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A reforma do Estado brasileiro e suas implicações nas políticas

2.2. As políticas educacionais e a valorização do magistério

2.2.4. A reforma do Estado brasileiro e suas implicações nas políticas

Izabel Noronha (2008) identifica três fases na regulamentação dos princípios constitucionais referentes à educação. A primeira fase compreende o período de 1988 a 1995 é marcado, segundo a autora, pela “frustração de regulamentações educacionais”, que corresponde a não aprovação do projeto de LDB proposto pelo Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública18 e a não implementação do Acordo Nacional, que originou o Pacto Nacional pela Valorização do Magistério e Qualidade da Educação que previa “[...] o piso salarial nacional, os critérios para a formação, a jornada e as demais condições de trabalho, a exemplo da hora atividade” (NORONHA, 2008, p. 15).

Até final de 1994, durante o governo de Itamar Franco, foram realizadas algumas iniciativas no sentido da valorização do magistério da educação básica, conforme já mencionamos: a criação de grupos de trabalho no MEC para a elaboração do Plano Decenal de Educação para Todos e a instituição do Fórum Permanente de Valorização do Magistério e de Qualidade da Educação Básica, responsável pela redação sobre a profissionalização do magistério presente no Acordo Nacional, e pela redação do Pacto pela Valorização do Magistério e Qualidade da Educação. Embora as medidas não tenham tido o êxito esperado, são importantes na medida em que sinalizam a busca por regulamentações. Em 1995, no governo Fernando Henrique Cardoso, inicia-se a reforma do Estado brasileiro

17 Trata-se do Pacto pela Valorização do Magistério e Qualidade da Educação, assinado em 19 de

outubro de 1994, mencionado anteriormente neste capítulo.

18 O Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública foi criado em março de 1987 por onze entidades,

entre as quais a CNTE, no momento em que os professores precisaram apresentar suas propostas para a Constituinte (1986-1988).

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que ajusta o País aos interesses neoliberais e transforma significativamente as diretrizes educacionais.

Em 1994, Fernando Henrique Cardoso foi eleito Presidência da República, e foi reeleito em 1998. Em seu primeiro mandato, Fernando Henrique aprovou três reformas de grande repercussão nas condições de vida do conjunto da população brasileira.

A primeira reforma foi a Reforma Administrativa, que criou condições para a privatização de serviços e empresas públicas a partir da definição das funções estratégicas de Estado, arrecadação e fiscalização, desobrigando-o de garantir serviços como saúde, educação, produção científica, sob a alegação que os mesmos seriam mais bem ofertados pelo setor privado.

À Reforma Administrativa do Governo FHC seguiu-se a Reforma da Previdência Social, com a quebra do princípio da solidariedade e o rompimento com o conceito de seguridade social19. O governo atacou duramente o direito à aposentadoria ao alterar o conceito de tempo de serviço para tempo de contribuição, ampliar o tempo de contribuição e estabelecer a idade mínima, como critério combinado ao mesmo, para a aquisição do direito a esse benefício.

A terceira reforma do Governo FHC dirigiu-se ao setor educacional e compreendeu novos critérios de financiamento, imposição de novos parâmetros curriculares, nova forma de organização dos sistemas escolares nas esferas federal, estadual e municipal. As mudanças efetivadas precarizaram a ampliação do sistema escolar, particularmente do ensino médio, da educação infantil e da Educação de Jovens e Adultos, ao limitarem a regulação do financiamento do ensino fundamental. Com isso, os estados “municipalizaram” a educação infantil e o ensino fundamental e não ampliaram as vagas para o ensino médio.

As reformas buscaram a modificação da organização e da gestão do Estado, adotando o modelo de administração pública gerencial. A educação básica, como parte do Setor Estratégico do Estado20, se ajustou ao modelo. Esse ajustamento

19 O conceito de Seguridade Social compreende a Assistência Social, a Assistência à Saúde e a

Previdência Social.

20 a) Núcleo Estratégico é o setor que define as leis e as políticas públicas e cobra o seu

cumprimento. É, portanto, o setor no qual as decisões estratégicas são tomadas. Atividades Exclusivas: o setor em que são prestados serviços que só o Estado pode realizar b) Atividades Exclusivas do Estado cobrança e fiscalização dos impostos, a polícia, a previdência social básica, o serviço de desemprego, a fiscalização do cumprimento das normas sanitárias, o serviço de trânsito, a compra de serviços de saúde pelo Estado, o controle do meio ambiente, o subsídio à educação básica, o serviço de emissão de passaportes etc. c) Serviços não exclusivos: o setor onde o Estado

contribuiu para a implantação de mudanças significativas na administração dos sistemas de ensino e das escolas. “Os novos gestores tornam-se responsáveis pelo desenvolvimento dos projetos em busca da qualidade e eficiência, com a introdução de novos processos de regulação e gestão e formatos de privatização na arena educacional” (DOURADO, 2002, p. 236).

