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3 A DIMENSÃO DA INFORMAÇÃO NO PROCESSO DE ADOÇÃO E

3.2 A relação entre a informação e o monitoramento das normas da Organização

Informações sobre o cumprimento e aplicação de padrões internacionais de trabalho estão geralmente disponíveis em uma grande quantidade e variedade de fontes de informação, incluindo organizações internacionais, governos, ONGs e pesquisas acadêmicas. De maneira geral, os comitês especializados da Organização das Nações Unidas e de suas agências especializadas, responsáveis por avaliar a implementação das normas internacionais no âmbito das legislações e das práticas nacionais, executam a tarefa de identificar informações relevantes, acuradas e confiáveis a partir de dados provenientes dos Estados-membros das organizações internacionais.

Como constata o Hilton (2003), a avaliação da implementação de normas internacionais por parte dos comitês responsáveis é caracterizada por três níveis: perspectiva legal, performance do governo e resultados gerais. Para tanto, o instrumento de apoio ao monitoramento ou ao controle da aplicação no

âmbito local são relatórios baseados tanto em informações qualitativas quanto em dados quantitativos.

No que diz respeito especificamente à Organização Internacional do Trabalho, nota-se que a tipologia das informações oferecidas pelos Estados-membros ao Comitê de Peritos41, órgão que se ocupa do controle da aplicação das normas internacionais, é questionável. Além disso, as metodologias para mensurar o grau de implementação de determinada convenção ou recomendação se encontram em constante desenvolvimento.

O atual sistema de controle ordinário da aplicação das normas internacionais proposto pela OIT é exclusivamente baseado em informações produzidas pelos Estados-membros. Desse modo, questões relacionadas à natureza, forma e conteúdo dessas informações, vinculam-se diretamente ao interesse desse Estado-membro em cooperar com o sistema de controle.

A obrigação de enviar relatórios contendo informações sobre o estado da implementação das convenções e recomendações é originada pelo artigo 2242

da Constituição da OIT, onde se lê:

Artigo 22

Os Estados-Membros comprometem-se a apresentar à Repartição Internacional do Trabalho um relatório anual sobre as medidas por eles tomadas para execução das convenções a que aderiram. Esses relatórios serão redigidos na forma indicada pelo Conselho de Administração e deverão conter as informações pedidas por este Conselho. (OIT, 1919).

Ressalta-se, de acordo com Barzotto (2007), que, com a crescente especialização técnica da OIT e o aumento do número de convenções e recomendações adotadas com a adoção da Declaração de 1998, estabeleceu- se uma mudança nos prazos de envio dos relatórios. A partir de então, os relatórios contendo informações sobre as oito convenções fundamentais e

41 Comitê de Peritos sobre a Aplicação de Convenções e Recomendações.

42 Destaca-se que a Organização Internacional do Trabalho solicita igualmente no artigo 19 de

sua Constituição que os Estados-membros, mesmo os que não tenham ratificado as convenções fundamentais do trabalho, deverão produzir relatórios informando a situação da legislação e das práticas sociais ligadas aos temas dos quais estas convenções se ocupam.

sobre as quatro convenções consideradas como prioritárias43 passaram a ser solicitados a cada dois anos. Por outro lado, os relatórios acerca das demais convenções passaram a ser enviados a cada cinco anos.

Existe por parte do Comitê de Peritos um esforço para o estabelecimento de um padrão, o qual os países devem observar para a sistematização das informações contidas nos relatórios oficiais. Para a composição do primeiro relatório, as informações são solicitadas tendo como base os artigos constantes nas convenções ou recomendações. Isso significa que, a cada artigo, individualmente, o Comitê solicitará informações sobre sua aplicação na legislação e na prática. O caráter das informações solicitadas (qualitativo ou quantitativo) estará diretamente vinculado ao tema do qual se ocupa determinada convenção ou recomendação. Para os relatórios subsequentes o Comitê de Peritos realiza demandas diretas por informações acerca de temas considerados de relevância específica para a compreensão do nível de implementação das normas internacionais do trabalho. Essas demandas diretas por informações são inseridas em documentos chamados Comentários Resposta.

