que ampararam a naturalização da superioridade dos brancos sobre os não-brancos dentro de cada uma das formas de dominação cognitiva.

A modernidade e a racionalidade foram imaginadas como experiências e produtos exclusivamente europeus. A partir disso, logrou-se o jogo de categorias: Oriente-Ocidente; primitivo-civilizado; mítico/mágico-científico; irracional-racional; tradicional-moderno; Europa-não-Europa. A Igreja Católica teve um importante papel nessas formulações, gerando uma lógica de proximidade entre os europeus e o divino (CASTRO-GOMEZ, 2005).

Toda essa estrutura racista de pensamento permitiu a articulação de todas as formas históricas de controle do trabalho, seus recursos e produtos, em torno do capital e do mercado mundial. Com a “constituição da América”, todas as formas de controle e exploração do trabalho, inéditas historicamente, coexistiram, como bem coloca Quijano (2005).

A servidão foi muito utilizada nas áreas de colonização espanhola para prevenir o absoluto extermínio indígena, visando um modo de “sustentabilidade” da força de trabalho; os negros foram reduzidos à escravidão; os espanhóis e portugueses podiam receber salários e ter os seus próprios negócios, fosse no comércio, na produção rural, nas artes ou na produção de mercadorias. E, os cargos altos e médios da administração colonial, civil e militar eram reservados à nobreza europeia.

Diante do contexto de expansão colonial, a raça dominante, especialmente a partir do

16 Essa consideração europeia pelo nível de desenvolvimento político e cultural dos orientais guarda relação com o fato destes

últimos serem reconhecidos como civilizações mais antigas que as europeias. Esse reconhecimento não acontecia com relação às civilizações africanas e indoamericanas.

século XVIII, expandiu essa divisão como critério de classificação social para toda a população mundial. As novas identidades produzidas a partir da imposição da ideia de raça estiveram associadas, desde o princípio, com as posições destes sujeitos dentro da nova estrutura global de controle do trabalho. As ideias de raça e de divisão do trabalho estiveram estruturalmente associadas, reforçando-se mutuamente, gerando o que Quijano (2005) chamou de “divisão racial do trabalho”.

Para além dos processos coloniais latino-americanos, estas foram as duas matrizes que orientaram o processo de constituição dos Estados-nação e seguem sendo diretrizes fundamentais para compreensão da atual geopolítica mundial na qual a hierarquia do trabalho