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A reestruturação produtiva do capitalismo mundial

5 O SOFRIMENTO DO TRABALHO NA SADIA S.A DE

1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA

2.2.2 A reestruturação produtiva do capitalismo mundial

A partir da década de 1970, o capitalismo mundial passa a dar sinais de crise estrutural demonstrada pela queda da taxa de lucros; pelo aumento do preço da força do trabalho; pelo esgotamento do padrão de acumulação do processo de produção baseado no taylorismo/fordismo; pela autonomia relativa da esfera financeira frente aos capitais produtivos; pela maior concentração de capitais graças às fusões entre as empresas monopolistas e oligopolistas; pela crise do estado do bem- estar-social, e pelo incremento acentuado de privatizações, desregulamentações e flexibilização do processo de produção, dos

mercados e da força de trabalho (ANTUNES, 1999, p. 29-30). E, como resposta à sua própria crise:

Iniciou-se um processo de reorganização do capital e de seu sistema ideológico e político de dominação, cujos contornos mais evidentes foram o advento do neoliberalismo, com a privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos do trabalho e a desmontagem do setor produtivo estatal, da qual a era Thatcher-Reagan foi expressão mais forte; a isso se seguiu também um intenso processo de reestruturação da produção e do trabalho, com vistas a dotar o capital do instrumental necessário para tentar repor os patamares de expansão anteriores. (ANTUNES, 1999, p. 31).

Esta reestruturação produtiva que ocorre no processo de produção e no processo de trabalho, se inicia na Europa e em alguns países das Américas na década de 1970 e, no Brasil, na década de 1990. E, como reestruturação produtiva, adota-se a análise feita por Alves (2000, p. 11), quando nos diz:

O que denominamos ‘complexo de reestruturação produtiva’19 envolve um sistema de inovações tecnológicas - organizacionais no campo da produção social capitalista - por exemplo, a robótica e a automação microeletrônica aplicada à

19 O processo denominado toyotismo trouxe várias inovações para o mundo do trabalho, vários

programas, e, conforme Margarida Maria Silveira Barreto, em sua obra, Violência, Saúde e Trabalho (uma jornada de humilhações), São Paulo, Educ, 2a. Reimpressão, 2006, p. 99, temos os seguintes programas: “Kanban (cartão) e Just in time (no momento certo): produção sem estoque, que somente é reposto no final do processo. Essas técnicas operacionais caracterizam-se por mudanças no plano da empresa e nos métodos de trabalho. CCQ e TQM: programas de controle de qualidade total tendo em vista o aumento dos lucros. SOL: solidariedade, organização e limpeza. TPM: manutenção produtiva total. CEP: controle de qualidade integrado ao processo, objetivando detectar os erros e os defeitos precocemente e não posteriormente. ISO: International Organization for Standartization (Organização Internacional para Normatização Técnica). São normas internacionais que sistematizam os pré-requisitos necessários para produzir com qualidade e evitar ‘abusos econômicos ou tecnológicos dos países mais desenvolvidos’ (MARANHÃO, 1994, p. 13). A responsabilidade pela implementação das normas passa a ser tanto dos empregadores como dos trabalhadores, devendo”. ‘todos’ estarem conscientes e interessados em seguir as regras e ter disciplina, para maior produtividade. Se a empresa cumpre os pré-requisitos estabelecidos, recebe o certificado ISO; significa que seus produtos, sua produção e seus fornecedores possuem as características exigidas e descritas em projetos, catálogos ou listas de especificações. A ISO série 9000 se refere exclusivamente à qualidade [...] Em 1987, a ISO oficializou a série 9000, que tem enorme valor para a Comunidade Econômica Européia. Nas empresas, os trabalhadores são nomeados cooperadores, associados, financiadores”.

produção; as novas modalidades de gestão da produção, tais como os CCQs e Programas de Qualidade Total, a série de racionalização da produção, tais como os ‘downsizing’ e a reengenharia (muitas das racionalizações produtivas decorreram de novos patamares de centralização e concentração do capital, por meio de fusões, aquisições e diversificações corporativas, que implicaram- e ainda implicam- demissões em massa). Além disso, é um importante componente do processo de reestruturação produtiva, dos vários tipos de descentralização produtiva, tais como a terceirização ou as relocalizações industriais, que implicam o fechamento de fábricas num local e abertura em outro, ou ainda a instauração de novas legislações trabalhistas de cariz flexível, que criam nova regulação institucional do trabalho assalariado, adaptando-o às necessidades imperiosas do capital em processo.

Com a reestruturação produtiva do mundo do trabalho e da produção, como resposta do capital a sua própria crise estrutural iniciada na década de 1970, tem-se a formatação de um novo processo de organização do trabalho, visando permitir uma nova forma de acumulação do capital. Assim, começa a ser adotado o processo de organização do trabalho denominado de toyotismo.

Este processo de organização do trabalho surge no Japão, na realidade do contexto econômico após a Segunda Guerra Mundial, realidade esta bastante diversa da época em que surge o processo anterior, taylorista-fordista: enquanto o processo produtivo taylorismo- fordismo germina dentro de uma economia em crescimento, o toyotismo surge num contexto de crescimento econômico lento. Idealizado pelo engenheiro Taiichi Ohno, da fábrica da Toyota (daí o nome toyotismo), este tinha, por um lado, a necessidade de impulsionar um aumento simultâneo da produtividade nos limites da produção que não se baseava em grande escala; e por outro, na necessidade de produzir pequenas quantidades de diversos modelos.