Ainda conforme Hilton (2003), as informações de natureza qualitativa desempenham uma tarefa de relevância ligeiramente superior no processo de informar ao Comitê responsável pelo controle da aplicação das Normas do Trabalho. Isso se dá principalmente quando o objetivo é apresentar uma perspectiva do quadro legislativo e das ações tomadas pelos Estados, o que oficialmente é chamado de performance do governo. Sublinha-se que deve ser observado o teor do instrumento normativo. No caso de convenções que objetivam estabelecer medidas técnicas, como a Convenção N. 138 sobre a idade mínima para admissão em emprego, que estabelece que os Estados- parte determinem uma idade mínima para o ingresso no mercado de trabalho e que esta idade esteja de acordo com a idade para a conclusão do ensino básico

43 A Declaração de 1998 além de definir as oito convenções fundamentais do trabalho ainda

define quatro convenções prioritárias, quais sejam: Convenção n.81 Sobre a Inspeção do Trabalho (1947); Convenção n. 122 Sobre a Política de Emprego (1964); Convenção n. 129 Sobre a Inspeção do Trabalho na Agricultura (1969) e a Convenção n.144 Sobre consulta tripartite.

compulsório, os relatórios dificilmente conterão informações quantitativas e, quando essas estiverem contidas, provavelmente desempenharão uma tarefa de caráter ilustrativo ou de expansão da compreensão do contexto tratado, de maneira que informações qualitativas, nesses casos, apresentam características preponderantes.

Em oposição, no caso de convenções que pretendam eliminar determinada prática no ambiente de trabalho, ou interditar a utilização de determinada substância na prática laboral, as informações de natureza quantitativa passam a desempenhar uma tarefa de notável importância no processo de satisfação das necessidades de informação junto ao Comitê de Peritos da OIT. Por exemplo, seria ideal a produção de informações sobre a quantidade exata de crianças que estão atualmente envolvidas nas atividades que figuram entre as piores formas do trabalho infantil, tema do qual se ocupa a Convenção N. 182 de 1999, ou, ainda, informações sobre a porcentagem de mulheres que trabalharam em um período determinado em atividades utilizando o benzeno, objeto da Convenção N. 136 de 1971.

As maiores dificuldades de se obterem dados quantitativos estão vinculadas ao interesse por parte do Estado de oferecer informações de qualidade ao Comitê e aos problemas de ordem técnica e financeira, experimentados por parte das agências nacionais de estatística. Exemplo dessa realidade se dá no fato de que, muitas vezes, os dados levantados são coletados por métodos de amostragem. Esse tipo de pesquisa, segundo Hilton (2003), não contempla critérios como a abrangência de área geográfica e, portanto, não revelam a real situação de determinado Estado. Ademais, grande parte das pesquisas realizadas por agências nacionais de estatística produzem em seus resultados números que impendem a análise por gênero. Todos esses limites encontrados nas informações fornecidas dificultam o trabalho de monitoramento por parte do Comitê de Peritos da OIT. O Comitê, em seus Comentários Respostas aos relatórios, enviados aos países, tem insistido para que os Estados-membros produzam informações estatísticas e, assim, habilitem um melhor controle da aplicação das convenções e recomendações.

Uma questão importante sobre a informação que compõe os relatórios é a sua vulnerabilidade em relação aos atores engajados na coleta de dados, na produção, na sistematização e no envio dessa informação. As etapas da produção e de sistematização da informação são as que, sem dúvida, apresentam características de maior fragilidade. Essa fragilidade se dá na medida em que as informações refletem o ponto de vista das pessoas responsáveis pela sua produção e dos organismos que as vinculam, podendo apresentar vieses, que não correspondem, assim, a uma informação imparcial. Nesse sentido, as associações de empregados e empregadores mais representativas de cada Estado-membro são novamente convocadas a integrar o grupo dos atores envolvidos nos procedimentos realizados pela Organização Internacional do Trabalho. Isso porque é solicitado aos governos que enviem cópias dos relatórios a essas associações, para que seus representantes possam tecer comentários sobre as informações inseridas originalmente pelo governo, podendo fornecer outras informações ou mesmo impedir que determinadas informações controversas sejam enviadas ao Comitê de Peritos. A essa atividade se dá o nome de “controle social da informação”, que Frota e Barbosa Neto (2010) qualificam como um fenômeno que contribui para desmistificar o discurso jurídico produzido pelas produtores de informação e que estimula o exercício da atividade cidadã de um modo mais prático e político, em oposição a um modelo puramente técnico e econômico, como atualmente o é percebido.