No processo de implementação das reformas educacionais, observa-se a participação com maior ou menor alcance, dependendo das condições históricas e sociais de cada país, dos organismos multilaterais21 na definição das políticas educacionais dos países da América Latina, em especial do Brasil. As reformas implementadas no Brasil, a partir da década de 1990, seguem a lógica economicista, sendo a descentralização uma forma de desconcentração e desresponsabilização do Estado no oferecimento à educação pública para todos em todos os níveis. De acordo com Silva Jr. (2004, p. 60), o “[...] Estado brasileiro assume sua submissão diante dos organismos multilaterais e implementa de forma centralizada e desconcentrada suas políticas públicas”.

Segundo Torres (2000), as mudanças na organização da educação básica na década de 1990 tendem a se estabelecer a partir de uma lógica de análise econômica baseada apenas na relação custo-benefício e na taxa de retorno, na fixação de variáveis observáveis e quantificáveis, que não envolvem aspectos qualitativos, que deveriam ser a essência da educação.

A partir do governo de Fernando Henrique Cardoso (1995 - 2002), as mudanças ocorreram de maneira significativa mediante a adoção de uma política educacional pautada nos princípios de descentralização, desconcentração e focalização dos serviços públicos. Nesse caso, de acordo com Torres (2000) os países considerados periféricos atendem às propostas educacionais dos organismos financeiros internacionais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, que são feitas basicamente por economistas dentro da lógica e da análise econômica.

atua simultaneamente com outras organizações públicas não estatais e privadas – as universidades, os hospitais, os centros de pesquisa e os museus d) Produção de Bens e Serviços Para o Mercado, área de atuação das empresas com atividades econômicas voltadas para o lucro que ainda

permanecem no aparelho do Estado – setor de infraestrutura.

21 Tais como Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento e agências da Organização

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No contexto dessas mudanças, o processo de descentralização dos serviços públicos ganhou força, implementando-se uma nova estrutura da gestão e distribuição de responsabilidades entre os entes federados que assumiram as atribuições expressas na Carta Magna. Esse processo contribuiu significativamente para o atendimento precário dos serviços sociais públicos, da educação, saúde, habitação, previdência social, já que as condições socioeconômicas regionais são profundamente desiguais no País.

No entanto, o que se observa é que o pacto federativo, ou seja, o federalismo definido na Constituição de 1988, não se materializou, pois, o que se constituiu no cenário político foram formas de planejamento de caráter centralizador na elaboração e execução de políticas públicas sociais. Os estados e os municípios se transformaram em meros executores das políticas elaboradas pelo governo central.

O processo de descentralização via municipalização tem levado os municípios a ampliarem significativamente a responsabilidade pela oferta da educação básica, porém sem levar em consideração suas condições e os recursos disponíveis. Observa-se que, no atual contexto educacional brasileiro, o tipo de descentralização que o Estado implementa gera, em relação à educação do povo, a “desresponsabilização” da União na oferta da educação escolar obrigatória.

A União transferiu responsabilidades aos municípios, independentemente de suas condições, para manter a educação infantil, o ensino fundamental e a educação de jovens e adultos. O que se verifica, na prática, consiste em uma autonomia muito reduzida dos municípios, isto é, uma dependência financeira em relação à esfera federal, permanecendo, assim, em executores de programas nacionais e estaduais.

A reestruturação na política educacional evidencia uma política de caráter descentralizador, induzindo o processo de municipalização do ensino fundamental e a institucionalização de medidas para o seu financiamento. Como parte da Reforma Educacional e do processo de elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1995, o MEC apresentou a proposta de instituição de um “Fundo” como instrumento institucional para redistribuir recursos financeiros e concentrá-los no ensino fundamental.

