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Direito e justiça de Alf Ross: o direito é externo à consciência individual

3. O POSITIVISMO ESQUECIDO POR BARROSO

3.3. Positivismos jurídicos

3.3.5. Direito e justiça de Alf Ross: o direito é externo à consciência individual

91 Em seu livro Direito e Justiça243, de 1953, Ross identifica o problema da natureza do direito como uma questão de como interpretar o conceito de direito vigente, que seria o próprio objeto da ciência do direito. Haveria, então, para Ross uma identificação entre direito e ciência do direito.

Por conta disso, o objeto de uma filosofia do direito não seria o mesmo do direito – que era entendido por ele, portanto, como o direito positivo –, mas o mesmo da ciência do direito. Numa palavra, a ciência tematizaria o objeto direito e a filosofia articularia a ciência desse mesmo objeto. A filosofia do direito, assim, estaria numa dimensão teórica anterior à dimensão científica de articulação própria do objeto direito.

Segundo Ross, o ordenamento jurídico nacional seria o conjunto de regras estabelecidas para o funcionamento do aparato da força do Estado244. Motivo pelo qual, as instituições de autoridade pública, compostas por tribunais e demais órgão estatais, teriam a função precípua de fazer valer a força do estado e, assim, o próprio direito.

O poder político autêntico seria o exercido por essas instituições, mediante a utilização da técnica do direito. Correlaciona-se o direito, que é técnica para Ross, com o exercício da força pelo aparato do estado, o que aconteceria através da estrutura burocrática própria para a manifestação da autoridade e do poder em dado estado. Levando em conta esses aspectos, para Ross, competência jurídica seria uma clara manifestação do poder político. Eis o pensamento realista de Ross245.

A diferença entre direito e moral, na construção de Ross, seria aferível e identificável nos efeitos mesmos das manifestações dessas instituições oficiais na vida social.

O direito seria uma ordem integrada e comum que detém o monopólio do exercício da força em busca da manutenção da paz, já a moral, que não possuiria essa atribuição do exercício da força, seria um fenômeno individual, que nem sempre acarretaria uma sanção, mesmo que social, e também não teria sua direção voltada necessariamente para a harmonia e para a solução de conflitos, posto que as ideias morais poderiam, de fato, vir a ser conflitantes246.

Na linha realista por ele trabalhada, diferentemente da articulada pelo realismo psicológico de Olivecrona (que vincula o direito à consciência individual e o aproxima do

243 ROSS, Alf. Direito e justiça. Bauru: Edipro, 2003. 244 Ibidem. p. 49-51.

245 Ibidem. p. 58. 246 Ibidem. p. 90.

92 conceito de moral)247, compreende-se o direito e o ordenamento jurídico como um fenômeno externo à consciência individual do jurista por sua condição intersubjetiva. Para ele, essa intersubjetividade, no direito, manifestar-se-ia através dos tribunais, quando da realização da análise de uma norma em cotejo com fundamentos que fossem suficientes para conclusões firmadas.

Em Ross, há, pela própria perspectiva intersubjetiva, uma inegável preocupação com a questão da linguagem, o que se percebe no cuidado que ele tem ao tematizar determinados conceitos como: dever e direito. Afirma que essa análise é, antes de qualquer coisa, de linguagem do direito, sendo esses conceitos simples veículos linguísticos para expressar o que consta das regras jurídicas.

Para ele, a divisão dever/direito, praticada comumente como resultado da afirmação de que para todo direito corresponde um dever, é demasiado superficial, pois existiriam vários outros institutos (conceitos heterogêneos) como faculdade, liberdade, poder e imunidade, para os quais nem sempre há um correlato. Portanto, os institutos jurídicos precisariam ser interpretados segundo a sua função, não se deslembrando que, na realidade, seriam ferramentas da linguagem do direito248.

