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C APÍTULO II R EVISÃO DA L ITERATURA

1. O Currículo: Da Conceituação em Educação à Actualidade O conceito de currículo tem adquirido diversos significados ao longo dos

1.9. Fundamentos do Currículo versus Diversidade

Enquanto plano de intenções definidas por normativos ou teorizações num contexto macro, o currículo é uma proposta de carácter político, pela direcção e opções tomadas; no entanto, quando contextualizado a uma dada realidade, num contexto micro, há que reconhecer a diversidade, pluralidade e necessidades do público-alvo, bem como as decisões de organização, a que chamaremos de micro-política de escola.

A heterogeneidade obriga os professores e as escolas a reconsiderar as estratégias de adequação do currículo face aos alunos, pelos seus estilos de aprendizagem, pelos seus interesses, pelos seus pontos de partida e também pela sua disponibilidade interior para aprender.

Quando uma instituição como a escola obrigatória se depara com toda a diversidade social dos alunos e sendo, pela sua história, um modelo para assimilar a variedade multicultural, é natural que não encare bem essa circunstância. Uma escola comum que satisfaça o ideal de uma educação igual para todos pressupõe, à partida, um currículo também comum no espectro social das comunidades humanas, acolhendo sujeitos tão diversos, o que parece uma contradição ou uma impossibilidade (Gimeno, 2000).

O direito básico dos indivíduos à Educação em condições de igualdade, de um ensino com conteúdos e fins comuns, obriga a aceitar o desafio de tornar compatível, na escolaridade obrigatória, um projecto válido para todos

Línguas__________________________________________________________ Matemática______________________________________________________ História_________________________________________________________ Ciências da Natureza_____________________________________________ Expressões______________________________________________________ …________________________________________________________________

com a realidade da diversidade. A escola deve ser integradora de todos, pois caso contrário, trairá o direito universal à Educação.

A mescla de culturas existentes hoje nas nossas escolas, consequência da assimilação de públicos que estavam fora da escolaridade e, mais recentemente, da população imigrante para o espaço da União Europeia, põe em evidência as dificuldades de integração dos indivíduos caracterizados como desiguais.

Na actualidade, “uma das grandes visões que se constituem nos

discursos educativos são em torno da cidadania, da cultura e, inevitavelmente, da educação. A cidadania constitui um grande projecto a partir do qual surge uma agenda de problemas a constar na educação, dando motivo a um vasto programa de temas para abordar nas finalidades dos conteúdos dos currículos das práticas educativas numa micro-política de instituições escolares e da política educativa em geral” (Gimeno, 2001: 154).

Ao considerar as culturas, em sentido étnico, em pé de igualdade umas com as outras, a multiculturalidade implica reconhecer que existem comunidades distintas, nas quais existirão conflitos na educação quando várias culturas convivem em conjunto num mesmo território (Gimeno, 2001).

As implicações das questões multiculturais e de pobreza têm efeitos, na maioria das vezes, no sucesso académico. Como exemplo existem os casos de certas populações estudantis linguísticas e culturalmente desfavorecidas nos EUA que são, muitas vezes, explicados por falta de programas educacionais e métodos de ensino cognitivamente ou linguisticamente adequados. Assim, “a

solução para o problema do insucesso escolar tende a ser resolvida, numa primeira instância, em termos metodológicos e mecânicos desvinculados da realidade sociocultural. Ou seja, a solução para o insucesso dos estudantes de culturas minoritárias é normalmente reduzida ao encontrar métodos e estratégias ou currículos pré-concebidos ou correctos que funcionem com alunos que não respondem de forma prevista à chamada instrução «normal» ou regular”

(Bartolomé, 2006: 16).

Estudos recentes começaram a identificar os programas educacionais considerados de sucesso com alunos de minorias populacionais linguísticas e culturais (Bartolomé 2006), além do interesse específico em identificar as estratégias de ensino mais eficazes para trabalhar com alunos cultural e

linguisticamente diferentes e outros alunos desfavorecidos ou em situação de risco citados pela mesma autora. Todavia, considera que “embora seja

importante identificar programas e estratégias úteis e promissoras, constitui um erro pressupor que a simples repetição de programas de instrução ou o domínio de alguns métodos particulares de ensino garantam, por si só, o sucesso da aprendizagem, especialmente quando estamos a discutir populações que historicamente têm sido maltratadas e mal educadas pela escola” (Bartolomé,

2006:16).