Em outubro de 1996, o Presidente da República anunciou o lançamento do Fundo de Valorização do Magistério, conforme os termos a seguir, resumidos por Monlevade (2000)

1) Sub-vinculação de 60% dos 25% de MDE dos Estados e Municípios ao Ensino Fundamental

2) Constituição em cada Estado de um Fundo composto por 15% do FPE, FPM e ICMS (maior parte dos mesmos 60%) para redistribuir entre a rede estadual e as redes municipais de acordo com suas matrículas no ensino fundamental

3) Vincular 50% dos recursos dos Fundos para o pagamento dos professores em exercício

4) Garantir um valor per capita mínimo nacional por aluno do ensino fundamental, obtido pela divisão da soma dos Fundos pelo total de alunos – R$300,00 em 1995 – através de complementação da União quando a média estadual for abaixo do valor mínimo

5) Redistribuir a Quota Estadual do Salário Educação pelo critério do número de alunos nas redes estadual e municipais

6) Garantir um salário-médio mensal do professor equivalente ao custo médio do aluno por ano (mínimo de R$300,00 e maior nos Estados com maior arrecadação por aluno).

7) Reformular as carreiras. (MONLEVADE, 2000, p. 205)

Assim, em 1996, juntamente com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei 9394/96, foi aprovada a Emenda Constitucional 14 e a Lei 9424/96, criando o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF)22. Nessas condições, a colaboração entre os entes federados torna-se imprescindível no sentido de oferecer novas possibilidades e condições para o atendimento da educação básica. De acordo com Arelaro (2007),

[...] formas de colaboração entre as esferas públicas, possibilitando não só propostas de municipalização mais responsáveis, mas Planos de Educação mais adequados. Uma proposta que considerasse uma distribuição proporcional das responsabilidades, combinada com uma reorganização tributária, poderia introduzir, com melhores condições, o número de alunos que seria possível atender, em cada modalidade de ensino, em cada esfera publica, obedecidas as peculiaridades regionais e nacionais, aspectos que o FUNDEF sequer considerou. (ARELANO, 2007, p. 1415)

Ao repassar a responsabilidade pelo ensino fundamental aos estados e municípios e não aplicar o valor previsto pela Lei do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), a União não contribuiu para a melhoria da qualidade da educação pública brasileira.

22O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do

Magistério (FUNDEF) regulamentado pela Lei nº 9424/96, teve duração de 10 anos e encerrou em 31 de dezembro de 2006. Tinha como pressuposto a valorização do magistério onde o mínimo de 60% dos 15% da receita repassadas aos municípios, e que constituíam o fundo, deveriam custear os salários dos professores do ensino fundamental público. O restante da receita poderia ser destinado às despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental público.

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Manteve o controle dos recursos financeiros através do Fundo de Estabilização Fiscal e da forma de cálculo do próprio FUNDEF. Nas duas gestões do governo de Fernando Henrique Cardoso, com o ministro da educação Paulo Renato Souza, o Pacto Nacional pela Valorização do Magistério e Qualidade da Educação, assinado em 19 de outubro de 1994 não foi cumprido.

Noronha (2008, p. 15) considera o período correspondente aos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, de 1995 a 2002, como “[...] a segunda fase da regulamentação educacional realizada no contexto da orientação de redução do papel do Estado nas questões sociais, dentre elas, o direito à educação, que priorizou o atendimento do ensino fundamental”. A autora avalia que a opção política do governo federal, nesse período, fragilizou as relações de trabalho na esfera pública, e foi negada na LDB 9394/96 e no Plano Nacional de Educação a normatização da carreira dos profissionais da educação, conseguindo-se, no máximo, por força da Lei 9424/96, que o Conselho Nacional de Educação estabelecesse os limites normativos dos planos de carreira, por meio da Resolução 03/97, da Câmara de Educação Básica.

Na avaliação de Noronha (2008), a Resolução CEB/CNE 03/97, que fixa as diretrizes para a elaboração dos planos de carreira e de remuneração do magistério nos Estados, Distrito Federal e Municípios, “[...] foi um diploma forjado no contexto da reconfiguração do papel do Estado, sobretudo na Emenda Constitucional 14/96 e na Lei 9424/96, que criou e regulamentou o FUNDEF [...]”, posição que é compartilhada tanto por professores, “[...] que não alcançaram níveis satisfatórios de valorização na carreira, quanto dos gestores, dadas as limitações de abrangência e de recursos disponíveis para atender à demanda dos profissionais e para garantir um ensino de qualidade em seus sistemas de ensino” (NORONHA, 2008, p. 28).

