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A Relação entre Sistemas de Avaliação da Prova e Modelos de Prova e de

1. SISTEMAS E MODELOS DE PROVA

1.1 SISTEMAS DE PROVA DIREITO, HISTÓRIA E REALIDADE CULTURAL

1.2.3 A Relação entre Sistemas de Avaliação da Prova e Modelos de Prova e de

Há ainda alguns aspectos que diferenciam os dois modelos de prova e de procedimento probatório, além daqueles referentes à sua racionalidade e método. Um deles seria a preferência de cada um por uma dada espécie de prova ou por uma dada forma de avaliação da prova.

No modelo clássico argumentativo da prova, o fato é entendido como algo a ser reconstruído dentro do processo e a quaestio facti era sempre considerada uma questão mista, não havendo separação entre questão de fato e questão de direito. Com isso, o processo se estrutura para individualizar o thema probandum e apenas depois dessa sua definição eram apresentados os

facta probantia – a fim de que seja realizada a valoração da relevância da prova– juízo que faz a conexão entre fato e direito. 171

Nessa estrutura dialética-argumentativa a prova dominante era a prova testemunhal, com um papel fundamental desempenhado pela oralidade. 172 Afinal em um método orientado por uma razão prática, em que o contraditório é o instrumento para a busca da verdade, a prova testemunhal representa o principal meio de exercício dos ideais da dialética. A prova testemunhal era de tamanha importância que havia quem dissesse ser o processo ato não de três, mas de quatro pessoas: juiz, autor, réu e testemunha.173

Na lógica do diálogo, a pesquisa é realizada coletivamente, não é construída pelo labor individual, mas a partir de “um concerto a várias vozes” 174 e a conclusão não se baseia em

170 VILLEY. A filosofia do direito, p. 250.

171 PICARDI. Introdução ao Code Louis (Ordonnance Civile, 1667), p. 110. GIULIANI. Il concetto di prova, p.

231-232.

172 DAMASKA. The faces of justice and state authority, p. 3.

173 CHARTRES, Ivo de. Panormia. Disponível em http://www.wtamu.edu/~bbrasington/ivo.html. Também a

esse respeito KEMMERICH. O direito processual da Idade Média, p. 129.

esquemas apodíticos, mas naquilo obtido a partir do debate, que pode até mesmo vir de impressões, surpresa, choque, exercício de retórica. 175.

Também a presunção ocupava posição de destaque como prova, considerada inclusive a prova por excelência. Afinal, em uma estrutura em que a conclusão do processo é uma verdade provável, dentro de um esquema de valores escolhidos como melhores, a presunção como um raciocínio, como o resultado de uma escolha de valores, é uma forma de prova ou de análise de prova determinante nesse contexto. 176

Nesse ponto é possível identificar o sistema de avaliação da prova caro ao modelo argumentativo.

Em primeiro lugar, ressalta-se que, segundo Alessandro Giuliani, é possível dividir a prova legal em dois aspectos – o primeiro se refere à lógica de exclusões, com uma teoria de admissibilidade e relevância probatória, e o segundo aquele próprio de valores previamente estabelecidos para sua avaliação, em perspectiva matemática e quantitativa.

O direito da Idade Média, como já aqui referido, a partir do século XIII assentou-se na prova legal matemática. No entanto, antes de criado esse sistema de avaliação, o ordo medieval foi propriamente um sistema da prova legal no primeiro sentido. A ele atendiam as regras de exclusão de determinadas provas, uma vez que criou sua estrutura de acordo com o problema, a partir do qual eram adotados critérios de relevância. Uma avaliação apresentada segundo critérios de exclusão pertence ao processo assentado na prova por testemunho e deve ser crítica, nunca técnica. 177

Com a lógica da exclusão, base do contraditório medieval, tomaram importância o princípio do contraditório como meio de investigação da verdade provável, o ônus da prova e a idéia de uma escala de probabilidade.

Mas da testemunha, passou-se ao documento, da oralidade, passou-se à escrita. A partir do século XIII, então, foram adotados técnicas muito mais rígidas, que impõem resultados e efeitos vinculantes a determinados meios de prova dando lugar a prova legal como operação

175 DAMASKA. The faces of justice and state authority, p. 51. No direito do Common Law inglês há uma

manutenção do pensamento tópico-retórico, com a concentração do procedimento e a prova oral, testemunhal, o exercício da fala, a apresentação do caso, a ausência de separação entre fato e direito e a teoria da relevância da prova representava por regras de exclusão. GIULIANI. Il concetto di prova, p. 199.

