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2 A DOCÊNCIA E A EDUCAÇÃO SUPERIOR PRIVADA: O ESPAÇO, O

2.1 O CONTEXTO ESPAÇO-TEMPORAL DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO

2.1.1 A Reforma Universitária de 1968, a privatização da Educação Superior

A profissão docente, conforme Guarany (2012), não era vista como uma atividade laboral, mas sim, associada à vocação. Durante muito tempo o ensino foi reconhecido assim, como vocação, apostolado, sacerdócio leigo, sendo seu exercício baseado, principalmente, nas qualidades morais, virtude esta que os bons mestres tinham de possuir e exibir (LESSARD; TARDIF, 2008). Com a reforma universitária de 1968, a cátedra foi abolida e a figura do professor catedrático como cargo final de carreira foi instituída. Os docentes ao invés de serem alocados em cursos passaram a transitar por departamentos. Nas instituições públicas, os professores passam a ter uma carreira que se baseia em graus e títulos acadêmicos; o regime de trabalho de dedicação exclusiva (DE) é instituído; e os professores começam a ser admitidos por contrato de trabalho, entrando em vigor a regência pelo regime trabalhista (MOROSINI, 2009).

Nesse sentido, durante as últimas décadas (marcado pelo contexto da generalização e massificação da educação e burocratização dos sistemas educativos), o sindicalismo docente e as associações profissionais insistiram para que o ensino fosse reconhecido como ofício e, consequentemente, os docentes como trabalhadores qualificados deveriam ser tratados pelo empregador respeitando os planos material, social e simbólico (LESSARD; TARDIF, 2008).

Nóvoa (1999) aborda o processo histórico de profissionalização do professorado e, nesse momento, afirma que o período-chave na história da educação e da profissão docente está na segunda metade do século XVIII, momento em que se esboça o perfil do professor ideal. O autor defende que a história dessa profissão se desenvolve continuamente, assinalando a desprofissionalização/proletarização a que, nas últimas décadas, os professores têm estado sujeitos. A presença do estado avaliativo com a fortificação do controle de tempo e de tarefas fez/faz com que a proletarização do trabalho docente venha se acentuando no mundo globalizado (MOROSINI, 2008). Além da proletarização, intensificação e precarização também são conceitos-chave presentes na rotina do docente universitário.

Além da alteração da figura do professor, outra característica do período da Reforma é a privatização da Educação Superior que começou a tomar forma e força. Para constar, além da Reforma de 1968, Sampaio (2011) explica que tem mais de um século o Ensino Superior privado no país, correspondendo a 75% das matrículas nesse nível de ensino, sendo sua trajetória marcada por duas Constituições: a da República, de 1891, e a da Constituição de 1988. A primeira delas facultou a possibilidade de existência; enquanto a segunda, manteve o Ensino Superior livre à iniciativa privada, desde que respeitadas as normas gerais da Educação e com autorização e avaliação do poder público, reafirmando assim, o principio liberal. Para a autora,:

Essa moldura legal conferiu ao sistema nacional de ensino superior uma organização dual: de um lado, um setor público e gratuito, cujas instituições são mantidas pelo poder federal, estadual ou municipal e, de outro, um setor constituído por estabelecimentos de natureza jurídica privada - laicos e confessionais - subordinados a uma legislação federal, condição que lhe assegura uma unidade formal (SAMPAIO, 2011, p. 28).

Atenta às demandas dos potenciais ‘consumidores’, a iniciativa privada, conforme Sampaio (2000), elenca mais duas constituições nessa moldura legal: a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1961 e a Reforma Universitária de 1968. A primeira responsável pelo reconhecimento e legitimação da ainda equilibrada dualidade do sistema de Ensino Superior; a segunda, com o reforço da Reforma, a expansão estabeleceu uma relação de complementaridade entre o setor público e privado. Aliás, para Cruz e Paula (2015), essa iniciativa privada não confessional teve permissão para entrada no ‘mercado’ em virtude da desobrigação do Estado com o Ensino Superior, o que para as autoras é uma das questões importantes desse período de expansão.

