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Sistemas de Prova – as Formas de Avaliação da Prova e os Conceitos de Verdade

1. SISTEMAS E MODELOS DE PROVA

1.1 SISTEMAS DE PROVA DIREITO, HISTÓRIA E REALIDADE CULTURAL

1.1.2 Sistemas de Prova – as Formas de Avaliação da Prova e os Conceitos de Verdade

Quando feito o estudo das tradições do Direito como acima explanado, é comum notar outra contraposição, relativa ao sistema de prova nelas aplicado. Fala-se em um adversary system em oposição a um inquisitorial system.Enquanto no primeiro – da tradição do Common Law - haveria a concepção do processo como uma disputa, controlada pelas partes, na presença de um juiz passivo, o segundo, corresponderia a uma estrutura de procedimento oficial, presidida e por muitas vezes controlada e impulsionada pelo juiz – própria do Direito Romano- Canônico.88

A realidade do direito probatório brasileiro, entretanto, não se pode resumir nessa contraposição. De modo geral, o direito probatório nos períodos primitivos do Direito Romano (legis actiones) é cercado de formalismos simbólicos e religiosos, convivendo o caráter formal do procedimento com recursos a poderes mágicos e decisões irracionais. Já em seu período clássico (período formulário), não havia regra limitadora da valoração da prova, tendo liberdade tanto o juiz para julgar conforme a consciência, quanto a parte para trazer todos os meios de prova. 89

Apenas com o Império e a apropriação do Direito pelo príncipe – cognitio extraordinem – a atividade probatória deixa de ser coisa das partes e passa a ser regida por regras que colocam sua introdução no processo como responsabilidade do tribunal. Nesse período se observam os primeiros limites à valoração da prova, a delineação de o que seria mais tarde a atribuição de

85 DINAMARCO, Cândido Rangel. A nova era do processo civil, São Paulo: Malheiros, 2004. p. 13.

86 GIDI. Las acciones colectivas y la tutela de los derechos difusos, colectivos e individuales en Brasil, nota do

autor, XXIX.

87 Do original “formally similar procedural devices play similar roles in different social circumstances”.

YEAZELL. Group litigation and social context: toward a history of the class action, p. 896.

88 DAMASKA. The faces of justice and state authority, p. 3.

ônus à produção da prova90 e a atribuição de efeitos próprios aos diferentes meios de prova, em um esboço do que seria séculos mais tarde a prova legal. 91

O chamado sistema ou processo inquisitório tem suas raízes no Direito Romano Imperial, quando se permitiu ao juiz iniciar o processo de ofício. Revigorou-se, na Idade Média, na Europa Continental, a partir do Concílio de Latrão de 1215, diante da necessidade de afastar a repressão criminal dos acusadores privados e alastrou-se por todo o continente europeu diante da influência do Direito Penal da Igreja. Em 1306 com a Clementina Saepe permitiu-se ao juiz investigar a verdade material de ofício.92

Mas antes da observância do processo inquisitório, a prática judiciária e sua instrução desenvolviam-se por duelos, jogos e manifestações místicas. 93 No Direito Medieval europeu, bárbaro-germânico – a primeira fase, então, do Direito Medieval – 94 por influência dos elementos bárbaros e do Cristianismo que o compunham, a prova era representada pelas ordálias, consideradas o julgamento de Deus e pelos duelos judiciários. Não se tratava de uma busca da verdade no sentido de reconstrução, mas de uma espécie de jogo de estrutura binária: o indivíduo aceita a prova ou a ela renuncia. 95

Além desses jogos, a tradição medieval trazia também outro componente à prova: “a realidade dos fatos contestados devia ser atestada pelo juramento de uma das partes, acompanhada por um número variável de co-jurantes, cuja presença não deixava de impressionar o juiz”, ao mesmo tempo que, a partir do século XIII, a confissão do acusado passou a constituir prova de valor, relevância e confiança determinantes, de modo que, na esteira de um processo inquisitivo, buscava-se obtê-la por todos os meios, inclusive a tortura; tudo isso em um esboço de prova legal. 96

