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O processo de profissionalização do magistério: dimensões e etapas

1.2. A questão da profissionalização e suas perspectivas

1.2.1. O processo de profissionalização do magistério: dimensões e etapas

A profissionalização é um processo histórico e evolutivo que acontece na teia das relações sociais e refere-se ao conjunto de procedimentos que são validados como próprios de um grupo profissional, no interior de uma estrutura de poder. (CUNHA, 1999, p. 132)

Observamos que o fenômeno da profissionalização é sempre contextualizado, e é esta condição que determina, em grande parte, sua mobilidade e seu contorno. Para Nóvoa (1995a) a conquista do estatuto de profissão (de qualquer profissão) é um longo processo e o estatuto social e econômico dos professores é o eixo estruturante e norteador do processo de profissionalização do professorado. O autor explica que a profissionalização se desenvolve a partir de duas dimensões e quatro etapas. As dimensões estão relacionadas ao corpo de conhecimentos e técnicas necessárias ao exercício da atividade docente e ao conjunto de normas e de valores éticos que regem as relações internas e externas do corpo docente. Entendemos essas dimensões constituídas basicamente dos componentes: formação e a regulação do exercício profissional, incluindo estatuto e planos de carreira. E é o desvelamento desses componentes importantes para a profissionalização do magistério que remetemos este estudo.

Segundo Nóvoa (1995a) as etapas do processo de profissionalização são: 1. exercício em tempo integral (ou como ocupação principal) da atividade docente;

2. estabelecimento de um suporte legal para o exercício da atividade docente (a licença do Estado);

3. criação de instituições específicas para a formação de professores; e 4. constituição de associações profissionais de professores.

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A constituição da profissão docente no Brasil também seguiu essas etapas e a forma como as ações nesse processo foram conduzidas são determinantes da condição da profissão docente na atualidade. Retomaremos alguns pontos já apresentados neste estudo no intuito de refletir sobre os condicionantes da profissão de professor e, consequentemente, do processo de profissionalização.

Em relação à primeira etapa do processo de profissionalização, o exercício em tempo inteiro, entendemos que uma profissão começa a surgir quando determinado domínio social é ocupado por um grupo de indivíduos que lhe consagra a maior parte do seu tempo, ou todo o seu tempo (em exclusividade), e dessa atividade retira os meios de subsistência. O trabalho deixa então de ser indiferenciado, reclamando por isso uma dedicação a tempo inteiro, já não compatível com o exercício de outras atividades. No que diz respeito ao ensino, como já mencionado, este se encontrava ao longo da Idade Média ligado à Igreja, não se diferenciando, por isso, as funções do professor das do religioso. Mas, apesar das atividades religiosas, grande parte do seu tempo era dispendido com a função docente. No entanto, desde sua origem, a atividade docente sempre esteve acompanhada de outra atividade: inicialmente as atividades religiosas, devido o seu enraizamento à igreja e natureza vocacional, e depois a outras atividades para complementação financeira necessária a subsistência do professor.

A segunda etapa no processo de profissionalização, a licença do Estado, surge quando as autoridades públicas criam um suporte legal, sob a forma de licença ou diploma, para o exercício de determinada atividade. Ao definir um quadro legal para o acesso à profissão, nomeadamente através da exigência de determinadas condições e competências a serem reunidas pelos candidatos, o Estado delimita o campo social do exercício dessa atividade. No caso específico do magistério a obrigatoriedade da posse de uma licença de professor era obtida após exame de capacidade. Os candidatos eram avaliados por uma banca examinadora composta por agentes de educação, muitos deles professores públicos ou de instituições particulares, representantes do Estado. Esta etapa representa um passo importante no processo de profissionalização da atividade docente, pois ela ratifica a opção pela profissionalização e permitiria uma progressiva autonomia do professorado.

Nesse ponto, a legitimação da autonomia, é que percebemos os maiores entraves no processo de profissionalização do magistério. O controle efetuado pelo

Estado aos professores era apenas realizado ao nível da entrada na profissão e ao longo da carreira docente, através de inspeções periódicas, não se levantando ainda a questão da sua formação, terceira etapa da profissionalização. A ausência de preocupação com a formação pressupõe, naturalmente, a ausência de um conjunto específico de conhecimentos merecedor de aprendizagem, esvaziando a profissão do seu maior constructo o saber indispensável à autonomia e é neste particular que intervêm as instituições formadoras na determinação da profissão docente. A palavra-chave é a autonomia: a autonomia que liberte o professor das amarras do agente de ensino, agente funcionário, cumprindo diretrizes estipuladas de cima, numa lógica centralizada e o catapulte a ator-autor. O ator-autor, capaz de tomar decisões nos domínios estratégico, científico, pedagógico, administrativo e organizacional, no quadro de um projeto educativo da sua escola, construído especificamente tendo em conta a realidade.

Quando por formação acadêmica deveria se entender formação profissional, o que conduziria necessariamente à organização das Ordens Profissionais, associações, quarta etapa do processo de profissionalização. São as associações profissionais que determinam a necessidade de realização de cursos ou estágios de complemento, como acontece no caso dos cursos em Direito, que não dão saída imediata para a advocacia; ou então, são estas que, pura e simplesmente, não reconhecem determinados graduados como profissionais, como é o caso de muitos cursos em engenharia. No caso do ensino, faltou, e ainda falta, a constituição de uma Ordem de Professores que acautelasse a dimensão ética e deontológica da profissão, que determinasse as suas normas de entrada, que controlasse o seu desenvolvimento e que exercesse a função disciplinar, tendo em vista a demarcação, a preservação e eventualmente o alargamento do seu campo social de ação. Pois, como chamar “profissão” à atividade docente quando toda e qualquer pessoa pode ser professor? Como chamá-la de “profissão”, se ela se encontra aberta aos que não têm habilitação profissional? Seria possível um médico exercer medicina se não estivesse habilitado para tal? O código deontológico, quer seja formal ou informal, é portador de valores de ordem ideológica e moral que dão coesão ao grupo profissional: visam defender e melhorar o estatuto e o prestígio social dos membros do grupo profissional, sem pôr de lado a defesa dos interesses socioeconômicos e profissionais dos seus membros.

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O Estado, segundo Hypólito (1999) admitiu a necessidade de regulamentar certos aspectos que fazem parte o processo de profissionalização do magistério, tais como quem pode exercer as funções docentes, a organização e o reconhecimento de uma carreira profissional, a organização de cursos de formação docente. No entanto, ao assumir parte dos reclamos pela profissionalização passou a exercer maior controle sobre a organização dos sistemas de ensino e do processo de trabalho docente. O profissionalismo docente passou a ser assumido como discurso oficial mas, na prática, as condições concretas sob as quais a atividade docente se realiza têm mostrado que, enquanto formas de controle, processos desqualificadores e desprofissionalizadores sejam a tônica (HYPÓLITO, 1999, p. 85).

1.2.2. Condicionantes da profissão docente: profissionalização ou