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Primeira Exposição de Cinematografia Educativa – Distrito Federal

FAÇANHAS DO LULU

2.4. O Cinema Educativo e o Estado: as leis, decretos, instituições e exposições em prol do cinema educativo.

2.4.2. Primeira Exposição de Cinematografia Educativa – Distrito Federal

Ainda na administração Fernando de Azevedo no Distrito Federal, foi criada em 1929 uma Comissão de Cinema Educativo, presidida por Jonathas Serrano, então Subdiretor Técnico de Instrução Pública. Faziam parte dessa comissão como membros efetivos os inspetores escolares Paulo Maranhão e Maria Loreto Machado, o inspetor médico Sergio de Almeida Magalhães, o diretor da Escola Profissional Manoel Marinho, os professores Everardo Backheuser, Francisco Venancio Filho e Nereu Sampaio, e os adjuntos Elóra Possólo e Paschoal Lemme.80 Foi à frente dessa Comissão que Jonathas Serrano

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As outras duas eram as bibliotecas escolares e o cinema educativo.

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117 organizou a Primeira Exposição de Cinematografia Educativa, realizada entre os dias 20 e 31 de agosto de 1929, na Escola Jose de Alencar, localizada no Largo do Machado, na cidade do Rio de Janeiro. Segundo os organizadores do evento esta exposição teria como “fim orientar o professorado quanto à escolha de tipos de aparelhos de projeção fixa e animada, manejo e conservação de máquinas, películas e todos os dispositivos necessários”.81

Essa exposição recebeu destaque nos jornais diários e na imprensa especializada. Vale a pena destacar uma entrevista de Cecília Meirelles, que foi uma das organizadoras da exposição, sobre a importância do cinema educativo. A entrevista foi publicada no período da exposição, sendo desse modo um elemento a mais, não só de incentivo e promoção do evento, mas principalmente do uso do cinema como instrumento na educação:

Um dos elementos de mais imediata importância nas escolas de hoje – continuou a Sr.ª Cecilia Meirelles – é o cinema educativo. Ao lado do “learning by doing” das escolas americanas, poder-se-ia inscrever também o “learning by seeing”. Porque, na verdade, nós, e as crianças, também aprendemos vendo. Há uma generalizada cultura popular que em grande parte se deve a essa difusão de conhecimento que o cinema-diversão insensível, mas progressivamente, faz. O cinema nos mostra paisagens de todas as zonas, animais de todas as faunas, costumes de todos os tempos e regiões. O espírito das épocas e das raças se faz evidente através dos filmes históricos. E os tempos atuais, com os mais recentes inventos, com as mais arrojadas aventuras, podem ser vividos e compreendidos em toda a sua intensidade dentro de poucos minutos sobre uma tela próxima”. Além de instrutivo, o cinema pode ser considerado até curativo, quando projeta um Buster Keaton, e filosófico, quando apresenta Chaplin. Mas o que interessa ao professor, em primeiro lugar, é que a criança, como o adulto, ou mais que ele, aprecia vivamente o cinema. Isso, não mais, seria suficiente para afirmar que o cinema é uma necessidade das escolas. Todos que já tiveram oportunidade de fazer uma projeção luminosa numa escola, qualquer que fosse o assunto, hão de ter observado o seguinte: que o simples fato de pôr ao alcance da criança o cinema ou a simples projeção fixa tem para a criança uma realidade tão grande que as menorzinhas tentam pegar com as mãos as figuras projetadas: que, após uma projeção, a lembrança das imagens vistas é mais nítida e mais duradoura que a das mesmas imagens oferecidas por meio de uma lição falada, e mesmo pela simples apresentação de figuras. Chego a crer que as coisas vistas por esse meio sejam mais bem observadas que na natureza. (Jornal do Comércio, 28/08/1929)