A prova das ordálias começou a ser abandonada aos poucos, à medida que o processo romano-barbárico é substituído pela construção do Direito Comum na Europa, cuja formação

90 MICHELI, Gian Antonio. La carga de la prueba, trad. Santiago Sentis Melendo. Colômbia: Temis, 2004, p.

16-17

91 ALVARO DE OLIVEIRA. Do formalismo no processo civil, p. 27.

92 PERELMAN. Lógica jurídica, p. 35-37. ALVARO DE OLIVEIRA. Do formalismo no processo civil, p. 38,

TUCCI; AZEVEDO. Lições de processo civil canônico (história e direito vigente), p. 59-60. KEMMERICH. O direito processual da Idade Média, p. 109.

93 PRADO, Geraldo. Sistema acusatório – a conformidade constitucional das leis processuais penais. 4. ed. Rio

de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 83. Dentre estas, a mais usada das ordálias, era o duelo. SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e comercial. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1983., p. 18 e 22.

94 KEMMERICH. O direito processual da Idade Média, p. 108

95 FOUCAULT. A Verdade e as formas jurídicas, p. 58-61. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Duelo e

processo. In Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, ano 28, n. 112, pp. 177-185, out/dez, 2003, p. 177. SANTOS. Prova judiciária no cível e comercial, p. 18 e 22.

96 PERELMAN. Lógica jurídica, p. 35-37. Também nesse ponto cf. KEMMERICH. O direito processual da

dar-se-á a partir do séc. XII. Esse declínio é também fruto da sua condenação pela Igreja, por Gregório IX. 97

Com isso ganha novamente força a prova testemunhal, tomada de modo secreto e até violento: é a construção do sistema inquisitório. Sua característica fundamental, em verdade, está na

gestão da prova, confiada essencialmente ao magistrado que, em geral, recolhe-a secretamente. A esse sistema associa-se a idéia da ampla busca da verdade judicial sobre os fatos. 98

Falou-se em Direito Comum e sobre ele vale explicar. Tratava-se, basicamente, da edificação de um direito de bases romano-canônicas, o que se convencionou denominar de Direito Comum. Esse fenômeno teve sua origem com a criação da Universidade de Bolonha e os estudos promovidos pelos glosadores e pós-glosadores a respeito do Direito Romano justiniano – esses estudos tinham por objeto o Corpus iuris civilis, conjunto de textos recolhidos por Justiniano no séc. VI.99

O ius commune representou, de modo geral, o retrato da nova mentalidade européia no Direito. Ali, onde Estados se criavam e o feudalismo perdia força, um direito de feição centralizadora ganhou espaço. Acerca da prova e na esteira da relação entre a mentalidade de uma época e o direito, lembra Caenegem que durante

os séculos XII e XIII, o direito de prova sofreu uma transformação fundamental, passando de um sistema irracional e primitivo para um sistema racional avançado. (...) A questão, no entanto, foi inteiramente reformulada a partir de uma profunda alteração nas mentalités européias.100

97 SANTOS. Prova judiciária no cível e comercial, p.23 e 32.

98 TARUFFO, Michele, La prueba de los hechos, trad; Jordi. Ferrer Beltrán. Madrid: Editorial Trotta, 2005, p.

41-42. O processo inquisitório criminal veio substituir as práticas judiciárias duelísticas, vingativas e místicas e, fortemente influenciado pelo direito canônico, estabeleceu regras de concentração dos atos de gestão da prova unicamente em um única figura: o magistrado. A instrução deixará de ser uma disputa entre indivíduos para se tornar o inquérito, a inquisitio. FOUCAULT. A Verdade e as formas jurídicas, p. 68-69. “Todo o grande movimento cultural que, depois do século XII, começa a preparar o Renascimento, poder ser definido em grande parte como o desenvolvimento, o florescimento do inquérito como forma geral de saber. Enquanto o inquérito se desenvolve como forma geral de saber no interior do qual o Renascimento eclodirá, a prova tende a desaparecer. Dela só encontraremos os elementos, os restos, na forma da famosa tortura, mas já mesclada com a preocupação de obter uma confissão, prova de verificação. A prova [como jogo, disputa] tende a desaparecer na prática judiciária; ela desaparece também nos domínios do saber.” Idem, p.75.