Quanto às questões ligadas às necessidades de informação apresentadas pela Organização Internacional do Trabalho na fase de monitoramento, tem-se que se trata, na teoria cunhada por Le Coadic (2007), de uma necessidade de informação derivada, ou seja, a informação é necessitada para o desenvolvimento de uma tarefa, um objetivo. Nesse caso, o objetivo é o controle da aplicação das normas internacionais do trabalho. Entretanto, caracteriza-se por ser, também, uma necessidade de informação extensiva. Segundo Le Coadic (2007), a dimensão extensiva das necessidades de informação é a que está mais atrelada ao sistema do qual essa informação é oriunda. Afinal, é a partir das possibilidades e alternativas oferecidas pelo sistema provedor de informação que novas necessidades poderão surgir.

O caráter extensivo das necessidades de informação apresentadas pelo Comitê de Peritos da OIT se dá na medida em que um Estado-membro fornece informações sobre a implementação das normas internacionais do trabalho, o Comitê amplia suas necessidades e torna-se mais exigente. O sistema de informação, nesse caso, pode inclusive ser a origem de uma remodelagem dos objetivos da organização. Afinal, ele produz alternativas que oferecem um panorama ampliado das possibilidades de coleta, produção e sistematização da informação. Dessa maneira, o Comitê pode se basear nas informações de um determinado Estado-membro para alterar e sofisticar suas necessidades de informação frente a todos os outros Estados-membros.

O Capítulo a seguir se incumbirá de oferecer uma perspectiva ampliada da relação entre a informação e os procedimentos de monitoramento da aplicação das Normas Internacionais do Trabalho. Isso se dará através de um estudo de caso comparado em que a implementação da Convenção 182 da OIT, Sobre as Piores Formas do Trabalho Infantil, será analisada, considerando os contextos brasileiro e canadense.

4 METODOLOGIA E ANÁLISE DE DADOS

A presente pesquisa tem como fito fomentar a compreensão do fenômeno do monitoramento da Convenção 182, sobre as Piores Formas do Trabalho Infantil, no Brasil e no Canadá, observados os contornos de um fenômeno social. Desse modo, o Estudo de Caso é apresentado como recurso metodológico de investigação mais adequado. De acordo com Yin (2005), o estudo de caso é uma estratégia de investigação extremamente abrangente que permite ao pesquisador formular desde uma simples descrição de um fenômeno até generalizações baseadas em evidências. O presente trabalho propõe, sobretudo, a compreensão dos contextos de implementação e de monitoramento da Convenção 182 no Brasil e no Canadá de modo comparado. Nesse sentido, a opção pelo estudo de caso emerge também como sendo a estratégia metodológica que oferece as características fundamentais para análise do fenômeno através do contexto.

Conforme explicado por Yin (2005), o estudo de caso ainda permite a inclusão de múltiplos casos no mesmo estudo, possibilitando análises de contextos comparados através de métodos de estudo de caso comparativo. Assim, foram definidos na pesquisa dois casos para análise comparada: Brasil e Canadá.