Abreu et. al. (2000, p. 135) apresentam defesa a criação do FUNDEF como “[...] uma necessidade de substituição da antiga redação do artigo 60, por não ser possível aplicar 50% dos 18% dos impostos federais no ensino fundamental sem se reduzirem os recursos para as universidades federais ou se aumentar o percentual para MDE23 no orçamento federal [...]” e como estratégia fundamental para “[...] garantir condições políticas, no Congresso Nacional, para a aprovação de mecanismo redistributivo de tal profundidade em face da concentração de riqueza e

renda que caracteriza a sociedade brasileira”. Entretanto, no que diz respeito à valorização do magistério, esses autores avaliam que após a implantação do FUNDEF a remuneração docente foi melhorada por meio de gratificações, abonos ou rateio mensal dos recursos do Fundo, não representando ganhos em relação a reestruturação da carreira.

A terceira fase apresentada por Noronha (2008) corresponde ao segundo mandato do governo Lula que, em abril de 2007, lançou o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), cujo objetivo expresso no documento é o investimento na educação básica, com destaque para a educação profissional e a educação superior, envolvendo pais, mães, estudantes, profissionais e gestores na construção de iniciativas que busquem o sucesso e a permanência dos estudantes na escola.

No governo Lula, as mobilizações das entidades reiniciaram, mas foi somente com as discussões do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB24, aprovado pela Emenda Constitucional 53/200625, que substitui o FUNDEF, que voltou a possibilidade da revitalização das discussões em torno da carreira e do piso salarial para os profissionais do magistério.

Assim sendo, segundo Noronha (2008, p. 15) esta fase é marcada pela aprovação da Emenda Constitucional 53/2006 que “constitui elemento paradigmático para a organização das políticas públicas educacionais e expressa uma

24 O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos

Profissionais da Educação (FUNDEB) foi criado pela Emenda Constitucional nº 53 de 06 de dezembro de 2006, em substituição ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF). O FUNDEB foi regulamentado pela Lei nº 11.494 de 20 de junho de 2007, com duração de 14 anos a partir de janeiro de 2007, devendo encerrar em dezembro de 2020. Tem como pressuposto a valorização do magistério, garantindo que o mínimo de 60% das receitas repassadas aos municípios, e que constituem o fundo, sejam

destinadas a remuneração dos professores da educação básica. O restante da receita pode ser destinado às despesas de manutenção e desenvolvimento da educação básica pública. Os recursos do Fundo são provenientes do: Fundo de Participação dos Estados - FPE, Fundo de Participação dos Municípios – FPE, ICMS, Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às Exportações - IPIexp, Desoneração de Exportações, Impostos sobre Transmissão Causa Mortis e Doações – ITCMD, Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores – IPVA e Imposto Territorial Rural – ITR (BRASIL. Ministério da Educação, 2007).

25 BRASIL. Emenda 53, de 19 de dezembro de 2006. Dá nova redação aos artigos 7º, 23, 30, 206,

208, 211 e 212 da Constituição Federal e ao artigo 50 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. (cria o FUNDEB).

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[...] nova visão política do Estado brasileiro, que tem pautado pela: i) a retomada do caráter sistêmico da educação, também sob a ótica de um sistema nacional de educação articulado; ii) a ampliação do financiamento público ao conjunto da educação básica e; iii) a necessidade de se reconhecer e valorizar todos os profissionais das redes públicas de ensino, como condições sine qua non para a garantia do direito da população à educação pública de qualidade. (NORONHA, 2008, p. 15)

A Emenda Constitucional 53/2006, ao alterar a redação original de artigos da Constituição Federal de 1988 referentes à valorização do magistério, acrescenta elementos importantes no que se refere à profissionalização do magistério na educação pública. Em seus dispositivos, a Emenda Constitucional 53/2006 evidencia a necessidade e premência de valorização para todos os profissionais da educação, não somente aos professores, mas também aos servidores da educação como um todo; estabelece que a valorização dos profissionais da educação deva ser garantida por meio de planos de carreira e retoma a questão do piso salarial nacional para os profissionais da educação escolar pública.

Complementando o conjunto de medidas na definição das políticas educacionais do período, constituem-se elementos importantes dessa fase a aprovação da Lei 11.738/2008 que instituiu o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica e o estabelecimento de nova normatização para os planos de carreira do magistério por meio da Resolução CBE/CNE 02/2009. Logo em seguida faremos referência as disposições legais referentes, especificamente, a remuneração e carreira do magistério público, e o atual momento em que se encontra a tramitação dos Planos de Carreira e o estabelecimento do Piso Salarial Nacional Profissional para o magistério público.

2.2.5. Diretrizes legais para o plano de carreira e remuneração do