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AS REFLEXÕES SOBRE O ADVÉRBIO NA PERSPECTIVA DE PERIN

No documento Norma urbana, identidade social e variação (páginas 114-118)

3 O PAPEL DO ADVÉRBIO, DAS EXPRESSÕES DE TEMPO E DO LÉXICO NA CARACTERIZAÇÃO DO DISCURSO DA PRIMEIRA E DA TERCEIRA FAIXA

3.2 AS REFLEXÕES SOBRE O ADVÉRBIO NA PERSPECTIVA DE PERIN

observar o relacionamento de alguns advérbios e dos pseudo-advérbios (advérbios de dúvida e advérbios de frase) com a enunciação, bem como constatar que o comportamento lingüístico de alguns dos chamados advérbios de lugar (aqui, aí, etc.) e de tempo (ontem, hoje, amanhã) não difere do de certas subclasses de pronomes. Assim, a autora acrescenta que o traço comum aos advérbios, pseudo-advérbios e intensificadores é serem todos elementos terciários na frase.

Diante de todas as reflexões, expostas aqui de forma sintética, a posição de Bomfim (1988) é a de que a imensa classe dos advérbios não condiz com as conceituações que circulam em muitas gramáticas normativas.

3.2 AS REFLEXÕES SOBRE O ADVÉRBIO NA PERSPECTIVA DE PERINI

Perini (1996) apresenta, assim como também fez Bomfim (1988), seus argumentos em torno da classificação e função dos advérbios. Segundo o autor, esta é uma classe de palavras que por conta de conceitos e forma de ser apresentada nas gramáticas, torna-se um depósito de palavras em busca de uma classificação, melhor dizendo, o advérbio é um desafio lingüístico, um problema gramatical – como se fosse uma classe que todos sabem que existe, mas não se consegue definir com coerência ou determinar um modelo de regras em que se enquadrem as palavras, tidas como tais, a partir de uma teoria coerente.

Perini (1996) pretende uma gramática pedagógica sistemática, teoricamente consistente e livre de contradições, exatamente o oposto às críticas tecidas à gramática tradicional. Nela estarão as reflexões do autor sobre os conceitos sedimentados da gramática tradicional e os conceitos da lingüística, impondo-se mais pela discussão dos fatos comprováveis que pela autoridade do livro ou do professor.

Para o interesse mais imediato deste trabalho importa abordar o que o autor considera sobre classes e funções. Segundo Perini (1996, p. 316), uma classe é um conjunto (não necessariamente finito) de formas lingüísticas e uma função é um princípio organizacional

da linguagem. Nesse sentido, pode-se dizer que se trata de separar fenômenos distintos. O exemplo é o fato das gramáticas tradicionais não considerarem o sintagma – qualquer seqüência de elementos da língua que possam desempenhar funções sintáticas – como uma classe.

Dessa forma, para o referido autor, as classes exercem funções que só a elas serão pertinentes no contexto sintático e estendendo-se esta noção de classe ficaria mais fácil entender-se que uma classe pode desempenhar várias funções, assim como a partir da função existe a possibilidade de determinar a classe. Nesse sentido, o autor admite que as classes de palavras são importantes porque além de permitir a descrição econômica e coerente de seu comportamento gramatical, evita que se classifique individualmente as palavras, reconhecendo-se que as classes têm comportamento sintático semelhante.

Segundo Perini (1996, p. 338), a categoria tradicional dos advérbios encobre uma série de classes, às vezes de comportamento sintático radicalmente diferente. Conforme o autor, a situação é tal que não parece ser possível dar uma visão abrangente das diversas classes, nem mesmo uma lista completa delas, por isso o autor limita-se a algumas exemplificações. Acerca das definições de classes de palavras, Perini (1996, p. 338) expõe que essas devem ser feitas em termos de seu potencial funcional. A partir dessa observação, o autor expõe que a definição tradicional fala da propriedade de “modificar” itens de outras classes – ou mesmo de “modificar o próprio advérbio”, o que introduz na definição um elemento de circularidade que a inviabiliza. Para discutir as diferenças de potencial funcional e, portanto, de classe, o autor apresenta as seguintes palavras tradicionalmente chamadas advérbios: não, rapidamente, completamente, muito, francamente.

Perini (1996, p. 339) apresenta que essas cinco palavras são todas classificadas como “advérbios” e subclassificadas segundo um critério semântico (“de negação”, “de modo”, “de intensidade”) que não se pode levar em conta dentro de um estudo sintático. Nesse sentido, o autor mostra que, sintaticamente, as cinco palavras podem ser encontradas desempenhando diversas funções sintáticas a saber:

Negação verbal

Ex.: Seu tio não apareceu na estação. (PERINI, 1996, p. 339)

Intensificador Ex.: Almeida é muito magro. (PERINI, 1996, p. 339)

Ex.: Almeida estava completamente bêbado. (PERINI, 1996, p. 339)

Ex.: Essa proposta é francamente ilegal. (PERINI, 1996, p. 339)

Adjunto circunstancial Ex.: Ela ri muito. (PERINI, 1996, p. 339) Atributo Ex.: Terminamos a pintura rapidamente.

