• Nenhum resultado encontrado

1.4. O ativismo no pensamento de Barroso

1.4.3. A real relação entre direito e política: o interpretativismo

Na terceira parte do estudo, propõe uma leitura sobre o modelo real da relação entre direito e política. E o primeiro ponto tem como objeto Os laços inevitáveis: a lei e sua interpretação como atos de vontade.

Ressalta que o direito, embora pudesse ser estudado cientificamente, não se inseriria no campo das ciências naturais, que seriam marcadas por sua independência em relação à vontade humana, mas nas ciências sociais e teria uma pretensão prescritiva, sendo as normas jurídicas criadas por decisões e escolhas políticas, levando-se em conta as circunstâncias próprias e buscando determinados fins. E isso revelaria que os caminhos da política e do direito se entrecruzam e, por vezes em momentos bastante delicados, que envolvem a segurança jurídica e a justiça74.

No segundo tópico, tematiza a questão das complexidades que envolvem a interpretação jurídica como “o encontro não marcado entre o direito e a política”. E inicia seu discurso consignando que a linguagem jurídica, como qualquer outra linguagem, precisa ser interpretada. Em especial, a constituição na qual existem inúmeras cláusulas abertas, com conceitos jurídicos indeterminados e princípios.

Aduz, ainda, que, embora haja certo grau de consenso a respeito de alguns conceitos, também seria inegável que existe uma zona de penumbra, que se presta a valorações que seriam realizadas mediante algum grau de subjetividade. Assim, nas normas com linguagem aberta e elástica, o direito perde em objetividade e abre espaço para a valoração do intérprete.

73 Ibidem, p. 258 – 259. 74 Ibidem, p. 259 – 260.

32 E coexistiria com os “problemas de ambiguidade da linguagem, que envolveriam a determinação semântica do sentido da norma”, o que se tem chamado desacordo moral razoável, resultado da diversidade cultural vivenciada numa sociedade pluralista, sendo esse o caso da sociedade contemporânea, revelando-se várias possibilidades de se pensar determinados problemas e questões de ordem moral, o que decorreria da própria pré- compreensão de cada um75.

Também, as constituições, como expressões dessa diversidade, contemplariam, em seu texto, valores e interesses que, eventualmente, entrariam em colisão, mormente em questões que envolvem direitos fundamentais em disputa. E que, nesses casos, o juiz deve se valer da ponderação ou proporcionalidade para, à luz do caso concreto, determinar qual solução realiza de forma adequada a “vontade da Constituição”76.

Essas três hipóteses – ambiguidade da linguagem, desacordo moral e colisão de normas – têm sido articuladas dentro de uma categoria geral que se convencionou chamar de casos difíceis, os hard cases, sendo esses os casos para os quais não existe uma solução acabada no ordenamento jurídico, devendo ser desenvolvida de forma justificada pelo intérprete. No caso, o juiz.

É nesse espaço, em que o sentido da norma precisa ser definido pelo juiz, que entraria em cena a questão da interpretação constitucional e seus métodos. Exigir-se-ia, nesses casos difíceis, uma atuação criativa do intérprete, que deve fundamentar argumentativamente seu percurso lógico e suas escolhas.

E, por inexistir resposta pronta no ordenamento, para Barroso, deverá se valer de aspectos da moral e da política para isso, em busca do justo, do bem e do legítimo. O reconhecimento disso, segundo ele, seria verificável na prática e não existiria um padrão na adoção dos métodos interpretativos utilizados77.

Aduz, em seguida, que o juiz e suas circunstâncias acabam tendo influência de suas posturas ideológicas e valores pessoais nos julgamentos que proferem. Para uma melhor compreensão a cerca desses elementos metajurídicos que influenciariam ou poderiam influenciar a decisão jurídica, identifica cinco perspectivas que, na sua ótica, merecem atenção: 1) valores e ideologia do juiz, 2) interação com os outros atores políticos e institucionais, 3) cumprimento efetivo da decisão, 4) situação interna dos órgãos colegiados e 5) opinião pública.

75 Ibidem, p. 261. 76 Ibidem, p. 261 – 262. 77 Ibidem, p. 265 – 266.

33 Cita algumas correntes doutrinárias que teriam articulado o papel da ideologia: o realismo jurídico que, segundo ele, seria um dos mais importantes movimentos teóricos do século XX, como uma doutrina que assevera que a lei não é o único fator a influenciar a decisão judicial; bem como a teoria crítica que sustentaria que as decisões não passam de escolhas políticas, encobertas por um discurso de neutralidade. Aduz, ainda, que pesquisas empíricas têm demonstrado que a ideologia, em vários casos, é decisiva para as sentenças proferidas, notadamente nos chamados casos difíceis78.

Quanto à interação com outros atores políticos e institucionais, assevera que o judiciário sofre a influência de outros fatoras, como por exemplo: a preservação ou expansão do poder da corte, estando em jogo aqui a delimitação estratégica de seu espaço de atuação, e, portanto, sua relação com outros poderes órgãos e entidades estatais; a perspectiva de cumprimento efetivo da decisão, já que não se pretenderia correr o risco de ter uma decisão que não seja cumprida; as circunstâncias internas dos órgãos colegiados, que, no caso do Brasil, que adota o modo agregativo, ou seja, cada ministro ou desembargador vota de forma autônoma, não é incomum que um julgador se curve ao voto do outro para que não fique derrotado na questão analisada, ou que um acompanhe o outro em busca de reciprocidade; a opinião pública, destacando que o judiciário não poderia ser escravo dos anseios sociais, mas que esse elemento pode vir a ser, por vezes, determinante para os desfechos de muitos processos que tocam às questões mais controvertidas, sendo, assim, um fator jurídico de extrema relevância79.

Diante do que, indica que, embora o direito não possa oferecer para todos os casos decisões pré-determinadas em seu ordenamento, ele limitaria as possibilidades de solução, devendo-se observar as alternativas de sentido dos textos e harmonizar-se com o sistema jurídico como um todo, não podendo os argumentos utilizáveis ser somente de “razão pública”, mas devendo estar dentro de uma lógica jurídica.

Assevera, também, que as decisões devem sempre passar por um crivo de racionalidade e razoabilidade e que isso implica um segundo grau de jurisdição, bem como o controle social dos demais membros da sociedade e atores jurídicos, sendo inclusive os sítios jurídicos da internet um dos espaços informais dessa discussão. E essa prática revelaria com mais nitidez um direito que se relaciona com a política, mas de forma transparente e não “escamoteada”80.

78 Ibidem, p. 266 – 269. 79 Ibidem, p. 269 – 280. 80 Ibidem, p. 280 – 281.

34 Fechando seu texto ele defende certo grau de ativismo no contexto da judicialização da política. Por fim, diz que o direito e a política, que representariam a razão pública e a vontade popular, fariam parte de dois extremos de um eixo para o qual haveria um inconstante movimento rotacional que, ao fim e ao cabo, dependeria do ponto de vista de cada um.