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A radiomensagem da “realeza” de Maria 212 e sua coroação

Pensamento e ação dos Papas

3. A radiomensagem da “realeza” de Maria 212 e sua coroação

Decorria o ano de 1946, a II Guerra Mundial tinha terminado. É tempo do povo português agradecer à Virgem Mãe não ter participado diretamente na guerra e com isto vem o cumprimento da promessa. É chegado o tempo de dar graças e coroar Rainha Nossa Senhora de Fátima. O Santo Padre tornou-se presente em Fátima com a sua voz a ecoar em todo o Santuário por radiomensagem. “O doce Cristo na terra”213, do qual se escuta a sua voz, faz-se

presente igualmente por meio do seu Legado pontifício, o cardeal Bento Aloisio Masella, nomeado para o efeito.

Nesta mensagem da coroação de Nossa Senhora de Fátima e fazendo referência à “funesta guerra” que assolou o mundo e que deixava ainda as suas sombras, o Papa exalta desde logo a ação que Nossa Senhora tem na história da humanidade, permitindo conduzir com o seu amor materno o rumo da história, como medianeira e dispensadora das graças e tesouros de Jesus Cristo, atribuindo-lhe também os títulos de Rainha, Advogada, Mãe de misericórdia, Virgem fidelíssima. Uma mãe que acompanharia, de modo especial, a Nação Portuguesa desde há oito séculos a esta parte: “Oito séculos de benefícios!”

Uma mãe que escuta as súplicas dos seus filhos e que agora vê de forma tão visível e concreta o seu agradecimento, o seu amor ardente e reconhecido. Uma “multidão tão imensa que ninguém a pode contar”214. Uma nação inteira a dar expressão sensível, simbolizando esse

amor e gratidão numa coroa preciosa a encimar não só a imagem da Senhora, mas a própria Senhora de Fátima que reina no coração de cada português.

Qualificando também a imagem da Senhora de Fátima de Taumaturga, Pio XII refere-se ainda à Cova da Iria como “fonte manancial de graças soberanas, de prodígios físicos e muito mais de milagres morais… oásis bendito, impregnado de sobrenatural”. Um local sagrado onde se pode sentir bem de perto o pulsar do Coração Imaculado de Maria, que pulsa ternura e solicitude materna. Começa a ser então cada vez mais marcado e vincado na boca do Pontífice Romano a realidade dos milagres físicos e morais que dão sustento ao culto, como manifestações extraordinárias do amor de Maria para com quem Nela se refugia.

211 Excerto de uma carta de Pio XII dirigida ao Padre G. Ranson a 2 de julho de 1948. Joseph JOST, “Fátima

e a consagração ao Coração Imaculado de Maria”, in A consagração como dedicação na mensagem de Fátima, (Coord. José CARVALHO), Santuário de Fátima, Fátima, 2014, p. 217.

212 Expressão usada por Pio XII na sua encíclica Ad ceali reginam de 1954 ao referir-se à radiomensagem de

1946 por altura da coroação de Nossa Senhora de Fátima.

213 Expressão atribuída a Santa Catarina de Sena.

58 Esta mensagem, que é um grande hino de louvor à Mãe de Deus, deixa bem claro aquilo que é o entendimento católico acerca do lugar de Maria na Igreja. Não sendo Deus, nem se comparando a Deus, mas sendo “sublimada até ao trono da Trindade beatíssima” vive à direita de Deus, coroada Rainha do Universo, “porque Mãe do Rei divino”, porque primeira entre todos os santos,

“Porque mais cheia de graça, mais santa, mais formosa, mais endeusada, incomparavelmente mais, que os maiores Santos e os Anjos… Jesus é Rei dos séculos eternamente por natureza e por conquista; por Ele, com Ele, subordinadamente a Ele, Maria é Rainha por graça, por parentesco divino, por conquista, por singular eleição. E o seu reino é vasto como o de seu Filho e Deus, pois que de seu domínio nada se exclui”215.

Nesta radiomensagem é bem explícita a centralidade de Jesus como Rei, e só por isso Maria é Rainha. Nossa Senhora será sempre caminho que leva até Deus. É a própria expressão da Senhora de Fátima que transmite esse alento e confiança a Lúcia: “o meu Imaculado Coração será o teu refúgio o caminho que te conduzirá a Deus”. É outra forma de dizer o “esperança nossa” da Salvé Rainha.

Uma realeza que é essencialmente materna. Um coração materno que mima e protege os seus filhos. E, é neste particular que o Papa reconhece e deixa bem manifesto que Portugal foi poupado pela II Guerra Mundial devido à proteção de Maria:

“A mais tremenda guerra que… por quatro longos anos andou rondando as vossas fronteiras, mas não as ultrapassou graças sobretudo a Nossa Senhora que deste seu trono de misericórdia… velava por vós e por vossos governantes, nem permitiu que a guerra vos tocasse”216.

E por isso o apelo do Papa que pede não só para que Nossa Senhora seja coroada como Rainha de Portugal, mas Rainha da paz e do mundo. Rainha que percorre o mundo na boca e no coração dos que rezam. Rainha que percorre o mundo representada na Senhora da Azinheira que percorre a terra inteira. Um apelo veemente para que a terra inteira encontre de novo os caminhos de Deus pela mão de Maria. “Vós coroai-la Rainha da paz e do mundo, para que o ajude a encontrar a paz e a ressurgir das suas ruínas”. Este é um apelo do Papa a Portugal, um apelo para que deste trono de misericórdia a oração de intercessão seja garantia da conversão do mundo. Este pequeno país à beira mar plantado, a ocidental praia lusitana, tem a missão de rezar pelo mundo. Vemos aqui mais uma expressão daquilo que são os alicerces para a construção de Fátima como altar do mundo, onde de todos os países do mundo se vem para rezar e onde se reza pelo mundo.

Na Cova da Iria coroa-se, pois, Nossa Senhora Rainha do mundo. O próprio Papa que refere este facto na sua mensagem como anteriormente referido, fá-lo também em particular ao séquito

215 VOZ DA FÁTIMA, Ano XXV, n.º 285, 13 de junho de 1946, p. 1. 216 VOZ DA FÁTIMA, Ano XXV, n.º 285, 13 de junho de 1946, p. 2.

59 encabeçado pelo cardeal legado Aloísio Masella, referindo-lhe a nobilíssima missão que desempenhariam ao coroar Nossa Senhora Regina Mundi217. Cova da Iria apresenta-se assim

como uma janela de esperança que se abre para todo o mundo.

Querer ter Maria como Rainha é assinar um atestado de fé na sua realeza, o de uma submissão leal à sua autoridade, de uma correspondência filial ao seu amor. Coroar Aquela que se invoca como Nossa Senhora é ter esperança na sua proteção. E por isso o povo reza, o povo canta, o povo trabalha para a dilatação do seu reino, que não é outro reino se não o Reino de Deus. E a fé rezada, que se vive nesta montanha santa, move montanhas, aplaina caminhos, encurta distâncias.

Na ânsia de querer dar cumprimento à promessa de Nossa Senhora para que aconteça o triunfo do Seu Imaculado Coração e que o mundo tenha paz, o Santo Padre manifesta esse desejo e essa esperança “de que os Nossos votos sejam favoravelmente acolhidos pelo Coração Imaculado de Maria e apressem a hora do seu triunfo e do triunfo do Reino de Deus”218.