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Diferentemente do Serviço de Assistência ao Ensino de História Natural, que foi um projeto com apoio do Estado, o Projeto Cinema Escolar se desenvolveu de forma autônoma.

Idealizado, produzido, dirigido e escrito pelos então Inspetores Escolares, José Venerando da Graça Sobrinho e Fábio Luz, o objetivo do Projeto era pôr em prática o uso do cinema como inovação tecnológica, a serviço da educação. Essa experiência foi realizada entre dezembro de 1916 e novembro de 1917. No que concerne aos objetivos dessa pesquisa consideramos o Projeto um marco do cinema educativo brasileiro.

O Projeto consistiu na produção daquilo que foi chamado pelos autores de fitas pedagógicas. Estas fitas foram exibidas em cinemas na cidade do Rio de Janeiro, localizados geralmente nos subúrbios. É interessante notar esse eixo

99 diferenciado de público ao qual a iniciativa se vinculou. No Rio de Janeiro do período, os subúrbios eram por excelência, como ainda hoje, a área de habitação das classes populares, sendo que os mais próximos à cidade eram ocupados em grande parte por funcionários públicos de nível mediano, enquanto as áreas mais distantes abrigavam os trabalhadores e a mão de obra menos qualificada.69

Para a produção das fitas pedagógicas, os autores contaram com a colaboração de Cyprien Ségur, cinegrafista francês, instalado no Brasil já desde 1914, quando junto com Henrique Pongetti, filmou o curta metragem A

estrangeira.70 Anos depois, em 1923, dividiu a direção do filme Canção da

primavera com Igino Bonfioli. Todavia, em que pese esse caso, mas exceção

do que regra, o Brasil nesse momento carecia de mão de obra técnica especializada para manusear a tecnologia complicada, que era o aparelho cinematográfico. E isso sem falar nos componentes e processos associados (lojas para aquisição de projetores, peças, oferta de negativos a preço razoável, técnicos para reparos em projetores, montadores e editores, empresas especializadas em distribuição, etc.).

De acordo com Graça (1918) foram realizadas 14 exibições públicas das fitas pedagógicas. A primeira em dezembro de 1916, as demais ao longo de 1917, e a última em novembro. A exibição de lançamento, para imprensa e convidados, foi no Cinema Odeon no centro da capital. Estiveram presentes nessa sessão o Prefeito do Distrito Federal, Dr. Azevedo Sodré, acompanhado de seu secretário, Dr. Costa Leite, o Diretor de Instrução Pública, Dr. Afrânio Peixoto, o Dr. Manoel Bomfim, jornalistas e inspetores escolares.

As exibições das fitas pedagógicas foram divulgadas pela imprensa em jornais e revistas da época, dentre eles podemos destacar: A Cidade, A Época, A

Lanterna, A Notícia, A Noite, Correio da Manhã, Gazeta de Notícias, Jornal do

69 Conf.Abreu, Mauricio de Almeida. Evolução urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:

Instituto Pereira Passos, 2008, p.85. Ver tabela da distribuição ocupacional da população ativa do Rio de Janeiro, segundo as freguesias (1920). Freguesia da Zona Sul, 14,5 %, Freguesias Suburbanas, 36,9 % da força Pública Administração.

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Maiores detalhes acesse: http://cinemateca.gov.br/cgi-

bin/wxis.exe/iah/?IsisScript=iah/iah.xis&base=FILMOGRAFIA&lang=P&nextAction=search&exp rSearch=ID=001438&format=detailed.pft

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Brasil, O Imparcial. A divulgação do Projeto, conforme pudemos perceber, foi

feita em jornais de visões e tendências politicas nem sempre alinhadas, e em revistas com destinações específicas, como O Tico-Tico, dirigida para o público infantil e o Jornal das Moças, para o público feminino. A impressão causada pelo Projeto pode ser avaliada pelas inúmeras matérias publicadas sobre o evento. Algumas delas, como no caso do jornal Gazeta de Notícias, cujo excesso de otimismo, após quase um ano de sessões realizadas, acabou por encobrir as dificuldades passadas pelos realizadores.

O Cinema Escolar, cujo fim é introduzir nas escolas o ensino por meio da cinematografia, despertando o interesse pelo estudo dos “filmes” naturais e os de educação e cívica, é uma iniciativa feliz dos inspetores escolares Drs. Fábio Luz e Venerando da Graça, que começa a produzir ótimos resultados. (Gazeta de Notícias, 10/11/1917)

O Jornal das Moças, destinado ao público feminino foi outro impresso que teceu muitos elogios a ação dos inspetores, incentivando-os a prosseguirem, pois faziam um trabalho precioso em benefício das crianças.