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118 Este notável documento de testemunho de Cecília Meireles, informa-nos de maneira bastante vívida da ebulição que então ocorria em torno das perspectivas do cinema educativo. Ao que parece, havia, ao menos nos meios educados na elite brasileira, uma visão muito otimista dos poderes do cinema para o ensino. Ainda que o antigo tópico da educação pela visão esteja aqui reapresentado, vemos uma apreciação muito intuitiva da capacidade do cinema, numa época que era ainda recente, de confundir o público infantil entre a imagem e a realidade (“tentam pegar com as mãos as figuras projetadas”). Mas, além desse elemento, vemos também reafirmada a constatação que repetimos frequentemente nas páginas anteriores: não havia limite de idade para ingresso nas salas de cinema. Isso é algo muito significativo se, como também viemos constatando até aqui, havia uma amargurada crítica dos males causados pelos conteúdos impróprios dos filmes no cinema comercial. A convivência dessas duas situações opostas parece documentar o fato de que ainda não havia da parte da sociedade quanto ao cinema, que continuava a ser uma novidade embora já existisse há mais de três décadas, uma clara noção de como impor limites ao público. Isso, muito provavelmente, se deve ao fato de que na época, bastante diversa da nossa, o apelo do cinema como diversão pública era muito forte. A própria inexistência do rádio e da televisão como diversões de massa, fazia com que parecesse natural que todos fossem aos cinemas. O cinema assim dá continuidade às antigas formas de diversão públicas que se situavam mais no espaço da rua do que na intimidade doméstica. É possível, e isso talvez explique um pouco do entusiasmo de Cecília Meireles, que o cinema educativo fosse visto como a melhor correção para os males originados da frequência indiscriminada permitida no cinema comercial.82

Retornando à exposição cinematográfica, vale destacar que impressos especializados em cinema, já então existentes, como O Fan e a revista

Cinearte, também divulgaram o evento. Os jornais cobriram o acontecimento

desde os preparativos, iniciados com as reuniões da Comissão de Cinema Educativo, passando pela reprodução do discurso de inauguração, que foi

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Veremos em seguida, com o discurso de Jonathas Serrano na abertura da exposição, que era exatamente como antídoto para o cinema corrente que se via o cinema educativo.

119 proferido pelo Subdiretor Técnico de Instrução Pública, Jonathas Serrano, e a divulgação de toda a programação da Exposição. 83 Em um momento de sua fala Serrano lembra que o poder de sedução exercido pelo cinema é incontestável restando com isso à possibilidade de se fazer bom uso de suas qualidades. Vejamos o que ele disse:

O valor educativo do cinema só poderá ainda ser posto em dúvida por quem esteja alheado dos problemas da psicologia experimental. A força de sugestão das imagens animadas é deveras formidável. [...] Se não for para construir, será para destruir. Tem sido, é ainda não raro, para obra de solapa ou oversão. Urge, de agora em diante, que o seja, em fortes alicerces psicológicos e pedagógicos, para obra duradoura da educação nacional.” (Jornal do Brasil, 22/08/1929)

Outros aspectos de sua fala são pertinentes destacar. Segundo Serrano, este foi o “primeiro passo para organização metódica do cinema escolar nos vários distritos dessa capital. E não apenas do cinema escolar stricto sensu, mas do cinema educativo em larga acepção do termo”.84

Pensamos que, assim, o autor e idealizador da exposição atribuiu a si o papel de responsável pelo “primeiro passo” importante, já que ele próprio havia afirmado que houve tentativas nessa direção, mas que foram “apenas de natureza provisória”.85

Para fundamentar sua defesa do cinema educativo, Serrano citou como modelo a Sociedade das Nações que, ao tomar o Instituto Internacional de Cinema Educativo (IICE), sob sua responsabilidade ratificou a importância do cinema como uma força capaz de transmitir aos povos noções de civilização, higiene, costumes, tradições, etc., ou seja, o poder de educar em larga escala.

Em outubro de 1929, foi publicado um artigo de Aloisio de Castro, na RICE.86 O artigo intitulado, The use of the film in the study of nervous diseases, discorre sobre a contribuição do uso do cinematógrafo na ciência médica, principalmente no campo das doenças nervosas. O médico enfatiza ainda que o maior problema para o uso mais frequente do cinema no estudo/ensino de medicina é o elevado custo dos filmes, mas segundo ele:

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Jornal do Brasil 22 de agosto de 1929

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Jornal do Brasil 17/08/1929

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Conf. Serrano & Venancio, Cinema e educação, 1930.

86 Médico brasileiro que foi membro da Comissão de Cooperação Intelectual da Liga das

Nações (1922-1930), diretor geral da Faculdade de Medicina (1915-1924) e presidente da Academia Brasileira de Letras, (1930 e 1951).