A escolha desses dois países se deu pelo fato de Brasil e Canadá serem signatários da Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho e terem encaminhado os relatórios periódicos para o Comitê de Peritos responsável pelo monitoramento da implementação da Convenção. Apesar de os dois países serem regidos por sistemas federalistas, observam-se contornos muito distintos, quando são comparados elementos de suas administrações públicas. Além disso, Brasil e Canadá apresentam indicadores socioeconômicos díspares, o que poderia, a priori, colaborar para a compreensão das dimensões das ordens sociais e econômicas na implementação e no processo informacional vinculado ao monitoramento da implementação da Convenção sobre as Piores Formas do Trabalho Infantil.

Para a compreensão das distinções entre os países, no quadro a seguir, apresenta-se uma perspectiva comparada de indicadores socioeconômicos dos países investigados.

QUADRO 10- Indicadores socioeconômicos de Brasil e Canadá

Indicador / País Brasil Canadá Índice de Desenvolvimento Humano IDH elevado- 0,813* IDH muito elevado- 0,966* Produto Interno Bruto 2010 (per capta) 9.700,00 US* 38.200,00 US* Paridade do Poder Aquisitivo 2010 (per capta) 10.200,00 US* 38.400,00 US* Densidade Demográfica Densidade populacional Média- 21 hab/km2** Densidade populacional Baixa 3 hab/km2** Situação Econômica Em desenvolvimento Desenvolvido Fonte: Quadro elaborado pelo autor

* Dados Index Mundi- www.indexmundi.com ** Dados do UNICEF- www.unicef.org

Os indicadores socioeconômicos apresentados revelam o visível contraste entre os contextos nacionais de Brasil e Canadá. Afinal, o Brasil se revela como uma economia em desenvolvimento, com Produto Interno Bruto e Paridade de Poder de Compra considerados medianos. Além disso, o Brasil é um país densamente povoado e que apresenta Índice de Desenvolvimento Humano elevado. Por outro lado, o Canadá detém uma economia considerada desenvolvida, com Produto Interno Bruto e Paridade de Poder de Compra quase quatro vezes maiores do que os do Brasil. A densidade populacional canadense é baixa, frisa-se uma das mais baixas do mundo, e possui Índice de Desenvolvimento Humano elevado. Desse modo, os contrastes verificados entre as conjunturas sociais e econômicas dos dois países eleitos para a composição do estudo de caso comparativo permitirão verificar se as diferenças entre os dois contextos,

de algum modo, influenciam a implementação da Convenção 182 e o seu monitoramento. O mesmo será avaliado em relação às formas distintas de regimes federalistas ostentadas pelos países escolhidos. Ressalva-se que não se pretende estabelecer correlações em termos de causa e efeito, mas, prioritariamente, verificar se diferenças socioeconômicas e, principalmente, diferentes modelos de federalismo influenciam de algum modo nas formas de implementação e de monitoramento apresentadas.

O método de pesquisa é composto por três variáveis que se complementam entre si para o total entendimento dos processos de monitoramento da implementação da Convenção 182 no Brasil e no Canadá. A análise da primeira variável, denominada a implementação da Convenção 182, pretende subsidiar a compreensão de como o contexto sociojurídico dos Estados-membros delimita o processo de implementação da Convenção N. 182 da OIT. O estudo da segunda variável, intitulada procedimentos informacionais para o monitoramento da implementação da Convenção 182, ocupa-se de verificar a existência de correlação entre os modelos de coleta e produção de informação desenvolvidos pelo Brasil (centralizado) e Canadá (descentralizado) e a eficácia no processo de monitoramento da implementação da Convenção N.182. Por fim, a análise da terceira variável, denominada fluxos informacionais para o monitoramento da implementação da Convenção 182, fomenta a compreensão sobre como as estruturas administrativas do Estado federalista brasileiro e do Estado federalista canadense delineiam diferentes fluxos da informação produzidos para monitorar a Convenção 182.

Para fins de estruturação e de apresentação da pesquisa, optou-se por desenvolver a análise das variáveis de modo desmembrado. A primeira variável, por deter um caráter claramente subsidiário à compreensão da segunda e da terceira variáveis, será apresentada ainda neste capítulo. A segunda e a terceira, por apresentarem aspectos essencialmente informacionais, serão apresentadas no Capítulo a seguir.