Por iniciativa dos professores Venerando da Graça e Arthur Pithagoras, dirigidos tecnicamente pelo inspetor escolar dr. Fábio Luz, foram iniciadas nesta capital as exibições de filmes pedagógicas, tendo sido realizada a exibição da primeira série no dia 7, da semana finda, no Cinema Odeon. O Jornal das Moças fez-se representar, atendendo, assim ao gentil convite dos promotores dessa grandiosa iniciativa, merecedora de todos os elogios, pois os filmes instrutivos trazem a criança preciosos ensinamentos. [...] O Jornal das Moças aplaude o gesto educativo dos iniciadores desse movimento e concita-os a prosseguirem na exibição dos filmes, pois pelo processo que são confeccionados produzem os resultados de fato apreciáveis e instrutivos. (Jornal das Moças, dezembro 1916).

O jornal O Tico-Tico, periódico destinado às crianças, enalteceu o Projeto. Preocupado com o público infantil, apoiou os realizadores pelo uso do cinema para fins educativos, já que havia um grande receio com os males causados pelo cinema não educativo às crianças.

É uma bela iniciativa essa da confecção de filmes instrutivos e morais da qual se acham à frente os Srs. Drs. Fábio Luz e Venerando da Graça, além de outros senhores inspetores escolares e professores. A exibição dos primeiros filmes editados no Cinema Odeon, em uma sessão dedicada à imprensa, foi uma verdadeira afirmação de que a ideia já não é uma tentativa e sim uma bela vitória. Que continue a se aproveitar do cinema que tantos males tem espalhado, para propagar o bem e ensinamentos morais (Jornal Tico-Tico, 1917).

101 Em uma entrevista concedida ao jornal A Lanterna, aproximadamente um mês antes do início da exibição das fitas pedagógicas, o sr. Cyprien Segur, cinegrafista francês responsável pelas filmagens das fitas, falou sobre o perigo do cinema “mercantil” e da importância do Projeto dos inspetores escolares com a produção de fitas pedagógicas, para afastar das crianças brasileiras o cinema “perigoso”.

Os drs. Fábio Luz, Venerando da Graça [...] inspiraram-se no exemplo americano fundando aqui no Rio uma espécie de associação para tiragem de filmes escolares. [...] Procuramos o Sr. Cyprien Segur, que tem dado o melhor dos seus esforços para o sucesso dessa magnífica empresa. Uma péssima escola para as crianças, o cinematógrafo atual ! disse-nos o Sr.Cyprien Segur, um francês operador cinematográfico, encarregado de tirar as fitas que vão ser feitas aqui no Rio sob o patrocínio dos inspetores escolares . O nosso programa ─ nosso, digo mal ─ O programa dos Drs. Fábio Luz, Venerando da Graça [...] podem muito bem ter o nome de moralista. Querem aqueles senhores desviar as vistas das crianças brasileiras do caminho perigoso da cinematografia pública. Querem mostrar-lhes filmes que traduzam sentimentos puros e que sejam cívicos. A criança precisa ver o que nem sempre poderá obter com o simples esforço da inteligência. (03/11/1916).

Note-se que o jornalista antes de começar a entrevista, faz referência ao modelo americano, que serviria de inspiração para nossos inspetores. O cinegrafista francês inicia a sua fala afirmando os perigos do cinema atual para a infância e a importância do cinema escolar para desviar as crianças dos males desse cinema “corruptor”. O cinegrafista afirmou ainda que o cinema escolar tem o poder de “introduzir” nas crianças sentimentos puros de ordens cívicos e morais de um modo natural sem necessidade de nenhum “esforço da inteligência”. Ou seja, a criança, não só ela, mas principalmente ela, seria capaz, através do cinema, tanto de absorver “más” quanto “boas” ideias. É aí que residiam o poder e o perigo do cinema.

A história do Projeto Cinema Escolar foi relatada em um impresso publicado em 1918, escrito por um dos autores, Venerando da Graça.71 A este documento, devemos o essencial da preservação da memória dos eventos e do sucesso alcançado pela iniciativa. Nesse trabalho, o autor além de detalhar

71 Conf. Cinema Escolar ─ Fins: Educar, Instruir, Recrear e Proteger a Criança. Venerando da

102 todo o processo de desenvolvimento do Projeto, registrou sua repercussão na imprensa e a opinião de algumas personalidades.

Das quatro fitas pedagógicas, propriamente ditas, não há, até onde pesquisamos, documentação sobre o destino que tiveram. Sabemos, entretanto, que uma delas, a comédia Façanhas de Lulu, está registrada no site da Cinemateca Brasileira. Lá encontramos os seguintes dados referentes ao filme: