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Em um contexto de reforma do Estado, na década de 1990, foi inaugurado um novo paradigma de intervenção estatal no Brasil, passando do intervencionista para o regulador. Nesse sentido, “na maioria dos setores de infraestrutura, a criação de agências para regular e fiscalizar os novos agentes privados deu-se no final da década de 1990, após a privatização” (PACHECO, 2006, p. 527). Esse processo, no entanto, não se deu da mesma forma e nem aconteceu na mesma velocidade para todos os setores conforme destaca Silva:

Enquanto as inovações tecnológicas contribuíram para obter maior velocidade de reformas nas áreas de telecomunicações, com maior competitividade em todos os níveis, e de energia, principalmente no segmento de geração, a menor dinâmica do setor de saneamento e a sua descentralização, agravada pela desorganização institucional que se seguiu ao período posterior ao Planasa até o marco regulatório, fez que o saneamento chegasse atrasado relativamente às reformas nos demais setores de infraestrutura pública. (SILVA, 2013, p. 315)

Mesmo tendo se efetivado em períodos diferentes, a discussão do marco regulatório para o setor de saneamento, considerou aspectos do desenho das primeiras agências reguladoras, como é o caso da autonomia e da independência dessas entidades.

Em sua primeira resolução, adotada no início de 1996, o Conselho da Reforma do Estado sugeria critérios e princípios a serem adotados pelo marco regulatório e para a criação das novas entidades reguladoras, entre eles a autonomia e independência decisória do ente regulador por meio de mandatos fixos para os dirigentes e não coincidentes com os do Executivo; a decisão colegiada precedida de ampla e prévia consulta pública sobre as normas a serem editadas, junto ao setor regulado e aos usuários; a agilidade processual; o estabelecimento de níveis desejáveis de prestação do serviço. (ABRANCHES apud PACHECO, 2006, p. 528).

Com o advento da LNSB, o marco regulatório do setor de saneamento básico passou a ser uma realidade e, de acordo com Marques Neto (2009), está alinhado com o que prevê a moderna regulação, com destaque para a separação entre as funções de planejamento e de prestação de serviços da função reguladora, que ficou nítida na LNSB. Nesse sentido, a LNSB definiu as características das entidades reguladoras do setor de saneamento básico que, conforme já mencionado, se alinham com o que havia sido previsto pelo Conselho da Reforma do Estado: “I- independência decisória, incluindo autonomia administrativa, orçamentária e financeira da entidade reguladora; II- transparência, tecnicidade, celeridade e objetividade das decisões” (BRASIL, 2007, Art. 21).

A construção do marco regulatório é um grande avanço para o setor de saneamento básico, pois se trata de um ambiente que apresenta importantes falhas de mercado, fazendo com que a prática de uma regulação efetiva seja condição para o equilíbrio do setor e o alcance do interesse público. Em análise sobre aspectos conceituais da regulação do setor de saneamento básico no Brasil, Galvão Junior e Paganini (2009) apresentam um conjunto de características do setor e suas repercussões, atestando a importância da regulação, conforme Quadro 6.

Marques Neto (2009) traz para reflexão alguns aspectos que fazem da regulação do setor de saneamento no Brasil uma atividade de alta complexidade e relevância: o setor possui disputas sobre a titularidade dos serviços, apresenta características típicas de exploração econômica, mas possui um núcleo caracterizador de um serviço público com uma série de interfaces com políticas públicas específicas, gerando um número considerável de externalidades positivas.

Quadro 6 – Caractéristicas do setor de saneamento e suas repercussões

Fonte: Galvão Junior; Paganini (2009, p.86).

Mesmo diante dessa complexidade que é característica do setor, o marco regulatório brasileiro indica uma pulverização e um consequente enfraquecimento da regulação, na medida em que aponta para a criação de agências reguladoras municipais (MARCATO; OLIVEIRA; SCAZUFCA, 2011b). A LNSB prevê outros arranjos institucionais (estadual e consórcio), conforme comentado na seção anterior, mas existe o risco de que sejam instituídas agências municipais que não sejam viáveis economicamente e que não reúnam a capacidade técnica e a infraestrutura suficientes para executar o conjunto de atividades regulatórias previstas na referida lei. Vale ressaltar que o desempenho efetivo da regulação, conforme previsto na LNSB, não é tarefa simples, mesmo para as entidades reguladoras mais estruturadas. Não se trata apenas da escolha de um ou outro arranjo institucional, mas de garantir a efetividade das atividades regulatórias.

