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Bobbio e os três aspectos fundamentais do positivismo jurídico: coação, legalidade e

3. O POSITIVISMO ESQUECIDO POR BARROSO

3.3. Positivismos jurídicos

3.3.8. Bobbio e os três aspectos fundamentais do positivismo jurídico: coação, legalidade e

Na conclusão de seu livro O positivismo jurídico273, depois de uma longa

exposição sobre as origens históricas do positivismo jurídico e seus pontos fundamentais – partes I e II, respectivamente – Bobbio apresenta, em sua conclusão geral, os três aspectos fundamentais do positivismo jurídico, segundo sua avaliação.

Aduz que, de um balanço sobre a cultura jurídica que se convencionou chamar de positivismo, para que se possa fazer uma reflexão crítica e, dessa forma, avaliar “aquilo que deve ser conservado e o que deve ser abandonado ou, como se diz habitualmente quanto às

272 Ibidem, p. 10.

273 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito, compiladas por Nello Morra; tradução e notas por Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues – São Paulo: Ícone, 1995.

101 doutrinas, verificar o que está vivo e o que está morto, é necessário não considerar esse movimento como um bloco monolítico”274.

Para Bobbio, a análise precisaria levar em conta a distinção que existiria entre as mais diversas articulações, considerando tanto os pontos que seriam fundamentalmente diferentes, como, também, as potenciais interconexões. É, nesse sentido, que afirma que: “Não se pode conduzir uma crítica genericamente antipositivista, mas é necessário distinguir os vários autores, de acordo com o aspecto ou aspectos do juspositivismo por eles adotado”275.

É desenvolvendo essa ideia que, depois de articular vários quadros teóricos dentro do mesmo movimento positivista e tematizar sobre suas estruturas teóricas, passa a identificar três acepções do positivismo jurídico: 1) como método para o estudo do direito, 2) como teoria do direito e 3) como ideologia do direito. E, sobre essas três formas de olhar para o fenômeno, sustenta que a primeira não implica a segunda e que as duas primeiras não implicam a terceira, mas que, ao reverso, a ideologia pressupõe a teoria, que, também, pressupõe o método276.

Assim, a adoção do método positivista – de descrição de fatos – não implicaria necessariamente a adoção da teoria positivista. Comentando esse ponto, Bobbio diz que o realismo jurídico aplicava o método positivista, percebendo-se que, nesse caso, o que era diferente era a realidade que era considerada, o que revelava que as estruturas teóricas eram diferentes, mas o método o mesmo. Da mesma forma, consigna que a adoção do método e da teoria juspositivista não implicaria a assunção da ideologia de um positivismo ético. Sistematiza, a partir dessas considerações, que, para cada aspecto do positivismo que identificou, as naturezas das análises críticas seriam, também, diferentes.

Para o exame do método positivista, far-se-ia, então, um juízo de conveniência, destacando-se que o método seria simplesmente um meio para se atingir um fim. Avaliar-se- ia, portanto, se o meio seria adequado para o fim em questão.

Já, para a teoria positivista, a crítica se fundaria numa investigação sobre o juízo de verdade ou de falsidade, posto que a pretensão da teoria positivista seria a descrição da realidade. A avaliação seria sobre a correspondência entre teoria e realidade.

Por fim, o exame crítico da ideologia juspositivista revelaria uma espécie de juízo de valor, visto que a ideologia interferiria na realidade e não simplesmente a descreveria. A

274 Ibidem, p. 233. 275 Ibidem, p. 235. 276 Ibidem, p. 234

102 ideologia não se fundaria, assim, na pergunta pelo verdadeiro ou falso, mas sobre o que melhor ou pior, bom ou ruim, justo ou injusto etc. E a crítica sobre a ideologia seria exatamente sobre valoração. Ainda que se afirme que não se deveria valorar, a própria afirmação em si já revelaria uma valoração, que prescreve inarredavelmente um dever ser, ou seja, uma conduta, um modo de agir277.

Dentro dessa acepção do positivismo jurídico como ideologia, Bobbio que compreende existirem versões mais fracas e mais fortes, propõe uma distinção: o positivismo extremista (ou forte) e o positivismo ético moderado (fraco). O primeiro, segundo ele278, muito raramente teria sido articulado até suas extremas consequências – sobre essa primeira corrente, adverte que, mesmo na concepção hobbesiana, haveria um limite para o dever de obediência às leis -; no que ao segundo, que seria o positivismo que historicamente se consolidou culturalmente, as críticas de uma parcela dos jusnaturalistas de que sua ideologia conduzira alguns estados para os regimes totalitários, a exemplo do nazismo, seria totalmente infundadas.

Ao contrário, a ideologia positivista, calcada na ordem, na igualdade formal e na certeza, atuaria, na verdade, em favor do Estado Liberal, não totalitário, destacando-se, ainda, que ela decorre historicamente do ideal democrático iluminista que se posicionou contra o estado autoritário e absolutista do antigo regime. Enquanto isso, a ideologia jurídica do nazismo era nitidamente oposta ao positivismo, não era a lei que gozava do papel central, mas o interesse político do próprio estado nazista.

Na Itália, lembra Bobbio279, que Calamandrei – destacado teórico italiano, muito conhecido por sua produção no direito processual – invocava o princípio da legalidade para se posicionar contra os abusos do fascismo. Afinal, não se poderia olvidar, que os primeiros destinatários da lei são os próprios agentes do estado. Antes mesmo e com mais ênfase, portanto, o positivismo defenderia o respeito desses agentes à lei.

Feitas essas considerações, Bobbio assevera que o positivismo jurídico, como teoria, poderia ser esquematizado em seis concepções fundamentais: teoria coativa do direito; teoria legislativa do direito; teoria imperativa do direito; teoria da coerência do ordenamento jurídico; teoria da completude do ordenamento jurídico; teoria da interpretação lógica ou mecanicista do direito.

277 Ibidem. p. 235. 278 Ibidem, p. 235 e 236. 279 Ibidem, p. 236.

103 Seguindo no seu desenvolvimento, defende que as três primeiras concepções – coação, legalidade e império – não teriam sido abaladas pelas criticas que se articularam sobre elas, permanecendo sólidas em seus fundamentos. Já, quanto às três últimas – coerência, completude e interpretação mecanicista –, elas não se sustentariam mais depois das criticas a elas dirigidas.

Para ele, de fato, um ordenamento não seria necessariamente coerente, não seria completo e o fenômeno jurídico, seja em que aspecto da realidade ele fosse considerado, não se resumiria a mera interpretação lógica ou mecanicista, havendo muito mais a ser considerado280. Essas três últimas acepções, portanto, não teriam grande relevo para o positivismo, sendo certo que, ao contrário, as três primeiras seriam os verdadeiros pilares da teoria positivista.

Por derradeiro, ao tratar do método positivista, afirma que não tem grandes considerações sobre esse ponto e aduz, simplesmente, que o método positivista é o científico281, modelo que precisaria ser adotado para se fazer ciência no direito, o que não impediria que se estudasse e compreendesse o direito a partir de outros jogos de linguagem, como a filosofia por exemplo.

Assume-se, assim, Bobbio como um positivista que acolhe o método positivista, um positivismo em sentido amplo que se funda nos três pilares referidos e um positivismo ético moderado, ou seja, não absoluto282.

3.3.9. O positivismo jurídico metodológico de Herbert Hart: a separação conceitual entre