No entanto, mantendo o foco na Reforma Universitária de 1968, Weber (2009), inclusive defende que, vista como uma solução temporária para problemas debatidos desde o princípio do século XX relacionados à formação em nível superior, a Reforma deixou marcas nas discussões contemporâneas sobre a Educação Superior do nosso país. Nesse sentido, ela explica que:

A Reforma Universitária de 1968, consubstanciada na Lei n. 5.540, de 28 de novembro de 1968, pode ser considerada solução temporária para uma problemática gerada há muitas décadas e que, não obstante terem passado 40 anos, continua a ser foco de discussão porque necessariamente está relacionada ao debate sobre o futuro do país, razão porque tem sido objeto de disputa constante entre as forças sociais em presença, dentro de conjunturas determinadas (WEBER, 2009, p. 123).

Martins (2009) esclarece que se instalou no Brasil, a partir do final da década de 1950, um novo padrão de Ensino Superior e defende que esse novo padrão representou uma consequência da implantação da referida Reforma. Conforme o autor, privilegiando uma estrutura seletiva, nos âmbitos acadêmico e social, o modelo implantado passou a ser feito pelo ensino privado, em virtude da crescente demanda por acesso a esse nível de ensino. O ensino privado, nesse caso, se organizou a partir de empresas educacionais (MARTINS, 2009).

O autor partiu do pressuposto que a Reforma visava a modernização e a expansão das instituições públicas, em especial as federais. O que é considerado ‘novo Ensino Superior’ se fez como um desdobramento da Reforma, já que as matrículas não foram ampliadas no mesmo nível que a demanda de acesso. Antes do período da Reforma, o Ensino Superior privado estava organizado de maneira semelhante ao ensino público e, inclusive, durante um período longo, as universidades católicas, para sustentar suas atividades, dependiam do financiamento do setor público. Portanto, ainda para esse autor, esse novo Ensino Superior privado é fruto de um conjunto de fatores complexos, entre eles, as modificações ocorridas no campo político nacional de 1964 e seu impacto na formulação da política educacional (MARTINS, 2009).

O setor privado, conforme Sampaio (2011, p. 29), “[...], mobilizando recursos privados e orientando-se para atender à demanda de mercado, foi mais dinâmico e cresceu mais rapidamente que o público, muitas vezes em detrimento da própria qualidade do serviço oferecido”. A autora esclarece que o número de matrículas cresceu 500% no Ensino Superior –de 200 mil para 1,4 milhão– e 800% no setor privado, entre 1960-1980 (SAMPAIO, 2011). Assim,:

Entre 1965 e 1980, as matrículas do setor privado saltaram de 142 mil para 885 mil alunos, passando de 44% do total das matrículas para 64% nesse período. Em sua fase inicial, ou seja, desde o final dos anos de 1960 até a década de 1970, a expansão do setor privado laico ocorreu basicamente através da proliferação de estabelecimentos isolados de pequeno porte. A partir da segunda metade da década de 1970, o processo de organização institucional do setor privado sofreu uma transformação gradual. Num primeiro momento, alguns estabelecimentos isolados transformaram-se em federações de escolas, através de um processo de fusão. Num momento posterior, a partir do final da década de 1980, o movimento de transformação de estabelecimentos isolados em universidades se acelerou: entre 1985 e 1996, o número de universidades particulares mais do que triplicou, passando de 20 a 64 estabelecimentos. Tudo leva a crer que a expansão das universidades privadas foi orientada pela percepção de seus proprietários de que a existência de estabelecimentos maiores, oferecendo cursos mais

diversificados, teria vantagens competitivas no interior do mercado do ensino superior (MARTINS, 2009, p. 23).