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[…] we should not be deterred by this difficulty when we reflect that films of this kind never become out-of-date, but have a permanent value and will serve for years to come for the instruction of generations of students, not only in a given University, but in all countries where the exchange of such films is organized (p.415).87

O autor finaliza seu artigo informando que conseguiu organizar uma numerosa coleção de filmes em neuropatologia do Hospital Geral do Rio de Janeiro

Também em outubro, só que de 1930, outro intelectual brasileiro veio a publicar um artigo na RICE, foi Jonathas Serrano. No artigo, intitulado The Educational

Cinema at Rio de Janeiro, o autor tratou além da Reforma Fernando de

Azevedo e de sua importância como a primeira ação do poder público em prol da inserção do cinema na educação, de outro tema, a Exposição do Cinema Educativo. Serrano teceu muitos elogios ao evento elevando sua importância para além dos limites do Rio de Janeiro e mesmo do Brasil. Isso talvez se justifique por se tratar de uma publicação internacional, portanto de maior alcance. Segundo Serrano:

In order to give teachers an idea of the best types of projection apparatus, arrangements were made to organize an exhibition of educational cinematography, the first of its kind in Brazil and probably the first in the whole of South America. The exhibition was held in August 1929 and was such an extraordinary success that even the organizing committee were surprised (1930, p.1186). 88

Este é um exemplo de que havia realmente uma circulação de ideias e representações e não somente uma mera transposição de modelos para o Brasil.

87 Nós não devemos ser dissuadidos por esta dificuldade quando refletimos que filmes deste

tipo nunca se tornaram obsoletos, mas tem um valor permanente e vai servir para os próximos anos para a instrução de gerações de estudantes, não apenas em uma determinada universidade, mas em todos os países onde a troca de filmes é organizada.[tradução nossa]

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A fim de dar aos professores uma ideia dos melhores tipos de aparelhos de projeção, foram tomadas medidas para a organização de uma exposição de cinematografia educativa, o primeiro desse tipo no Brasil e, provavelmente, o primeiro em toda a América do Sul. A exposição foi realizada em agosto de 1929 e foi um sucesso tão extraordinário que até o comitê organizador foi surpreendido. [tradução nossa]

121 Passado dois anos desde a Exposição, o que efetivamente teria mudado em relação à introdução do cinema na educação no Brasil? Segundo a publicação de um artigo da revista Cinearte (30/09/1931, p.10), praticamente nada mudara.

Os primeiros passos que nós também demos para colaborar nessa obra que se impõe parece que ficaram esquecidos. De 1929 para cá, três ou mesmo quatro esforços se fizeram nesse sentido, promovendo-se exposições semelhantes aquela que se realizou na Escola José de Alencar. E essas exposições não foram somente aqui no Rio: em São Paulo também se fez alguma coisa. Infelizmente foi só.

De acordo com o artigo da revista Cinearte, apesar de não se verificar mudanças expressivas, outras medidas ligadas ao cinema educativo foram aprovadas.

Em 1932, quando da administração de Anísio Teixeira à frente da Diretoria de Instrução Pública do Distrito Federal, foi aprovado o Decreto 3.763 de 01 de fevereiro de 1932, que modificava algumas disposições do Decreto 3.281 (Reforma Fernando Azevedo). Dentre as modificações encontrava-se uma que dizia respeito ao cinema escolar:

Art. 7º - Ficam criados, com subordinação direta ao Diretor Geral de Instrução e sem aumento de pessoal, uma Biblioteca Central de Educação, dispondo de uma seção de Filmoteca, e um Museu Central de Educação para incentivar o intercambio bibliográfico e cinematográfico, ou quaisquer outros que a estes se relacionarem, e coordenar as atividades referentes ao cinema escolar, às bibliotecas escolares e aos museus escolares a que se refere o Dec.3.281 de 23 de janeiro de 1928, bem como as bibliotecas que se fundarem nos Centros de Professores, instituídos pelo presente Decreto.

Passados quatro anos desde a promulgação do Decreto 3.281, vemos que a realidade da incorporação do cinema na educação caminhava em passos lentos. A observação, ou condição, de que as medidas seriam implementadas “sem aumento de pessoal”, nos pareceu fadada ao fracasso. Como uma Biblioteca Central de Educação, que abrigaria uma filmoteca e um museu central de educação poderia ser implantada sem a necessidade de um aumento de pessoal, principalmente se considerarmos a necessidade de especialistas nas áreas de cinema e museu.

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2.4.3. A Exposição Cinematográfica de São Paulo e o Código de Educação