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Os caminhos metodológicos que trilhei para a aproximação com a realidade da Educação de Jovens e Adultos no município de Horizonte / Ceará me levaram a lugares que a priori não havia estabelecido como elementos que pudessem me ajudar na construção da presente pesquisa.

Na primeira versão do projeto de pesquisa, minha intenção era buscar na memória dos educadores desse município, elementos que pudessem se agregar e dar um novo sentido à história oficial da EJA, situando-a como um direito. A contribuição era reconhecidamente importante, uma vez que se constituiria como a presença da perspectiva do professor no registro da história educacional deste lugar, trazendo elementos que geralmente não aparecem nos relatórios que se produzem ou em livros que se publicam. Tal possibilidade encontrava fundamentos, tanto na abordagem qualitativa de pesquisa (MINAYO, 2004) pela aproximação com o universo de significados dos sujeitos investigados, quanto na metodologia de natureza autobiográfica, ao permitir que a história individual de cada sujeito sinalizasse para elementos que ajudariam a compreender a entender melhor a história coletiva (BASTOS, 2003). No entanto, a minha primeira aproximação com o

lócus de investigação me colocou diante de uma realidade em que a colaboração,

através de uma pesquisa de natureza interventiva, se tornaria mais relevante para os sujeitos e para mim, enquanto pesquisadora.

Ao apresentar o projeto de pesquisa para a gestora escolar e para o coletivo de professores, fui solicitada a adentrar no espaço da escola, não de maneira pontual, como geralmente ocorre em boa parte das pesquisas, com a finalidade de "coletar de dados", mas tornar sistemática a minha presença para que no momento de transformação vivido pela instituição, pudesse exercer o papel de colaboradora no processo de reconstrução de identidade da Educação de Jovens e Adultos naquele contexto.

A escola vivia no início do ano de 2011 uma situação singular, pois havia acolhido cerca de 90 alunos e 04 professores de EJA, vindos de outra instituição de ensino pertencente à mesma comunidade e à Rede Municipal que resolvera fechar o funcionamento noturno por não acreditar nesta modalidade de ensino.

Os relatos dos professores e de alunos ―expulsos‖ da referida escola convergiam para a visão preconceituosa do então gestor escolar, que apontava como motivos para o fechamento das turmas de EJA, a falta de compromisso e competência dos professores e a baixa aprendizagem e frequência dos alunos.

Ao acolhê-los em sua escola, a gestora que recebeu minha pesquisa buscava meios de fortalecer a autoestima de alunos e professores e construir uma experiência de qualificação das ações desenvolvidas pela educação de jovens e adultos que pudesse não só desconstruir o discurso do gestor da outra instituição, que acabara ecoando no contexto municipal, mas construir referências positivas em relação a este trabalho.

Dentro deste contexto, justifico essa digressão inicial para contextualizar o fato que fez com que o projeto de pesquisa inicialmente elaborado sofresse modificações em sua metodologia, passando a ter uma nova orientação, sem que se perdesse de vista o seu foco inicial que era a compreensão da educação de jovens e adultos como um direito, a partir do olhar e das práticas de professores e gestores escolares.

Ao reavaliar a elaboração dos passos que seriam necessários para o desenvolvimento da pesquisa, pude compreender a necessidade de abertura por parte do pesquisador frente às questões que se abrem no contexto, concordando com Ghedin e Franco (2011, p. 33), quando pontuam que:

O método é sempre uma perspectiva de onde se parte que permite pressentir a chegada a algum lugar. Ele propicia o vislumbre de um percurso antes de ele chegar aos detalhamentos do caminho. Enseja a caminhada em determinada rota. Portanto, embora não possa ser exclusivamente definido antes do caminho, ele aponta sua direção. É isso que torna a pesquisa e o conhecimento científico possíveis.

Assim, considerando a dinâmica que desde o início se estabeleceu no contato com o campo, permeada pela dialogicidade, pela escuta sensível e pela postura dos sujeitos que demandavam de mim, enquanto pesquisadora, um engajamento político com o grupo, compreendi que precisava inspirar-me na metodologia da pesquisa- ação e em seus pressupostos epistemológicos.

