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A recepção na Comissão Interstadual da Bacia Paraná-Uruguai – CIBPU

Linha do tempo Circulação das teorias do planejamento regional na América Latina 1940-

CAPÍTULO 3 – O USO DA TEORIA DOS POLOS DE DESENVOLVIMENTO NO SISTEMA DE PLANEJAMENTO ESTATAL BRASILEIRO

3.1 A recepção na Comissão Interstadual da Bacia Paraná-Uruguai – CIBPU

Como visto, a prática do planejamento do desenvolvimento regional na América latina foi marcada por missões estrangeiras, nas quais foram enviados aos países da

região reconhecidos ‘experts’20 para assessorar e orientar tanto na teoria como na

prática do planejamento estatal. No caso do Brasil não foi diferente, pois,

A CIBPU foi criada num contexto favorável às experiências de planejamento territorial no Brasil, tendo em vista a necessidade de criar instrumentos e meios para o desenvolvimento econômico; destaque-se nesse período a presença de missões estrangeiras, sobretudo norte-americanas, que faziam levantamentos sobre a realidade brasileira com o objetivo de indicar os pontos frágeis da economia para poder corrigi-los por meio de medidas governamentais (GARDIN, 2009, p.217).

Ainda de acordo com Gardin (2009), a CIBPU é uma experiência sui-generis de planejamento no Brasil, quase esquecida e pouco explorada na história do planejamento territorial brasileiro. O que a torna “...uma experiência pioneira de planejamento no país (GARDIN, 2009, p.28)”. Nesta mesma perspectiva, Pedrosa (2017, p.2) considera que, tal comissão criada na década de 1950, “teve um papel importante na formação e na experimentação do planejamento brasileiro”.

A CIBPU destaca-se entre as experiências da prática do planejamento regional por possuir uma estrutura organizacional diferente das outras instituições voltadas para o mesmo objetivo. Sendo criada no mesmo período que outras instituições, como CVSF e a SPVEA: “foi uma iniciativa dos estados componentes da Bacia Paraná- Uruguai e mantida por eles (e não por iniciativa da União), tendo por finalidade precípua a de implementar o planejamento na região do chamado Centro-Sul do país” (GARDIN, 2002, p. 55).

Sendo assim,

A CIBPU e a CVSF (Comissão do Vale do São Francisco) foram as únicas experiências de planejamento regional no Brasil centradas no desenvolvimento de bacias hidrográficas, base territorial advinda do modelo do planejamento norte-americano do vale do rio Tennessee (TVA). Com isso, a CIBPU adotou a concepção de desenvolvimento regional integral, baseado no planejamento de conjunto da Bacia Paraná-Uruguai (GARDIN, 2009, p.19, destaque nosso).

No entanto,

20 Por exemplo, Chiquito (2016) dá essa designação a John Friedmann ao rastrear sua trajetória na

assessoria para o planejamento do desenvolvimento regional. Como também apontamos no capítulo 2 desta dissertação.

Inicialmente orientado pelo padre Lebret, de origem francesa, a comissão tinha uma orientação humanista, calcada até certa medida em ideias keynesianas, tentando formular uma economia voltada às necessidades do indivíduo e da comunidade, para além do lucro empresarial. O distanciamento de Lebret e a reformulação de sua orientação com a liderança de Delfim Netto tem como resultado a inserção dos polos de desenvolvimento. No início da década de 1960, a efetividade de Delfim na comissão o auxiliou a galgar altos postos na administração pública após o golpe militar (PEDROSA, 2017, p. 2- 3).

Entretanto, a partir de 1955, passa-se observar a introdução da Teoria dos Polos de Desenvolvimento nessa instituição de planejamento regional. Isso fez com que a orientação teórica passasse de uma abordagem inspirada nas bacias hidrográficas, de inspiração estadunidense; para uma concepção nos moldes dos polos de desenvolvimento. Essa transição teórica e metodológica no âmbito da CIBPU foi defendida na tese de Chiquito (2011). Para quem:

O crescimento da concepção de polos em detrimento da concepção de bacias hidrográficas no planejamento regional da CIBPU acompanha o processo de urbanização e de industrialização dos anos 1950 e a ampliação da influência das teses da CEPAL na política regional, especialmente a partir de 1959, com a criação da SUDENE (CHIQUITO, 2011, p.193-194).

A mesma autora faz uma relação curiosa a respeito de tal mudança teórica nas estratégias desenvolvidas pela CIBPU com a consolidação das noções de desenvolvimento polarizado espacialmente:

A emergência da concepção de polos de desenvolvimento na CIBPU pode ser entendida a partir da emergência da ‘cidade latino americana’ abordada por Gorelik. O autor vê os anos 1950 como um dos momentos mais importantes do pensamento social latino-americano em que o acelerado crescimento populacional e a rápida expansão dos centros urbanos latino-americanos se tornam o centro das atenções nas teorias da modernização, nas políticas de desenvolvimento, na concepção da problemática urbana e regional na formulação do conceito de subdesenvolvimento (CHIQUITO, 2011, p. 196-197).

Relação à parte, tal excerto nos ajuda mostrar que a transição teórica marcou a tendência do planejamento regional do período. De tal modo que esse fato parece ser consenso entre as especialistas que estudaram a história da CIBPU.

