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C APÍTULO II R EVISÃO DA L ITERATURA

1. O Currículo: Da Conceituação em Educação à Actualidade O conceito de currículo tem adquirido diversos significados ao longo dos

1.4. A Reconceptualização do Currículo: Transformações nos Anos

Enquanto os modelos tradicionais de currículo se limitam à actividade técnica de como fazer o currículo, as teorias críticas sobre o currículo colocam em questão os pressupostos existentes e reflectem a importância de desenvolver técnicas de como fazer o currículo (Silva, 2000; Pacheco, 2001).

Em França, em 1970, os ensaios de Althusser e de Bordieu e Passeron, filósofos da época, apareceram com teorizações críticas gerais sobre a ideologia curricular, colocando em causa o pensamento e a estrutura educacional tradicionais. O primeiro procurou fornecer as bases para as críticas marxistas da educação. Esta análise recai, segundo Silva (2000), na tentativa de estabelecer a relação entre a escola e a economia, entre a Educação e a produção, qual o papel da escola neste processo e sobre o seu contributo na reprodução da sociedade capitalista. Na Europa eram transmitidas as crenças sobre a organização social existente, através das matérias escolares, como boa e desejável. Baudelot e Establet desenvolveram em pormenor a tese althusseriana no seu livro “L’école capitaliste en France”.

Bordieu e Passeron não se limitaram à análise marxista. Desenvolveram uma crítica da Educação8, embora centrada no conceito de «reprodução»,

“afastava-se da análise marxista em vários aspectos. Além do conceito de «reprodução», a análise de Bordieu e Passeron desenvolvia-se através de conceitos que eram devedores, embora apenas metaforicamente, de conceitos económicos. Mas, contrariamente à análise marxista, o funcionamento da escola e das instituições culturais não é deduzido o funcionamento da escola e da cultura através de metáforas económicas. Nessa altura, a cultura não depende da economia: a cultura funciona como uma economia, como demonstra, por exemplo a utilização do conceito de «capital cultural»” (Silva, 2000:31).

Em 1971 sobressai na literatura inglesa uma «Nova Sociologia da Educação» – “Knowledge and control: new directions for the sociology of

education”, obra do sociólogo Michael Young, e no Brasil a obra de Paulo

Freire, “A Pedagogia do Oprimido”, assinalam um marco importante na teorização específica sobre o currículo. A obra de Paulo Freire difere das outras teorizações pelo facto da sua análise ser mais filosófica do que sociológica ou de economia política. A análise é baseada numa dialéctica hegeliana das relações do poder, da fenomenologia existencialista e cristã e de crítica do processo de dominação colonial pela sua dinâmica exclusivamente

8 Na obra “A Reprodução – Para uma Teoria do Ensino”, Bordieu e Passeron consideram que a dinâmica da

reprodução social está centrada no processo de reprodução cultural. É pela reprodução da cultura dominante que a reprodução mais ampla da sociedade é garantida. A cultura tem prestígio e valor social, considerado-se na cultura das classes dominantes, os valores, os gostos, os costumes, os comportamentos, modos de agir e os hábitos (habitus – estruturas sociais e culturais que se tornam interiorizadas). Esta cultura constitui-se como «capital cultural» pelo seu valor em termos sociais, na medida em que vale alguma coisa, uma vez que faz com que a pessoa que a detém obtenha vantagens materiais e simbólicas.

dominadora. Freire utilizou conceitos humanistas ausentes nas análises mais estruturalistas da educação. A sua teoria é claramente pedagógica, na medida em que ele não se limita a analisar como são a educação e a pedagogia existentes, mas apresenta uma teoria bastante elaborada de como elas devem

ser (Silva, 2000).

A obra de Young toma como ponto de partida o desenvolvimento de uma sociologia do conhecimento que consiste em destacar o carácter socialmente construído das formas de consciência e de conhecimento, bem como as suas estreitas relações com as estruturas sociais, institucionais e económicas. Nesse sentido, a sociologia do conhecimento escolar praticamente coincidiria com a sociologia mais geral do conhecimento. A ideia emergente de Knowledge

and control consiste “em delinear as bases de uma «sociologia do currículo». Young critica a tendência para tomar como dadas, como naturais, as categorias curriculares, pedagógicas e avaliativas utilizadas pela teoria educacional e pelos educadores” (Silva, 2000:68). Sobretudo, coloca em questão essas

categorias, mostrando o seu carácter histórico, social, contingente e arbitrário, em oposição a uma filosofia do currículo centrada em questões epistemológicas. Neste sentido, a Nova Sociologia da Educação quer saber o que conta o conhecimento sem se preocupar em saber como se aprende, apenas centrando-se na crítica sociológica e histórica do currículo. Entretanto, a influência desta visão sociológica e histórica acabou por decrescer no início da década de 80, dando lugar a perspectivas mais eclécticas que aliavam análises mais sociológicas com teorizações mais pedagógicas.

Nos EUA aparece a renovação da teorização do currículo com o «movimento de reconceptualização», com teorizações centradas de forma mais localizada nas questões do currículo. Em 1976, Samuel Bowles e Herbert Gintis, dois economistas, colocam a ênfase na aprendizagem através da vivência das relações sociais da escola, das atitudes necessárias para se qualificar como um bom trabalhador capitalista.

O «movimento de reconceptualização» pretendia incluir tanto as vertentes marxistas como as vertentes fenomenológicas. No entanto, para autores de inspiração marxista como Michael Apple (1979), o movimento de reconceptualização, embora constituísse um questionamento do modelo técnico dominante, era entendido como um retrocesso ao “pessoal, ao

narcisístico a ao subjectivo. No final, o rótulo da «reconceptualização» que caracterizou um movimento hoje dissolvido no pós-estruturalismo, no feminismo, nos estudos culturais, ficou limitado às concepções fenomenológicas, hermenêuticas e autobiográficas de crítica aos modelos tradicionais de currículo” (Silva, 2000: 38). A perspectiva fenomenológica de currículo

fundamenta-se em pressupostos epistemológicos, sendo a mais radical das perspectivas críticas. Rompe com a epistemologia tradicional baseada na estrutura do currículo em disciplinas ou matérias. Assim, as formas de compreensão técnica e científica, implicadas na organização do currículo por disciplinas, não fazem sentido, passando o currículo a ser visto, na nova perspectiva, como experiência e como local de interrogação e questionando da experiência.

Tal como outros autores na fase inicial de crítica, Henry Giroux, nos seus primeiros livros – “Ideology, culture, and the process of schooling” (1981) e “Theory and resistance in education” (1983) – constituiu-se como uma reacção às perspectivas empíricas e técnicas sobre currículo então dominantes. Critica a racionalidade técnica e utilitária, assim como o positivismo das perspectivas dominantes sobre currículo. Na análise de Giroux, estas perspectivas ao concentrarem-se em critérios de eficiência e racionalidade burocrática, deixavam de ter em consideração o carácter histórico, ético e político das acções humanas e sociais e, particularmente, do conhecimento a integrar no currículo. Acredita que é possível desenvolver uma pedagogia e um currículo que tenham um conteúdo claramente político, e que seja crítico das crenças e dos arranjos sociais dominantes compreendendo, assim, o currículo através de conceitos de emancipação e libertação (Silva, 2000).

1.5. Concepções Político-Sociais na Escola Portuguesa: Intenções