A pesquisa-ação é definida como uma modalidade de investigação que visa a transformação de uma situação social concreta, inspirada nas descobertas e tomadas de consciência, desencadeadas no decorrer pesquisa, pelo grupo de pessoas nela implicadas (BARBIER, 2002). De acordo com Franco (2011, p. 213), a forma de entrada do pesquisador no grupo pode qualificar a pesquisa-ação de diferentes formas:

 É considerada colaborativa quando ―[...] a busca de transformação é solicitada pelo grupo de referência da equipe de pesquisadores‖;

 Constitui-se como crítica quando se é percebida ―[...] a necessidade de transformação mediante os trabalhos iniciais do pesquisador com o grupo, como decorrência de um processo que valoriza a construção cognitiva da experiência [...]‖ e;

 Pode ser ainda considerada pesquisa ação estratégica se ―[...] a transformação for previamente planejada sem a participação dos sujeitos e apenas o pesquisador acompanhar os resultados de sua aplicação‖ (FRANCO, 2011, p. 213).

Assim, considerando que a (re) definição da trajetória da pesquisa se deu em decorrência dos contatos iniciais com o coletivo de educadores e gestores da escola estudada, desejosos por transformarem conscientemente e de maneira crítica a realidade da Educação de Jovens e Adultos, posso considerar que a pesquisa ora apresentada configura-se como uma pesquisa-ação de natureza colaborativa.

Como o movimento de investigação-ação partiu de uma decisão de natureza coletiva, os passos da pesquisa foram negociados de forma geral com os sujeitos que dela participaram, numa perspectiva de contrato aberto. Nele estavam implicadas tanto as minhas responsabilidades como pesquisadora, quanto as responsabilidades do próprio grupo, que envolviam desde a construção de significados e respostas para o problema da pesquisa, até a redefinição das formas de caminhar do grupo.

Um dos principais desafios presentes neste processo foi a necessidade de desenvolvimento de uma postura reflexiva. Compreendendo a oportunidade de desenvolvimento da pesquisa, também como uma oportunidade de desenvolvimento profissional, cada educador deveria olhar investigativamente para si próprio, para a

instituição e para a profissão percebendo, dialeticamente, as contradições existentes no contexto mais abrangente onde estavam inseridos.

Ghedin (2005, p. 24) nos explicita a importância do pensamento reflexivo ao afirmar que ele:

[...] nos abre para a realidade, ao mesmo tempo em que amplia nossos horizontes de conhecimento. É no universo reflexivo que se encontra a possibilidade de rompimento com os valores de uma sociedade dominante e injusta. Isto quer dizer que o caminho da cidadania está na direção da construção de um pensamento reflexivo. Pensar, todo ser humano pensa. Mas pensar reflexivamente não é, ainda, uma tarefa de muitos.

Assim, as sucessivas ações desenvolvidas ao longo dos anos de 2011 e 2012 tomaram como principais referências a observação participante da pesquisadora no contexto escolar e o desenvolvimento de encontros de reflexão sobre a prática. A aproximação com o contexto escolar me possibilitou a apreensão da cultura institucional, das relações que se estabeleciam entre gestores, educadores e alunos, das contradições que evidenciavam muitas vezes a distância entre o dito e o feito.

Esses conhecimentos, que começaram a ser registrados desde a etapa exploratória da pesquisa, em um diário de campo, possibilitaram a organização do processo investigativo como um todo, compreendido para além da soma das estratégias de aproximação com a realidade. O que revela a pertinência do pensamento apresentado por Ghedin e Franco (2008, p. 14) ao afirmarem que ―a realidade é um todo, uma totalidade articulada e não apenas a expressão de sua particularidade, manifesta pelo ―olhar empírico de quem a investiga [...]‖.

A dinâmica de desenvolvimento da pesquisa tomou como referência as espirais cíclicas da pesquisa-ação, vistas como retomada processual das ações, análises, reflexões realizadas pelo grupo, numa dinâmica sempre evolutiva (FRANCO, 2011).