Como as medidas para o desenvolvimento dos setores de energia e navegação fluvial subsidiavam a política da industrialização nacional, a CIBPU em 1960 instituiu estudos com base na concepção teórica

dos pólos de desenvolvimento de Perroux. De acordo com Geiger (1969, p.15), predominava nessa época um pensamento que visava dirigir o processo de regionalização para o desenvolvimento de uma região, adotando-se como procedimento prático o estabelecimento de locais para servirem de pólos e da política dos benefícios fiscais, vistos como fatores básicos para a atração de indústrias (GARDIN, 2009, p.21, grifo nosso).

No CIBPU foi “o distanciamento de Lebret e a reformulação de sua orientação com a liderança de Delfim Netto tem como resultado a inserção dos polos e desenvolvimento.” (PEDROSA, 2017, p. 2). Delfim Netto parece-nos um receptor da teoria do desenvolvimento polarizado espacialmente. Isso fica mais evidente ao consultarmos seu acervo, atualmente disponível na biblioteca da FEA/USP, onde encontramos textos que tiveram pouca circulação no Brasil, cuja a referência foi a teoria dos polos de desenvolvimento. Isso corrobora com a hipótese de Delfim Netto ter sido um leitor atento de François Perroux, demonstrando tal influência na orientação de pesquisas que partem dos pressupostos da polarização espacial como modelo de desenvolvimento. Como exemplo, encontramos os estudos de Paulo Haddad, no caso do município de Itaberito-MG21, entre outros.

Nas palavras do próprio Delfim:

completados os estudos hidrológicos das futuras usinas à jusante do [rio] Paraná, como Taquaraçu até Itaipu, partiu-se para os estudos dos Polos de Desenvolvimento Industrial, pois os Estados já caminhavam no sentido de implantação das indústrias com a utilização da energia elétrica disponível, aproveitamento as economias de escala e de aglomeração (DELFIM NETTO apud CHIQUITO, 2011, p. 202). No âmbito interno da CIBPU, representada pelo seu presidente Adhemar de Barros, o uso da teoria dos polos de desenvolvimento representando a virada na concepção de desenvolvimento regional marca-se a partir da 9ª Conferência dos Governadores22. A partir de então, a região da bacia Paraná-Uruguai foi substituída

pela noção de região centro-sul e a noção de desenvolvimento deixou de ser voltada para o aproveitamento integral de bacias hidrográficas e passou para a noção de polos de desenvolvimento, focando-se no processo de industrialização (CHIQUITO, 2011, p. 203).

21 Ver: Teoria dos pólos de desenvolvimento : um estudo de caso / Paulo Roberto Haddad, Jacques

Schwartzman. Belo Horizonte. CEDEPLAR. 1972.

Nesse sentido, temos que destacar que a adoção da noção de região centro- sul em detrimento das bacias hidrográficas foi o marco da transição teórica no CIBPU em suas análises para subsidiar o planejamento do desenvolvimento regional. “A partir dos estudos de regionalização dos geógrafos do IBGE, especificamente de Geiger, a definição centro-sul passa a ser utilizada amplamente nos estudos regionais e, especificamente, nos trabalhos da CIBPU (CHIQUITO, 2011, p. 202)”. Dessa forma, a noção de região Centro-Sul se populariza entre os especialistas a partir da elaboração feita pelo geógrafo ibgeano Pedro Geiger, que como veremos mais adiante, foi um dos animadores do uso da teoria dos polos de desenvolvimento no Brasil.

Os trabalhos com maior repercussão do uso da teoria dos polos de desenvolvimento foram os elaborados para cada estado correspondente a jurisprudência do CIBPU. “Assim sendo, no início da década de 1960, objetivando-se a escolha de polos impulsionadores do desenvolvimento dentro de cada estado da bacia [Paraná-Uruguai], a CIBPU desenvolveu trabalhos que foram denominados de Planos de Industrialização Regional/PIR”. (GARDIN, 2009, p. 149).

Os trabalhos para a elaboração do PIR iniciaram-se, por um lado, com um levantamento bibliográfico sobre os diversos setores da economia de cada estado-membro e, por outro lado, com seminários internos sobre a concepção a ser utilizada. Os seminários se basearam em dois trabalhos de François Perroux – A empresa motora em uma região e a região motora e Considerações em torno da noção de polo de crescimento – e no trabalho do prof. Jorge Ahumada – “Notas sobre o Problema de Desenvolvimento Regional (CHIQUITO, 2011, p. 214). O encarregado de orientar esses trabalhos foi o economista Delfim Netto, também responsável em inserir a teoria dos polos de desenvolvimento para dentro do CIBPU e para o cerne do DPS (PEDROSA, 2017, p.6 CHIQUITO, 2011, p. 2015). A CIBPU também destacou-se no círculo das missões estrangeiras, chegando organizar cursos.

Gardin alerta para uma certa sobreposição das esferas estaduais e federais. O que cabe destacar que já no governo J.K. há a criação da SPVESUD, que sua atuação corresponderia as mesma áreas de jurisprudência da CIBPU “com grande vantagem de possuir verbas federais garantidas por lei e com a desvantagem de prejudicar o planejamento regional da região, tendo em vista a ocorrência de sobreposição de funções” (GARDIN, 2002, p. 65)

Os trabalhos citados serviram como ponto de partida para descobrir mais sobre as imbricações da teoria de François Perroux, com o CIBPU, seus respectivos responsáveis e, de certa forma o resultado disso para o território brasileiro.

3.2 SUDENE e a experiência das Superintendências de Desenvolvimento Regional dos