As referidas atividades regulatórias estão previstas na LNSB e foram agrupadas por Galvão Junior, Turolla e Paganini (2008) em quatro categorias: fiscalização, normatização, regulação tarifária e ouvidoria. O detalhamento de cada uma dessas categorias está apresentado no Quadro 7.

Quadro 7 – Atividades regulatórias previstas na Lei nº 11.445/2007

Fonte: Galvão Junior; Turolla; Paganini (2008, p. 138).

Entre as atividades descritas acima, é preciso ressaltar o caráter essencial da atividade de normatização, principalmente diante de um marco regulatório ainda recente, como é o caso da LNSB. Em publicação da ABAR, dedicada ao tema da normatização dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, ficou evidenciada a importância dessa atividade para a transição e consolidação do novo modelo regulatório do setor:

Considerando o modelo institucional predominante de gestão dos serviços de água e esgoto no país, no qual os regulamentos são definidos pelos próprios prestadores de serviços e sem a participação dos demais atores do setor, a nova normatização pretende ser um ponto de ruptura do paradigma de auto-regulação herdado da cultura do Planasa. As bases deste novo arcabouço normativo pressupõe a discussão com todos os atores além de períodos de adaptação e de gradação para aplicação das resoluções. Nesta nova normatização, busca-se traduzir de forma detalhada e operacional, as disposições previstas nos marcos legais das delegações dos serviços, sejam contratos de concessão ou de programa, com vistas a alcançar eficiência e eficácia social na prestação dos serviços, respeitadas as condições de equilíbrio econômico-financeiro. (XIMENES; GALVÃO JUNIOR, 2008, p. 21-22).

Nesse sentido, o desenvolvimento dessas atividades deve levar as entidades reguladoras ao alcance dos objetivos regulatórios. Marques Neto (2009, p. 187) identifica no escopo da LNSB “três grandes objetivos a serem perseguidos pelo regulador, a saber: (i) a universalização dos serviços, (ii) a qualidade e eficiência da prestação e (iii) a modicidade tarifária”. Esses objetivos devem ser encarados como complementares - a eficiência, por exemplo, não deve ser um fim, em si mesma, trata-se de um caminho que também pode levar à modicidade tarifária e à universalização dos serviços.

Ainda sobre a eficiência, Marques Neto (2009) divide esse objetivo em duas dimensões: a eficiência alocativa e a eficiência prestacional. O autor destaca alguns dispositivos da LNSB que dão suporte a tais objetivos conforme sistematizado no Quadro 8.

Quadro 8 – Dispositivos da LNSB que reforçam os objetivos regulatórios de universalização

e eficiência

Objetivo regulatório Dispositivo da LNSB

Eficiência alocativa (busca da melhor composição econômica,

com vistas a atender ao princípio da economicidade)

- Determina a sustentabilidade econômica da prestação em regime de eficiência (art. 11, § 2º, IV);

- Determina que o regime tarifário deve prever mecanismos que induzam a eficiência e permitam a apropriação dos ganhos de produtividade (art. 22, IV);

- Estabelece que a remuneração dos serviços deve perseguir a eficiência dos prestadores (art. 29, § 1º, VIII);

- Se refere aos mecanismos tarifários de indução à eficiência, inclusive com fatores de produtividade (art. 38, § 2º).

Eficiência prestacional (dever de prestação dos serviços de saneamento com a maior integralidade

e qualidade possíveis nas condições específicas de

cada ente titular)

- Prevê a inclusão no contrato de metas de eficiência do uso da água, de energia e de outros recursos naturais (art. 11, § 2º, II);

- Mecanismos para a avaliação sistemática da eficiência das ações programadas (art. 19, V);

- Avaliação da eficiência dos serviços prestados (art. 23, VII); - Estímulo ao uso de tecnologias modernas e eficientes (art. 29, VI);

- Consideração, no licenciamento ambiental, das etapas de eficiência (no art. 44).

Fonte: Elaboração da autora a partir de Marques Neto (2009, p. 188-189).

Tendo em vista o exposto, a efetividade da regulação é uma questão estratégica para o setor de saneamento, pois as atividades regulatórias podem contribuir para a universalização do acesso e para a eficiência dos prestadores de serviços, entre outros benefícios potenciais. Nesse sentido, os próximos tópicos procuram discutir aspectos relacionados à regulação, incentivos e mensuração da eficiência dos prestadores de SAA e SES.