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A relação entre as idades

2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A VARIAÇÃO DA LÍNGUA E A SUA RELAÇÃO COM O ESPAÇO E O TEMPO

2.5 UM ENFOQUE ETÁRIO

2.5.3 A relação entre as idades

Magalhães (1989, p. 15) mostra que a concepção de idade envolve múltiplas dimensões, entre as quais se ressalta a biológica, a cronológica e a social.

A idade biológica, a “idade das artérias”, pode não coincidir, e de fato freqüentemente não coincide, com a idade cronológica. Biologicamente, e em termos gerais, o ser humano tende a melhorar e alongar o percurso da vida, uma vez que as condições farmacêuticas, médicas e sanitárias generalizam-se mais rapidamente do que as condições econômicas, sociais e culturais, indispensáveis para assegurar uma boa qualidade de vida. Em conseqüência se está criando o idoso rico, com qualidade de vida idêntica ou assemelhada a dos países desenvolvidos e o idoso pobre e hipodotado, que sobrevive graças aos avanços e à difusão dos benefícios da medicina e da saúde, mas sem condições sociais e materiais para assegurar-lhe qualidade de vida.

Cronologicamente, o prolongamento da vida se expande nas camadas mais elevadas e nas regiões mais desenvolvidas do país, coexistindo com a massa de indivíduos de curta existência das regiões e camadas mais pobres do país.

A idade social, por sua vez, varia, em uma mesma sociedade, segundo a perspectiva de quem avalia a idade, como varia em função do momento histórico que se está considerando. Socialmente, Magalhães (1989, p. 19) chama atenção para o fato de que se está construindo um modelo social dominante de rejuvenescimento dos homens e mulheres de cinqüenta anos ou mais nas elites urbanas. Mas caminha-se para um modelo de morte social, pelo isolamento, nas camadas médias, assim como se forja um modelo de marginalidade, socialmente antecipada, para a maioria dos trabalhadores assalariados de baixa renda, desprovida de patrimônio e renda.

A título de exemplificação, a autora apresenta:

Sabemos que um homem de classe mais abastada pode ter 50 anos cronologicamente, mas sua idade biológica pode ser de 45 ou menos, se utiliza os meios de que dispõe para conservar a sua saúde. Assim como pode ser considerado jovem como acontece com muitos atores e atrizes e galãs de cinema que com essa idade fazem papéis de jovens enamorados; ou com esportistas, políticos ou empresários, em plena vitalidade e atividade. Ao contrário, um

trabalhador assalariado de 50 anos, no meio rural, pode ter biologicamente idade muito mais avançada, devido ao desgaste produzido pela vida e o trabalho adverso, assim como socialmente já é considerado um velho trabalhador sem força e capacidade produtiva. (MAGALHÃES, 1989, p. 18).

Realizada a distinção da tipologia das idades, é possível perceber que diferentes pessoas praticam ações em diferentes idades cronológicas. Isso pode ser visualizado na própria sociedade, pois todos conhecem crianças que foram obrigadas a se comportar como adultos em seus primeiros anos, e se tornaram “velhos antes do tempo”, ou jovens brilhantes que carregavam “velhas cabeças sobre ombros jovens”. Da mesma forma, é possível ver pessoas tratadas como crianças a vida toda. Dentro dos limites impostos pelo envelhecimento fisiológico, as pessoas agem e pensam como jovens ou idosos, em função do que acontece e do que, como resultado, fazem.

Diante desse aspecto, é possível fazer o seguinte questionamento: que significa, para uma pessoa, ter uma determinada idade? Ser parte de uma geração?

Conforme Britto da Motta (1999, p. 14), as sociedades, em diferentes momentos históricos, atribuem um significado específico às etapas do curso de vida dos indivíduos: infância, juventude, maturidade, velhice. Também estabelecem funções e atribuições preferenciais para cada grupo de idade, na divisão social do trabalho e dos papéis na família. Essas atribuições são, em boa parte, arbitrárias, porque nem sempre se firmam numa materialidade ou numa cronologia de base biológica, quanto às reais aptidões e possibilidades, e sim, em relações construídas em um tempo social essencialmente dinâmico, mutável.

Essa historicidade encontra-se bem comentada em Ariès (1978, p. 480) que analisa: “(...) a cada época corresponderiam uma idade privilegiada e uma periodização particular da vida humana: a ‘juventude’ é a idade privilegiada do século XVII, a ‘infância’, do século XIX e a ‘adolescência’, do século XX”.

Ao mesmo tempo, estão-se construindo/ideologizando outras idades. Lenoir (1979, p. 57) analisa a mais atual e difundida dessas invenções, a “terceira idade”, como uma invenção capitalista para justificar e discutir uma nova gestão da vida dos idosos trabalhadores, os sem herança ou patrimônio. Mas sem demora a classificação vai-se estender à classe média, com a qual como que adquire a plena expressividade, porque

ela, sim, vai ter alguma renda – salário, aposentadoria ou pensão – para ser gerida, aplicável em lazer e atividades culturais que para essa idade são definidos como “próprios”.