(PERINI, 1996, p. 339)

Ex.: Ela me revelou tudo francamente. (PERINI, 1996, p. 339)

Adjunto adverbial

Ex.: Ela decorou o apartamento

completamente. (PERINI, 1996, p. 339) Adjunto oracional Ex.: Francamente, acho que ele nos enganou.

(PERINI, 1996, p. 339)

Segundo o autor apresenta em suas reflexões, essas cinco palavras podem ocupar pelo menos seis funções; e algumas podem ocupar mais de uma função. Acerca dessas palavras, o autor aponta que elas constituem cinco potenciais funcionais distintos e, por conseguinte, cinco classes dentro do grupo tradicional dos advérbios.

Nesse sentido, Perini (1996, p. 339) aborda que a partir desses exemplos é possível notar como a classificação tradicional deixa de exprimir as diferenças encontradas entre esses itens, no que diz respeito a seu comportamento gramatical. Afinal, a subclassificação em advérbios “de modo”, “de intensidade” etc. não corresponde a classificação sintática mencionada, pois entre essas cinco palavras apresentadas, três são advérbios de modo: rapidamente, completamente e francamente, que, no entanto, são sintaticamente bem diferentes.

A partir dessas reflexões, o autor afirma que não existe uma classe que compreenda, mesmo aproximadamente, os itens tradicionalmente chamados de advérbios, pois as diferenças sintáticas entre os advérbios são muito profundas, em parte comuns a palavras de outras classes tradicionais, e não autorizam a postulação de uma classe única. Nesse sentido, o autor expõe que se trata, na verdade, de diversas classes, que podem, sem dúvida, agrupar-se, mas dificilmente de maneira análoga à proposta pela análise tradicional.

Prosseguindo nas reflexões sobre os advérbios, Perini (1996, p. 340) aborda que a definição tradicional menciona o fato de o advérbio modificar determinadas classes (entre

os quais o próprio advérbio). A respeito dessa noção de modificação, o autor comenta que ela é bastante obscura, seria um misto de semântica e sintaxe.

Semanticamente, “modificação” significa que um advérbio teria seu significado amalgamado ao de um outro elemento, formando um todo semanticamente integrado como mostram as frases:

39) Corremos (exprime uma ação). (PERINI, 1996, p. 340)

40) Corremos depressa (exprime a mesma ação, acrescida de algum ingrediente de significado). (PERINI, 1996, p. 340)

Dessa forma, tanto Corremos como Corremos depressa seriam unidades no plano semântico. Segundo o autor, essa observação, embora vaga, é provavelmente correta, mas não ajuda a caracterizar o advérbio, por que se aplica a outras classes como mostram as frases:

41) Comi (exprime uma ação). (PERINI, 1996, p. 340)

42) Comi uma peixada (exprime a mesma ação, acrescida de um ingrediente semântico que a especifica melhor). (PERINI, 1996, p. 340)

Sintaticamente, a noção de “modificação” parece referir-se à ocorrência conjunta dentro de um constituinte; o que se chama em sintaxe estar em construção com. Desse modo pode-se dizer que:

43) Corremos depressa forma um constituinte (corremos está em construção com depressa). (PERINI, 1996, p. 340)

Segundo Perini (1996, p. 341), isso, por si só, não é suficiente para definir o advérbio, pois comi e uma peixada estão em construção em:

Comi uma peixada

Assim, se o critério de definição do advérbio fosse considerar esta classe de palavra como o elemento que ocorre em construção com o verbo, uma peixada teria de ser um constituinte adverbial. Nesse sentido, percebe-se que “estar em construção” com este ou aquele termo não é uma propriedade fundamental das funções sintáticas, pois é possível encontrar atributos (assim como várias outras funções) em posições tão variadas na oração que a solução mais prudente, segundo o autor, seria considerá-lo simplesmente um constituinte de nível oracional, ou seja, está em construção com todos os demais constituintes de nível oracional, para formar a oração.

Como se vê, há poucas esperanças de se chegar a uma definição adequada de qualquer classe em termos dos elementos que ela “modifica”. Por isso, Perini (1996, p. 342) propõe lançar mão das funções, pois, como foi possível visualizar, a diferença entre uma peixada e depressa é que o primeiro elemento é objeto direto, e o segundo é adjunto circunstancial. Dessa forma, “estar em construção com um verbo” não caracteriza um advérbio frente a um sintagma nominal; o que os diferencia claramente são as diferentes funções que desempenham quando estão em construção com o verbo.

Portanto, o fato de estar em construção com verbo, ou com o adjetivo etc. não pode ser utilizado como critério definitório de nenhuma classe. Assim, o autor, como também já havia mencionado Bomfim (1988), propõe que a definição de advérbio (se for possível, o que o autor duvida) deverá ser formulada em termos de funções, pois sob o rótulo de “advérbio” se esconde uma variedade irredutível de classes.

No documento Norma urbana, identidade social e variação (páginas 114-118)