176 GIULIANI. op. cit., p. 231-232.

técnica, numérica, quantitativa, que coloca em destaque a prova documental e pré- constituída.178

No modelo moderno, com uma transformação de pensamento e alteração da forma de prova, presente a divisão entre as duas espécies de questão – de fato e de direito –, e com a modernização do direito de prova foi crescente o uso da escrita. 179 Com isso há a “passagem do sistema da prova legal doutrinária para a “codificada””. Com isso se quer dizer que, apesar de abandonados os critérios matemáticos e os tipos e subtipos da prova tarifada medieval, passa a haver vinculação dos efeitos e resultados de determinados tipos de prova, passando “da racionalização do sistema das provas para a formalização vinculante da eficácia da prova individual” 180.

Ao optar por essa espécie de prova, e a elas aplicar uma racionalidade técnica e científica; o modelo moderno optou pela evidência e pela verdade e abandonou a prova tarifada, vinculando efeitos à prova, nos moldes da prova codificada. Como para seus pensadores a prova é um fato juridicamente relevante, porém externo, a operação para seu conhecimento é técnica e tem na prova pré-constituída seu melhor meio, ao permitir, segundo entendimento então dominante, uma segurança completa na decisão judicial.181

Assim, hoje nos países europeus continentais, herdeiros de um sistema hierárquico de administração da justiça, em que a prova é entendida muito ainda como demonstração, é possível dizer que ainda há resquícios da prova legal.182

178 DAMASKA. The faces of justice and state authority, p. 50-51. PICARDI. Introdução ao Code Louis

(Ordonnance Civile, 1667), p. 137.

179 “Depois de um período no qual a escrita era virtualmente desconhecida, a prova escrita tornou-se amplamente

utilizada a partir do século XII, até mesmo num acordo entre pessoas comuns. Particularmente notável foi o uso de documentos “autênticos” – isto é, documentos “autenticados”, declarados dignos de fé, por pessoas ou instituições que tinham autoridade pública para tanto. (...) Originalmente, a prova escrita – e a fortiori autenticada – era opcional e não tinha precedência sobre a prova por testemunho”. CAENEGEM. Uma introdução histórica ao direito privado, p.195-197.

180 “Cumpre, porém, advertir que o sistema francês, mesmo em sua culminância, não chegou a implantar

plenamente o princípio da livre apreciação da prova. Somente discussões doutrinárias posteriores, travadas ao ensejo da elaboração dos ordenamentos processuais civis da Alemanha e da Áustria, em vigor respectivamente em 1879 e 1898, nos quais se introduziu a idéia fundamental da oralidade, com todas suas conseqüências (concentração, imediação, imutabilidade do juiz, livre apreciação da prova), conduziriam à definitiva superação do modelo do processo comum, de caráter escrito, diluído em inumeráveis termos, fragmentado em múltiplos pronunciamentos parciais e respectivas possibilidades de impugnação, inimigo jurado do contato direto do juiz com as partes e as provas”. ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Poderes do juiz e visão cooperativa do processo, disponível em www.mundojuridico.com.br, acesso em 03 set. 2007.

181 GIULIANI. Il concetto di prova - contributo alla logica giuridica, p. 245-246.

182 Para alguns a avaliação da prova é realmente livre talvez tão somente naqueles casos em que o julgamento é

submetido ao júri, em que a regra é a do julgamento por íntima convicção. DAMASKA. The faces of justice and state authority, p. 49, nota 3. Contudo, ressalta-se, nos processos submetidos ao júri a perspectiva de análise é diversa uma vez que não há qualquer exigência de motivação para suas decisões.

Mas esse sistema é muito mais um sistema de prova legal por exclusão do que uma prova legal com efeitos apriorísticos, ainda que, na preferência das provas, esteja o documento e a prova pré-constituída, bem como uma desconfiança quanto à prova testemunhal e a presunção simples, como reflexo do excessivo formalismo dos processos desses ordenamentos.

Hoje, em virtude das disposições do Código de Processo Civil, em especial o contido no artigo 131 a respeito da livre apreciação das provas, associado ao dever e garantia de motivação das decisões judiciais, contido no art. 93, IX da Constituição Federal, o sistema de valoração da prova, como já aqui estabelecido é o da persuasão racional ou livre convencimento motivado, pelo que não deve haver hierarquia entre provas, a exemplo da regra insculpida no artigo 436 do Código de Processo Civil. Deverá haver, tão somente,

standards para controle do juízo de fato.183

1.2.4 O Modelo Adotado e a Verdade Buscada: A Relação entre a Racionalidade de cada