O mesmo trouxe a idéia da multifuncionalidade - isto é, um só trabalhador deve ser capaz de operar várias máquinas, fazer diversas funções na fábrica, ao contrário do processo anterior, onde cada operário fazia uma única tarefa. Esta multifuncionalidade, que criou os operários ‘multifuncionais, polivalentes’ fez com que muitos operários fossem

desempregados, pois, pela reestruturação, vários postos de serviços foram ocupados por um único trabalhador. Criaram-se as células, veio a flexibilização do trabalho como conseqüência e se voltou ao trabalho a domicílio.

Outros autores, tais como Harvey, ao discutir a reestruturação produtiva, diz que a profunda recessão de 1973 colocou em processo um conjunto de mudanças que solapou o compromisso fordista. As décadas de 70 e 80 do século passado foram um conturbado período de reajustamentos políticos e econômicos:

No espaço social criado por todas essas oscilações e incertezas, uma série de novas experiências nos domínios da organização industrial e da vida social e política começou a tomar forma. Essas experiências podem representar os primeiros ímpetos da passagem para um regime de acumulação inteiramente nova, associada com um regime de acumulação política e social bem distinta (HARVEY, 1989, p. 140).

Harvey diz que o toyotismo, como um processo de organização do trabalho, faz surgir um novo regime de acumulação20 flexível que se confronta com a rigidez do fordismo. Esta acumulação flexível implica em ampliação das formas de exploração da força de trabalho para que o capital possa retomar a sua taxa de lucro e é assim caracterizada por este autor:

Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo desenvolvimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados, e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões de desenvolvimento desiguais tanto entre setores

20

Segundo Harvey (1989, p. 117) “Um regime de acumulação descreve a estabilização, por um longo período, da alocação do produto líquido entre consumo e acumulação; ele implica alguma correspondência entre a transformação tanto das condições de produção como das condições de reprodução de assalariados” [...] Tem de haver portanto, “uma materialização do regime de acumulação, que toma a forma de normas, hábitos, leis, redes de regulamentação etc. que garantam a unidade do processo, isto é, a consistência apropriada entre comportamentos individuais e o esquema de reprodução. Esse corpo de regras e processos sociais interiorizados tem o nome de modo de regulamentação” (LIPIETZ, 1986, p.19).

como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no chamado ’setor de serviços’, bem como conjuntos industriais completamente novos em regiões até então subdesenvolvidas (tais como a “Terceira Itália”, Flandres, os vários vales e gargantas do silício, para não falar da vasta profusão de atividades dos países recém-industrializados). Ela envolve também um novo movimento que chamarei de “compressão do espaço-tempo” (ver parte III) no mundo capitalista – os horizontes temporais da tomada de decisão privada e pública se estreitaram, enquanto a comunicação via satélite e a queda dos custos de transporte possibilitaram cada vez mais a difusão imediata destas decisões num espaço cada vez mais amplo e variado. (HARVEY, 1989, p. 140).

A acumulação flexível permite que os empregadores exerçam maior poder sobre os empregados através da ampliação do controle do capital sobre o trabalho. Os trabalhadores, acuados pelo aumento dos níveis de desemprego, veem seu poder sindical diminuir diante de ofensivas patronais e estatais contra os direitos trabalhistas e sociais conquistados ao longo das lutas operárias do século XX (HARVEY, 1989, p. 141).

Tem-se que, pela reestruturação produtiva o mercado de trabalho foi reestruturado radicalmente. Diante da forte volatilidade do mercado, do aumento da competição e do estreitamento dos lucros, os patrões tiraram proveito do enfraquecimento dos sindicatos e da ampliação do exército industrial de reserva para impor regimes e contratos de trabalho mais flexíveis. Por toda parte se vê a redução do emprego regular em favor do crescente uso do trabalho em tempo parcial, temporário ou subcontratado (HARVEY, 1989, p. 143).

Em síntese, como resposta à crise estrutural do capital surge um novo regime de acumulação, que pode ser denominada como

acumulação flexível. E, para que este regime de acumulação pudesse

ser implantado, havia necessidade de provocar mudanças no mundo do trabalho. Essas mudanças ocorrem com o novo processo de organização do trabalho denominado de toyotismo. Mas, é necessário frisar que a crise não era do trabalho e sim, do capital, e para o capital fazer frente a sua própria crise, precisaria de novo patamar para poder extrair mais- valia. Por isso, reorganiza o mundo do trabalho com um novo processo,

o toyotismo, e um regime de acumulação denominado de acumulação flexível.

Analisado o capitalismo no mundo após a década de 70 e sua reestruturação produtiva, passamos à analise do capitalismo no Brasil e a reestruturação produtiva ocorrida no país após a década de 1980.

2.3 O CAPITALISMO NO BRASIL E A REESTRUTURAÇÃO

PRODUTIVA NO PAÍS

Para entender qual o papel desempenhado pelo Estado brasileiro para a implantação da Sadia S.A. na cidade de Chapecó, é importante ter-se presente qual é o papel do Estado no modo de produção