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Capítulo IV – De 1965 a 2005 Morte de João Paulo

1. De 1965 a 1978: Paulo VI peregrina a Fátima

Com o terminus do Concílio Vaticano II, uma nova página na Igreja católica começa a desenhar-se. Uma Igreja mais aberta ao Mundo, que não despreza o Mundo, que o ausculta e age em seu favor, chegando a todas as partes, sempre sem esquecer Cristo, pedra angular da Igreja e tendo Maria como mestra do caminho a percorrer. A hierarquia eclesial mais que nunca é convidada e interpelada a estar ao serviço do povo de Deus.

A 14 de maio de 1966, o Santo Padre envia à Irmã Lúcia uma placa comemorativa do Concílio Vaticano II. Reconhecemos neste gesto da parte de Paulo VI a importância que o Papa dava aos acontecimentos de Fátima. Se atendermos ao que Nossa Senhora havia dito a Lúcia na aparição de junho - “… tu ficas cá mais algum tempo. Jesus quer servir-se de ti para estabelecer no mundo a devoção ao Meu Imaculado Coração”130 - e juntarmos a isto as

continuadas insistências da Irmã Lúcia para que o mundo fosse consagrado ao Imaculado Coração de Maria, o que também veio a acontecer no decorrer do Concílio, poderemos considerar que Paulo VI toma como verdadeiro o pedido de Nossa Senhora e ao qual quer dar resposta.

Se inicialmente, a 15 de abril de 1967, Paulo VI tinha nomeado como seu Legado pontifício o cardeal D. José da Costa Nunes, para o fazer representar em pessoa e presidir às celebrações do 50.º aniversário das aparições, no início do mês de maio torna público que pretende ele mesmo vir até Fátima. E ali foi rezar pela paz, pela Igreja e pelo mundo. Com a sua vinda o Santuário ganha novo impulso, tornando-se verdadeiro “Altar do Mundo”, para onde se volta toda a Igreja na procura da paz e do bem para uma humanidade ferida131.

Muita gente acorre a Fátima e também o Santo Padre, o Bispo vestido de branco, peregrina ao Santuário mariano. O primeiro Papa peregrino na Cova da Iria. Concretizava-se o desejo da pequena Jacinta:

“quem me dera vêr o Santo Padre vem cá tanta gente; e o Santo Padre nunca cá vem. Na sua inocencia de criança julgava que o Santo Padre podia fazer esta viagem como as outras peçoas”132.

Destacamos nesta decisão do Papa vir a Fátima, uma resposta à posição que o Estado salazarista tomara aquando da anterior visita a Bombaim, para participar no Congresso Eucarístico Internacional, em dezembro de 1964, considerando-a uma afronta para com o

130 Lúcia de JESUS, Memórias, Santuário de Fátima, Fátima, 2016, p. 231. 131 Cf. VOZ DA FÁTIMA, Ano XLIV, n.º 537, 13 de junho de 1967, p. 1. 132 Lúcia de JESUS, Memórias, Santuário de Fátima, Fátima, 2016, p. 129.

38 Estado português. Nesta visita do Papa à India, o Governo português de então considerou-a uma afronta à “Nação Fidelíssima” como católica que era, pelo facto de Goa ter deixado de ser território ultramarino algum tempo antes e, de certa forma, o Padroado português já não ser tido em conta. A visita seria sempre feita à União Indiana. Nem mesmo a entrega da Rosa de Ouro em maio de 1965 ao Santuário de Fátima, que ganhou a dimensão de homenagem a toda a nação, fez diminuir o ressentimento de Salazar133, que confidenciaria a Alberto Franco

Nogueira, Ministro dos Negócios Estrangeiros, que “Enquanto eu for vivo o papa não entra aqui”134. Como se viu, tal não impediu a deslocação de Paulo VI a Fátima, que ali se quis

deslocar expressamente na sua qualidade de peregrino.

No mesmo dia em que o Santo Padre vem a Portugal, publica a exortação apostólica Signum

Magnum. Documento consagrado a Nossa Senhora e na qual faz referência a Pio XII e à

consagração via radiomensagem dirigida a Portugal:

“E porque este ano se comemora o XXV aniversário da solene consagração da Igreja a Maria, Mãe de Deus, e ao seu Coração Imaculado, feita pelo nosso Predecessor, de santa memória, Pio XII, em 31 de Outubro de 1942, por ocasião da Rádio-Mensagem à Nação Portuguesa — consagração que renovámos em 21 de Novembro de 1964 —, exortamos todos os filhos da Igreja a renovar pessoalmente a sua própria consagração ao Coração Imaculado da Mãe da Igreja”135.

No encerramento do 50.º aniversário das aparições, em maio de 1968, o Papa Paulo VI torna-se novamente presente em Fátima via radiomensagem, clamando pela paz na Igreja e no mundo. Nesta ocasião, foi também inaugurada e benzida uma estátua de bronze de Paulo VI, pelo cardeal Felici, para comemorar a sua peregrinação a Fátima. Também desta forma materializada na estátua, o Papa se tornava presente em Fátima.

A Peregrinação de Paulo VI a Fátima marcou-o e impressionou-o bastante. Isto foi expresso pelo próprio ao longo dos anos seguintes. Exemplo disso encontra-se no discurso ao novo Embaixador de Portugal junto da Santa Sé em dezembro de 1968, em que o Papa refere que na sua peregrinação a Fátima raramente presenciou “um tal espetáculo de fé e de fervor religioso”136.

Outras vezes houve em que o Papa Paulo VI se tornou presente em Fátima via mensagem radiotelevisiva, como nas celebrações de 13 de maio de 1971137, no 25.º aniversário da coroação

133 Cf. Duncan SIMPSON, A Igreja Católica e o Estado Novo Salazarista, Edições 70, Lisboa, 2014, pp. 211

– 218.

134 Alberto Nogueira FRANCO, Um Político Confessa-se (Diário: 1960-1968), Gráfica de Coimbra,

Coimbra, 1972, p. 103.

135 PAULO VI, Exortação Apostólica Signum Magnum, http:// w2.vatican.va/ content/paul-vi/pt/

apost_exhortations/ documents/hf_p-vi_exh_19670513_signum-magnum.html, acedido em 1 de julho de 2017.

136 Cf. Jean-François de LOUVENCOURT, Francisco e Jacinta de Fátima – Duas estrelas na noite do mundo, Gráfica de Coimbra 2, Coimbra, 2012, p. 450.

39 de Nossa Senhora de Fátima, e de 13 de maio de 1977138, no 60.º aniversário das aparições de

Nossa Senhora, a sua última mensagem aos peregrinos no Santuário de Fátima. Ambas as mensagens revestem os tons da graça e da paz como apelo do Céu, e como motivo impulsionador para a sua vinda ao Santuário de Fátima. Destarte, implorava a graça e a paz por meio de Maria, Mãe da graça divina e Rainha da paz, para a Igreja e para o mundo.

Entrecruzando-se com o pontificado de Paulo VI, destacamos alguns gestos, daquele que viria a ser o Papa João Paulo I na sua relação com Fátima. Destarte, a 10 de julho de 1977 enquanto cardeal Albino Luciani, Patriarca de Veneza, peregrinou ao Santuário de Fátima. No dia seguinte rumou até ao Carmelo de Coimbra onde conversou com a Irmã Lúcia139. Um ano

depois, a 26 de agosto, viria a ser eleito Papa. O Papa do sorriso falecia um mês depois, a 28 de setembro.