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A Reforma Educacional e o cinema educativo no Distrito Federal

FAÇANHAS DO LULU

2.4. O Cinema Educativo e o Estado: as leis, decretos, instituições e exposições em prol do cinema educativo.

2.4.1. A Reforma Educacional e o cinema educativo no Distrito Federal

O debate sobre o uso do cinema para fins científicos e educacionais não ficou restrito a um determinado país ou continente, mas se configurou como uma preocupação geral, possivelmente estimulada pelas características do próprio cinema. A nova invenção, com seus “poderes” de reprodução da realidade, acenava para a possibilidade de conhecer o até então inimaginável, como localidades distantes, povos desconhecidos, etc.

O Brasil demonstrou logo cedo, como já vimos, interesse nos benefícios que o cinema poderia oferecer, como exemplificam as experiências do Cinema

Escolar e as fitas pedagógicas, bem como os registros da expedição de

Rondon e os filmes de Roquette-Pinto sobre os índios Nhambiquara.

Mesmo havendo defensores e entusiastas do cinema educativo desde os primórdios do cinema, como Jonathas Serrano, Venerando da Graça e outros, nenhuma medida oficial havia sido implementada no país com relação ao uso do cinema na educação até 1928. Esse foi o ano que, pela primeira vez, uma medida em relação à regulamentação do uso do cinema educativo foi

114 aprovada. Fernando de Azevedo, Diretor Geral de Instrução Pública do Distrito Federal, promoveu na capital federal, em 1928, uma Reforma Educacional, comumente conhecida como Reforma Fernando de Azevedo.

O Decreto nº 3.281, de 23 de janeiro de 1928, que organizava o ensino municipal do Distrito Federal, em seu artigo 296, título IV Do cinema escolar e

do rádio, tratava do uso do cinema nas escolas. O Decreto 2.940 de 22 de

novembro de 1928, que regulamentara a lei 3.281, traz em seus artigos 633, 634 e 635 as seguintes disposições sobre o cinema educativo:

Art. 633 - As escolas de ensino primário, normal, doméstico e profissional, quando funcionarem em edifícios próprios, terão salas destinadas à instalação de aparelhos de projeção fixa e animada para fins meramente educativos, bem como a instalação de aparelhos de radiotelefonia e alto-falantes.

Art. 634 - O cinema será utilizado exclusivamente como instrumento de educação e como auxiliar de ensino que facilite a ação do mestre sem substitui-lo.

§ 1º - O cinema será utilizado, sobretudo para o ensino científico, geográfico, histórico e artístico.

§ 2º - A projeção animada será aproveitada como aparelho de vulgarização e demonstração de conhecimentos, nos cursos populares noturnos e nos cursos de conferencias.

Art. 635 - A Diretoria Geral de Instrução Pública orientará e procurará desenvolver, por todas as formas, e mediante a ação direta dos inspetores escolares, o movimento em favor do cinema educativo. Parágrafo único – As associações de pais e professores, sob a presidência dos respectivos Inspetores escolares, trabalharão para que o cinema seja vulgarizado e posto à disposição de todas as escolas.

Essas foram as primeiras medidas oficiais a favor do uso do cinema na educação. Ao analisarmos as disposições dos artigos que discorriam sobre o uso do cinema educativo temos a impressão de que as medidas, incluídas no amplo programa de reorganização do ensino do Distrito Federal, não assegurariam, nem em caso de cumprimento, o pleno uso do cinema como instrumento educacional. Tentaremos explicar melhor: o artigo citado acima indica que, quando uma escola funcionar em edifício próprio, haverá uma sala destinada para o uso do cinema e também instalação de aparelhos. Ora, se pensarmos na educação brasileira no final da década de 1920, verificaremos

115 que, não uma escola com sede própria, mas até mesmo uma escola era algo escasso, como apontou Anísio Teixeira, em Relatório do primeiro ano de sua administração na Diretoria Geral de Instrução, em 1932.

o aspecto mais impressionante dos problemas de educação pública, no Rio de Janeiro, D.F., [...] é o da insuficiência de escolas para atender a milhares de crianças em idade escolar, que, em plena capital do país, deveriam ter direito, pelo menos, às oportunidades elementares da educação primária. (TEIXEIRA, 1932, p.307).

Observemos que, nessa época, países como os Estados Unidos, a França, a Alemanha, e a União Soviética, há muito já tinham estendido consideravelmente o acesso à educação. Já no Brasil, em plena Capital Federal, como se vê nesta passagem, a situação era calamitosa. Isso diz muito sobre o poder político estabelecido, a estreiteza mental das elites oligárquicas, e a enorme força de produção e reprodução da desigualdade social nessa república. Lembramos, ainda, que Anísio Teixeira sucedeu Fernando de Azevedo em 1932 na Diretoria de Instrução Pública do Distrito Federal, ou seja, podemos inferir que o problema deveria então ser mais grave ainda no período precedente, em 1928, ano da promulgação do Decreto 2940 sobre a regulamentação do cinema educativo. Percebemos que, considerada a realidade caótica, a legislação proposta, além de não mostrar maior familiaridade com problemas efetivos ― como seria o de instalar e manter, com recursos públicos suficientes, salas próprias para projeção em cada escola ―, também não parecia atenta à realidade com a qual teria que lidar.

Um outro aspecto a ser destacado diz respeito ao recrutamento dos inspetores escolares e a composição da Associação de Pais e Mestres para trabalharem na divulgação do cinema educativo a fim de torná-lo acessível às escolas.

A Associação de Pais e Mestres que fazia parte das chamadas “instituições auxiliares da escola”, foi apontada por Lourenço Filho (1931, p.144) como uma “das três novas instituições escolares da reforma” que segundo ele “bastar[iam] para fazer mudar de rumo, automaticamente, as mais arraigadas ideias da

116 educação de antanho”. 79

Se considerarmos que esse grupo (professores, pais e inspetores escolares) seria, teoricamente, o mais interessado no êxito do uso do cinema na educação, é possível compreender porque o Estado os convoca para uma provável viabilização desse projeto. Sabemos que o “novo” gera, muitas vezes, insegurança, resistência e até medo. No caso do uso de um instrumento com tantas possibilidades como o cinema, e até certo ponto recente, as dificuldades em aceitá-lo poderiam ser maiores.

Mas a responsabilidade para que o cinema educativo não se tornasse uma realidade nas escolas não poderia ser atribuído à resistência ou não do professor. Os artigos do Decreto nº 3.281 que trataram do tema são claros quanto à importância do cinema para fins educativos, mas, por outro lado faltaram determinações e informações precisas de como, quando e por quem seriam feitas as aquisições de fitas para uso nas escolas. Ou seja, os problemas cruciais quanto à destinação de verbas para suportar as mudanças introduzidas ficavam sem ser equacionados.

Não obstante cabe ressaltar a ideia de “vulgarização” de conhecimentos e do envolvimento de um corpo profissional o que nos remete a incorporação do cinema educativo na cultura escolar.