O quadro abaixo sintetiza as fases propostas por Dione (2007, p. 86) para o desenvolvimento da pesquisa ação:

Quadro 3 – Síntese das etapas de desenvolvimento da pesquisa ação

Fases Atividades

Fase I Identificação

a) Descrição da situação inicial e contrato b) Formulação do problema inicial

c) Elaboração da problemática da situação com vistas à pesquisa e à ação

Fase II Projetação

d) Elaboração de certas hipóteses de solução e) Definição dos objetivos da pesquisa-ação f) Formulação de um plano de ação

g) Projetação da avaliação da intervenção Fase III

Realização

h) Implementação da intervenção da pesquisa-ação i) Execução participante das atividades

j) Avaliação contínua Fase IV

Avaliação

k) Análise dos resultados da pesquisa

l) Difusão dos resultados: informação e relatório m) Avaliação final do processo e dos resultados n) Finalização e reativação da ação

Fonte: construído pela autora a partir de Dione (2007).

Este movimento permanente de reflexão sobre as práticas desenvolveu gradativamente no contexto institucional o seu reconhecimento como uma ―escola reflexiva‖, que corresponde a uma instituição que, de forma contínua, pensa sobre si própria, sobre sua organização e missão num processo que se compreende ao mesmo tempo avaliativo e formativo (ALARCÃO, 2011).

Como a leitura do contexto acabava sempre por trazer pontos de divergência e de tensão, um dos aspectos que se sobressaiu como aprendizagem inerente a esta abordagem metodológica foi o gradativo desenvolvimento da dialogicidade, compreendida como ―[...] encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu‖ (FREIRE, 1987, p. 91). Através do diálogo e da problematização das práticas emergia a abordagem dialética de diferentes fenômenos sociais relacionados ao cotidiano dos alunos e que interferiam de forma direta no contexto da sala de aula, como pobreza, exclusão, discriminação e violência entre outros.

Na busca de compreensão destes fenômenos, eram levantadas hipóteses e reflexões, sugeridas leituras, apresentados vídeos que se constituíam como

importantes referências teóricas e colaboravam no processo de alargamento da visão de mundo dos sujeitos e apreensão da realidade, numa perspectiva de totalidade38, considerando o contexto histórico, social, cultural, político e econômico. Nesse processo de análise da realidade, a práxis, como unidade da teoria e da prática (TRIVIÑOS, 2006, p. 122), se constituiu como importante referência para os sujeitos, que denunciavam incessantemente a distância entre o escrito e o vivido nas diferentes políticas sociais brasileiras, das quais a Educação de Jovens e Adultos faz parte. As compreensões de prática, enquanto processo social de atividade material adequado a objetivos, e de teoria como atividade que contribui para a transformação do mundo através de seus elementos cogniscitivos e teleológicos (VAZQUEZ, 1977), surgem como importantes referências para a apropriação crítica dos discursos e das práticas educativas desenvolvidas no contexto investigado, e ainda para a construção de novas propostas de ação que respondam aos desafios que cotidianamente se apresentam neste contexto.

O exercício de análise das práticas põe em movimento a articulação teórico prática a que nos referimos, materializando-se:

a) Na colocação de problemas a serem estudados conjuntamente por pesquisadores e participantes;

b) Nas explicações e soluções apresentadas pelos pesquisadores e que são submetidas à discussão entre os participantes;

c) Nas deliberações relativas à escolha dos meios de ação a serem implementados;

d) Nas avaliações dos resultados da pesquisa e da correspondente ação desencadeada (THIOLLENT,1988, p. 31).

É nesse sentido que, a partir do movimento dialético desencadeado pela pesquisa-ação ―[...] o conhecimento não pode ser entendido isoladamente em relação à prática política dos homens, ou seja, nunca é questão apenas de saber, mas também poder‖ (SEVERINO, 2012, p. 116).

38Para Ghedin e Franco (2008

, p. 14) ―[...] o real é um todo que se mostra nas partes, do mesmo modo que as partes se mostram no todo, mais do que nos limites do conhecer. Na verdade, o conhecimento nunca capta o todo, mas a sua manifestação expressa na singularidade das coisas‖.

Por fim, destaco como um dos grandes contributos desta perspectiva metodológica de pesquisa o seu potencial emancipatório, que pode ser identificado através das respostas concretas que se apresentam aos problemas, tendo como propositores os próprios professores. Este processo redimensiona o estatuto hierárquico historicamente construído pela racionalidade técnica, que coloca o professor como consumidor de saberes produzidos por especialistas. No contexto da pesquisa-ação, o professor se compreende como intelectual crítico capaz de investigar sua própria realidade e sobre ela agir, transformando-a e sendo capaz de promover verdadeiramente mudanças e inovações.