Sobre a expansão, que fez com que o número de instituições triplicasse entre 1985/1996, também é informada em Sampaio (2011). Aliás, essa autora esclarece que, quase na mesma proporção que os estabelecimentos se ampliaram numerosamente, a oferta de cursos também quase triplicou entre os anos 2000-2008, sendo que 70% dos cursos de graduação eram ofertados pelo setor privado no nosso país.

Nesse ínterim, Gomes (2009) também apresenta a expansão em número e em tamanho das instituições de Ensino Superior até metade de 1990. Nomeando como um processo de aglutinação, além da expansão, o autor atribui a esse período “[...], a privatização do setor, a diversificação da comunidade acadêmica e dos cursos, a interiorização de novas instituições, a legitimação de cursos noturnos e em períodos especiais, o aparecimento de instituições multicampi e comunitárias, [...]” e, ainda, a expansão das universidades privadas com orientação empresarial (GOMES, 2009, p. 268).

Ao mesmo tempo que, conforme Martins (2009, p. 24), impulsionado pela legislação nova do Ensino Superior, novas universidades foram criadas, já que a Constituição de 1988 dispôs o principio de autonomia para as universidades, o que “[...] possibilitou ao setor privado criar e extinguir cursos na própria sede das instituições e remanejar o número de vagas dos cursos oferecidos, sem se submeter ao controle burocrático de órgãos oficiais”. Por fim, o mesmo autor esclarece que algumas universidades públicas (federais e estaduais) e privadas (confessionais, na maioria das vezes):

[...] criaram estruturas acadêmicas que propiciaram a produção científica institucionalizada, desenvolveram cursos de pós-graduação stricto sensu, promoveram a profissionalização da carreira acadêmica, adotaram o regime de tempo integral para seus docentes, preservaram a liberdade acadêmica, associaram as atividades de ensino e pesquisa, implantaram programas de iniciação cientifica em parceria com agências de fomento nacionais (MARTINS, 2009, p. 28).

Por conta do exposto, aqui se faz pertinente abrir um ‘parêntese’ de que as instituições privadas, em especial as confessionais, são o foco da presente Tese, devido as docentes entrevistadas serem oriundas de Programas de Pós-Graduação em Educação (PPGEdu) desta modalidade de instituição. No entanto, se fez necessário apresentar o contexto da Educação Superior como um todo, permitindo compreender como a referida modalidade está inserida no mesmo. E, pelo fato de as entrevistadas atuarem em PPGEdu, a nível stricto sensu, ainda neste capítulo, em subtítulo a parte, faço um delineamento espaço-temporal dos Programas

dessa área no Brasil.

Retomando, enquanto, as instituições privadas de perfil empresarial, as quais estão voltadas, basicamente, para uma formação estritamente profissional, empregam professores horistas com menor titulação acadêmica e que dedicam, principalmente, às atividades de ensino. Segundo o autor, essas instituições possuem 14% dos docentes de tempo integral e 16% dos doutores do Brasil, apenas (MARTINS, 2009). Nesse ínterim, Fávero (2006) constata, após análise da implantação da Reforma de 1968, que, a partir dos anos 80, várias propostas surgem com o intuito de reformular as instituições universitárias.

No sentido da reformulação constante, Sampaio (2010, p. 49), defende que “A dinâmica que o setor privado estabelece com o mercado, organizando a demanda por ensino superior e reagindo a ela, é fundamental para a conformação de um sistema de ensino superior democrático e plural no Brasil”. Assim, para Fávero (2006), falar sobre as universidades no país e seus impasses até o período de 1968 faz necessário rever uma caminhada complexa e permeada de obstáculos. Para ela, se faz inadiável a reconstrução com seriedade e competência do trabalho universitário, percebendo ele como um empreendimento imprescindível –apesar de difícil–, e que o mesmo precisa ser entendido e assumido como um processo em construção permanente (FÁVERO, 2006).