No que toca a ideia de justiça de Ross, assevera Andaku que:

Ao buscar definir o conceito de justiça, Ross afirma que as palavras justo e injusto têm sentido quando empregadas para caracterizar a decisão tomada por um juiz, ou por qualquer outra pessoa que deve aplicar um determinado conjunto de regras. Dizer que a decisão é justa significa que ela foi elaborada de uma maneira regular, isto é, em conformidade com a regra ou sistema de regras vigentes. Neste sentido, qualquer conduta pode ser considerada reta se estiver em harmonia com regras pressupostas, jurídicas ou morais. Contudo, empregadas para caracterizar uma regra geral ou um ordenamento, as palavras justo e injusto carecem de significado. A justiça não é uma orientação para o legislador, já que, na verdade, é impossível extrair da ideia formal de igualdade qualquer tipo de exigência relativa ao conteúdo da regra ou do ordenamento jurídico. Empregadas neste sentido, as palavras não têm qualquer significado descritivo. Segundo Ross, uma pessoa que sustenta que certa regra ou conjunto de regras é injusto não indica nenhuma qualidade discernível das regras, não apresenta nenhuma razão para sua atitude Há simplesmente a manifestação de uma expressão emocional, pois a afirmação “sou contra essa regra porque ela é injusta” somente quer dizer que “esta regra é injusta porque sou contra ela”. 249

247 Ibidem. p. 98. 248 Ibidem. p. 200-201.

249 ANDAKU, Juliana Almenara. Análise jurídica da teoria de Alf Ross. Dissertação de Mestrado. PUC, São Paulo, 2005. p. 123.

93 É, portanto, evidente o caráter formal do direito, que não busca realizar a justiça (que não tem caráter descritivo – assume a crítica de Hume), mas a pacificação social, como se disse no início do tópico.

A questão da política, para Ross, precisaria ser entendida em seu plano próprio, dentro da ciência do direito, embora isso ainda não tenha sido bem desenvolvido, já que as teorias políticas tendem a se relacionar com teses metafísicas. Para ele, mesmo as tentativas de fundamentar a discussão política em uma base científica, não obtiveram suporte metodológico numa teoria básica da natureza da argumentação prática, de sua função e de sua mecânica250.

Ross argumenta, assim, que a discussão política deve basear-se no ponto de vista fundamental de que ela não se dá no plano da lógica e, portanto, não se busca provar verdades. Deve-se analisá-la no plano psicológico-tecnológico251. Seria através da política jurídica que a consciência jurídica (uma espécie de consenso ideal sobre o direito) operaria os reajustes que fossem necessários à estrutura do direito. Em suas palavras:

A tarefa da política jurídica nesses campos consiste em lograr um suave ajuste do direito às condições técnicas e ideológicas modificadas, com a consciência jurídica como estrela polar. É mister preservar a continuidade da tradição jurídica e tentar, ao mesmo tempo, satisfazer novas aspirações. É claro, a configuração mais detalhada da consciência jurídica em regras de direito manejáveis tem que atender a considerações técnicas fundadas em conhecimentos sociológicos ou em cálculos. O respeito à tradição e à consciência jurídica explicam porque o ponto de vista dos advogados é profissionalmente conservador. Este ponto de vista se justificava particularmente outrora, já que considerações ideológicas, fundadas no direito natural ou em conceitos históricos, reinavam de forma quase suprema. O papel do jurista como homem político jurídico é atuar, na medida do possível, como um técnico racional; neste papel ele não é nem conservador, nem progressista. Como outros técnicos, simplesmente coloca seu conhecimento e habilidade à disposição de outros, em seu caso aqueles que seguram as rédeas do poder político252.

Ao final, pelo que se infere, a consciência jurídica, que é um conceito linguístico e operativo – e que, assim, realiza uma nítida função –, seria o norte (a estrela polar) pelo qual se preserva a tradição e se busca o progresso, onde se utiliza das considerações técnicas e dos conhecimentos sociológicos, a fundamentação do próprio sistema. Que, embora ele não assuma, tem uma evidente condição metafísica, registre-se.