Uma outra análise, centrada nas desigualdades sociais, é-nos mostrada por Berliner (2006), da Universidade de Estado do Arizona, nos EUA, estudando os efeitos da redução da pobreza e sua influência do rendimento académico. Constatou que a pobreza nos EUA é maior e numa duração mais longa do que noutras nações ricas; segundo, a pobreza, particularmente entre as minorias urbanas, associa-se ao desempenho académico, que está abaixo das médias internacionais realizadas num número de avaliações diferentes. A influência de factores ambientais, da família e da comunidade e os problemas de saúde nas crianças pobres, o absentismo escolar, bem como a segregação com base na raça e etnia, têm um papel relevante no insucesso. Constatou que, através de mudanças nos factores ambientais, como o aumento do rendimento das famílias pobres e melhoria dos problemas de saúde mental e física, reduzindo a pobreza, conduzem a aumentos no comportamento positivo da escola e melhoram o desempenho académico. Para Berliner (2006), a evidência da influência positiva sobre a realização do aluno, quando as famílias podem deixar a pobreza é consistente e relevante, sugerindo que a reforma dentro das escolas deve começar por reformas fora da escola e pela melhoria da qualidade de vida da população desfavorecida. Neste sentido, Torres (2006) refere que as classes sociais baixas e os grupos sociais e étnicos mais desfavorecidos são os que precisam insistentemente de um Estado que se preocupe em reequilibrar as disfunções e injustiças sociais.

Outra das problemáticas que se enquadra no domínio da influência dos factores ambientais de risco e que produz situações diversas nas escolas está relacionada com as Necessidades Educativas Especiais dos alunos27. A

27 A inclusão de alunos com NEE, realçada na Declaração de Salamanca (1994), apela claramente para o

facto de que todos os alunos devem aprender juntos, sempre que possível, independentemente das

etiologia dessas necessidades é variada, para além das deficiências congénitas ou adquiridas por razões do foro médico ou provenientes de risco ambiental, conduzindo à necessidade de estratégias inclusivas para os alunos com NEE.

Centrar a intervenção educativa no grupo/turma e na escola, em vez de a centrar no défice do aluno é o caminho para a escola e para a educação inclusivas, numa perspectiva de educação para todos, a qual tem vindo a ser continuadamente relembrada através de declarações da UNESCO28.

Apesar dos desenvolvimentos ocorridos no campo da educação inclusiva como movimento para mudar as escolas, a fim de as tornar capazes de responder à diversidade humana e a todos os alunos em situação de risco, continua-se a verificar-se em muitos países que a legislação não é implementada com sucesso e as crianças com NEE continuam a enfrentar barreiras que, de acordo com a lei, deveriam ter sido removidas pelas escolas ou pelas autoridades educacionais locais (Ainscow, 2003). Assim, o currículo é um dos aspectos centrais que deve ser levado em conta para produzir alterações na escola no sentido da inclusão. É, sobretudo, ao nível curricular que as reformas das escolas têm mais dificuldades em alterar. Os conteúdos, o elenco das disciplinas, o tempo semanal a elas destinado, a dimensão e organização das turmas, os processos de avaliação, entre outros, requerem uma diferenciação que deve equacionar qual a amplitude dessa diferenciação, se se deve considerar só os distintos pontos de partida dos alunos ou se se deve proporcionar diferentes percursos de aprendizagem para atingir um mesmo objectivo final ou, ainda, diferenciar também os objectivos que se querem ver atingidos. Para muitos autores, os conteúdos da escolaridade básica são o limite para a diferenciação, contudo há que perceber até onde é desejável o currículo diferenciar-se (Rodrigues, 2003).

O recente Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, define Necessidades Educativas Especiais de carácter

permanente e coloca o foco nas limitações significativas ao nível da actividade e participação num ou em

vários domínios da vida, decorrentes de alterações funcionais e estruturais, dificuldades continuadas ao nível da comunicação, da aprendizagem, da mobilidade, da autonomia, do relacionamento interpessoal e da participação social, através da mobilização de serviços especializados e adequação de recursos com base na identificação dos casos, segundo a CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, da OMS). Esta classificação encontra-se em investigação nalguns países. Conduzido pela European Agency for Development in Special Needs Edcation, está a ser desenvolvido um projecto com a participação de 23 países para aplicação do referencial CIF-CJ (versão para crianças e jovens). Em Portugal foi incluída a avaliação das NEE pelo referencial CIF sem nunca antes ter sido alvo de investigação empírica.

28 Entre as quais se destaca a Acção de Dakar (2000), cujo objectivo principal é atingir a Educação para

Todos até ao ano 2015; a Declaração de Madrid (2002), com o princípio de «Não discriminação mais Acção positiva fazem a Inclusão social» e o Flaship, grupo de especialistas criado no âmbito da UNESCO para fomentar o movimento da Educação Inclusiva, pretendendo dar resposta à necessidade de uma preocupação