Como expõe Britto da Motta (1999, p. 57), com a recente extensão do percurso de vida, crescendo a população de velhos e também a sua longevidade, já se inicia a referência a uma “quarta idade”. Menos eufemística, porque inapelavelmente designativa dos idosos mais velhos – mais fragilizados e desgastadas pela idade, por isso mesmo necessitando de outros serviços profissionais. Para essa faixa etária, Preti (1991, p. 16) designa a seguinte classificação: os “idosos jovens” com 60a 80 anos, e os “idosos velhos” com mais de 80 anos, faixa etária a partir da qual é mais freqüente a consciência da velhice.

Acerca dessas construções de sentido relacionados à idade, fica o questionamento direcionado à nitidez e à demarcação das idades no capitalismo, será que a demarcação etária estaria num quadro delimitado e completo?

Conforme apresenta Lenoir (1979, p. 26) a resposta é não, pois os elementos fundamentais da organização e da cultura das sociedades, as idades participam da sua dinâmica – constróem-se, reconstroem-se e mudam seus significados. O próprio Áries já apontava, por um lado, o privilegiamento social de certas idades, e por outro, que o ancião havia desaparecido. Lenoir (1979, p. 26) indica o sentido de negação da velhice na referência à terceira idade.

Debert (1993, p. 7) aponta uma tendência atual à homogeneização das idades, concomitante e contraditória com esse movimento de “transformação das idades em um mecanismo privilegiado na criação de atores políticos e na definição de novos mercados de consumo”.

Efetivamente, as crianças são reenviadas ao mundo dos adultos jovens, enquanto os idosos “rejuvenecem”, física e socialmente, cada vez mais. Completa-se a tendência à realização daquele padrão de sociedade jovem que Morin (1967, p. 159) já discernia na década de 60, à ampliação de um mercado que a serve, e se serve dela.

Tratando-se, então, de situações que se definem e delimitam socialmente, as relações que se estabelecem em função das diferentes idades ou gerações se revelam como de poder. Como apresenta Foucault (1986, p. 42), entre classes sociais, sim, mas

também intraclasse, em âmbito de “classes” de idade, na medida em que o poder está disseminado por toda a estrutura social e freqüentemente geminado à produção do saber e de hierarquias.

Sobre esse aspecto, Britto da Motta (1999, p. 15) também apresenta:

É, igualmente, referenciada a poder a interpretação de Bourdieu (1983, p. 112) ao enfatizar como as divisões por categorias sociais, por idade ou gerações, são construídas: “as classificações por idade (também por sexo e classe) acabam sempre por impor limites e produzir uma ordem onde cada um deve se manter em seu lugar”. Como divisões de poder, essas relações podem ser objeto de manipulação. Lembre-se a antiqüíssima referência bíblica de Esaú e Jacó pelo direito de primogenitura, ou as clássicas questões de herança e assunção de títulos nobiliárquicos nas realezas e casas nobres, ao longo dos séculos. Na modernidade capitalista, outras definições/manipulações são produzidas: idades para entrar ou sair do mercado de trabalho, para voltar e ser votado, para casar. Até para morrer; pelo menos socialmente. Diferentes atribuições de jovens, adultos plenos e velhos. Momentos tão demarcados e importantes, que se fazem ritualizados como aponta Van Gennep (1974, p. 69). A transitoriedade e, sobretudo, a relatividade da situação etária ou geracional dos indivíduos expressam-se, à perfeição, na bela fase de Bourdieu (1983, p. 113): “somos sempre o jovem ou o velho de alguém”.

Sobre essas passagens, é possível visualizar em Redondo (1992, p. 1) que:

Em uma cultura estruturada a partir do trabalho produtivo fora da unidade doméstica, a entrada e a saída do mundo do trabalho determinam mudanças importantes no ciclo de vida, contribuindo para estabelecer as grandes transições na biografia pessoal.

Do mesmo modo que a participação do jovem no mercado de trabalho o assinala como adulto responsável (e a sua assunção social formal ao público), um dos momentos cruciais da passagem da maturidade à velhice dá-se com a aposentadoria (reenvio de trabalhador ao privado e à inatividade oficial).

Como esclarece Britto da Motta (1999, p. 16), o outro âmbito ou ponto de partida de definição social etária e geracional é o casamento, e seus desdobramentos reprodutivos. A ampliação da rede de relações sociais e a existência de filhos, principalmente (também por isso, o descasamento desestrutura). Casar-se é também “tornar-se adulto” – até em termos legais. Uma outra forma de alcance de maioridade

social, embora, no caso da sociedade moderna, pela participação no privado. Por outro lado, mas em seqüência cronológica, o casamento dos filhos, a saída deles de casa, assinalam o cumprimento de uma etapa de vida também para os mais velhos, como provedores/socializadores, quase tanto quanto para os jovens.

Segundo também expõe a referida autora, quando se somam a cessação do compromisso de trabalho e a diminuição das obrigações de família (filhos adultos, trabalhadores, casados) dá-se uma transição especialmente significativa na vida dos indivíduos em direção à velhice social. Porque, como mostra Lenoir (1998, p. 68), nem sempre, a essa altura da vida, se está biologicamente velho, mas apenas “velho”, demais para exercer determinadas atividades ou ter acesso a certas categorias de bens ou posições sociais. O que é parte da dinâmica das relações de poder e luta entre as gerações, característica histórica tão onipresente quanto a solidariedade.