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2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A VARIAÇÃO DA LÍNGUA E A SUA RELAÇÃO COM O ESPAÇO E O TEMPO

2.3 UM ENFOQUE LEXICAL

Como apresenta Velasco (2003, p. 158), o léxico, saber partilhado que existe na consciência dos falantes de uma língua, constitui-se no acervo do saber vocabular de um grupo sócio-lingüístico-cultural. Na medida em que o léxico se configura como a primeira via de acesso a um texto, representa a janela através da qual uma comunidade pode ver o mundo, uma vez que esse nível da língua é o que mais deixa transparecer os valores, as crenças, os hábitos e costumes de uma comunidade, como também, as inovações tecnológicas, transformações sócio-econômicas e políticas ocorridas numa sociedade.

Como mostra Moreno Fernández (1998, p. 28), o estudo da variação lexical enfrenta alguns problemas. Entre estes é possível destacar o estabelecimento de equivalências entre supostas variantes, as sinonímias.

No nível do discurso, a sociolingüística defende a existência da sinonímia, pois é no discurso, no uso comunicativo da língua, que as unidades léxicas, como ocorrem com determinadas construções sintáticas, podem ver-se neutralizadas semanticamente. Tal aspecto não deixa de lado a dificuldade que pode existir para demonstrar que existe realmente uma neutralização, ou seja, que duas ou mais variantes sejam equivalentes. Isso se torna mais nítido quando o uso de certas formas lingüísticas vem acompanhado de valores ou certas conotações particulares ou quando o falante maneja em sua seleção léxica critérios que podem passar por desapercebido pelos ouvintes. Além das intenções comunicativas, de considerações de estilo e de outros fatores que possam surgir no discurso.

Diante desse quadro, é possível chegar à seguinte pergunta: o que é que se busca ao estudar a variação léxica? A essa pergunta, Moreno Fernández (1998, p. 29) responde expondo o fato de que esse tipo de variação objetiva explicar o uso alternante de umas formas léxicas em umas condições lingüísticas e extra-lingüísticas determinadas: podem ser unidades de diferentes origens geolingüísticas que estiveram presentes em uma comunidade, de estilo mais ou menos formal, entre outras possibilidades. Ao mesmo tempo, busca-se identificar o léxico característico dos diferentes grupos sociais: léxico de faixa etária, de profissão etc.

Como mostra Moreno Fernández (1998, p. 79), as dificuldades existentes em analisar a variação léxica são muitas. Isso é possível visualizar no momento de descobrir quais variáveis sociais ou estilísticas explicam o uso de certas variáveis léxicas, além das dificuldades de coletar dados válidos e suficientes do discurso falado e, por outro, de demonstrar que certas variantes léxicas são realmente variantes de uma mesma variável.

Para descobrir que tipo de léxico caracteriza os grupos sociais que formam uma comunidade, existem vários itinerários metodológicos. Um deles é o estudo de corte etnográfico: mediante a convivência continuada dentro de um grupo social ou a observação direta dos discursos. Este procedimento tem um enorme interesse, especialmente se a pretensão é fazer uma análise qualitativa, isto é, determinar quais são os itens lexicais que aparecem de forma característica em cada grupo social.

Outra possibilidade metodológica, para o estudo sociolingüístico do léxico, é a entrevista, procedimento que permite a análise quantitativa da variação. Nesse método, existem alguns inconvenientes porque não é habitual que em um período de tempo determinado, geralmente curto, saiam não só todas as variantes da variável léxica que possa interessar, e em quantidades suficientes, mas a mesma variável: por mais dirigida que esteja uma entrevista, nunca se tem a absoluta segurança de que se conseguirão amostras da variação léxica em estudo, a menos que o investigador induza ou provoque sua aparição mencionando-a expressamente, o que iria em detrimento do interesse da entrevista sociolingüística com tal para a coleta da variação léxica.

Se um sociolingüista decidisse, partindo de um conjunto de entrevistas realizadas sobre uma amostra de uma comunidade de fala, fazer uma caracterização léxica dos grupos sociais de uma comunidade (jovens ou idosos, escolarizados ou não escolarizados), ficaria a seguinte pergunta em evidência: será que foram coletadas as formas léxicas realmente caracterizadoras de cada grupo nas entrevistas? Tal pergunta pode ficar sem uma resposta convincente se não se utilizam mecanismos de controle (por exemplo, os resultados de análises complementares), porque as diferenças léxicas entre grupos sociais são muitas vezes quantitativas e não qualitativas, como ocorre nos demais níveis da língua. Entretanto, não se pode dizer que seja impossível o estudo pelo método quantitativo do léxico a partir de materiais coletados em entrevistas: é possível, mas dificultoso.

A terceira técnica que permite abordar a pesquisa sociolingüística do léxico é o questionário. Este tipo de coleta de dados garante o surgimento de certas unidades léxicas em uma quantidade determinada e, portanto, revela-se o mais satisfatório para os estudos quantitativos. Nesse sentido, os possíveis objetos de estudo do léxico são ilimitados: pode-se analisar a preferência de um ou mais grupos de uma comunidade por certas formas léxicas segundo o tipo do interlocutor, segundo a situação (estilo formal-informal); pode-se analisar a maior ou menor presença em certos grupos sociais de formas antigas ou modernas, padrão ou não-padrão.

Dessa forma, é possível observar que a sociolingüística vê na utilização do léxico um instrumento que lhe permite estabelecer estratificações de comunidades de fala de acordo com os fatores sociais enfocados.

Neste estudo, a variação lexical será visualizada com as variáveis extra-lingüísticas: localidade, gênero e faixa etária.