99 A respeito do direito comum ver CAENEGEM, R. C. van, Uma introdução histórica ao direito privado,

tradução Carlos Eduardo Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1995, CAMPOS, Adriana Pereira. Uma introdução à História do Direito Moderno. In CAMPOS, Adriana Pereira (org.) Velhos temas, novas abordagens: historia e direito no Brasil, Coleção Rumos da História, vol. 2, Vitória: PPGHIS, 2005, HESPANHA, Antonio Manuel. Cultura jurídica européia: síntese de um milênio. 3. ed. Portugal: Fórum da Historia, 2003, GILISSEN, John. Introdução histórica do direito. 4 ed. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, GOMES DA SILVA, Nuno J. Espinosa. História do direito português: fontes de direito. 4. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2006. WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. 3. ed. – trad. A. M. Botelho Hespanha. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004.

Em virtude da necessidade de afastar a aplicação das ordálias, duelos e práticas judiciárias privadas vingativas, o Direito Medieval culto trouxe regras abstratas de valoração, ou o chamado sistema das provas legais ou prova tarifada. Havia valores atribuídos a cada espécie probatória, motivo pelo qual se falava em prova plena, semiplena, quarto de prova e indícios. Formou-se entre elas uma hierarquia, a qual estava adstrito o juiz e que determinava, portanto, a ausência de liberdade em sua decisão, vinculando-o a critérios apriorísticos e matemáticos, em um método numérico e legal. 101

Essa nova forma de ver a prova é retrato da característica sincrética do Direito Comum – com elementos de Direito Romano, Canônico, Bárbaro, que se caracterizou pela imposição da forma escrita aos atos processuais e por um processo dividido em fases ou etapas. 102 Tem por nota também a tomada secreta de provas, além, claro, dessa vinculação do juiz a regras abstratas e rígidas para sua valoração que refletem em verdade os preconceitos da época, uma concepção hierarquizada e anti-igualitária da sociedade,103 “a estrutura clássica e hierárquica da sociedade feudal e comunal, e ainda um método de pensamento tipicamente escolástico, em clara oposição ao método empírico, indutivo, “científico” que caracterizará a época moderna”. 104

Com a Revolução Francesa, que se insurgia especialmente contra os procedimentos secretos, dá-se a supressão, mesmo que ainda parcial da prova legal, uma vez que pronunciava a publicidade do procedimento, o princípio da oralidade e o processo como coisa das partes. 105

101 CAPPELLETTI, Mauro, La oralidad y las pruebas en el proceso civil, trad. Santiago Sentís Melendo. Buenos

Aires: EJEA, 1972, p. 40. Ainda: CAPPELLETTI. El proceso civil italiano en el cuadro de la contraposicion “civil law” – “common law”, p. 334-337.

102 O fim dos ordálios e a introdução de um sistema de provas baseado em valores concedidos a priori a cada

espécie probatória, deveu-se, precipuamente, à atuação do direito canônico. A esse respeito TUCCI; AZEVEDO. Lições de processo civil canônico (história e direito vigente), p. 162.

103 CAPPELLETTI. A ideologia no processo civil, p. 17 a 33. Também sobre essa relação CAENEGEM. Uma

introdução histórica ao direito privado, p. 28. “O continente optou por um sistema de “provas eruditas”: a admissibilidade de certos tipos de testemunhas (por exemplo, mulheres, parentes e servos) era regulamentada detalhadamente; e a cada elemento da prova (testemunhos diretos e circunstanciais, testemunhos acerca do réu, evidência factual, presunções, má reputação) era atribuído um valor numérico probatório. (...) O objetivo original, e sem dúvida louvável, desse sistema era salvaguardar as partes contra qualquer arbitrariedade por parte dos juízes. Ao discutira admissibilidade das testemunhas e a credibilidade da prova, a jurisprudência certamente ajudava a convencer os magistrados do valor relativo das diferentes formas de prova”. Idem, p. 106-108.

104 ALVARO DE OLIVEIRA. Do formalismo no processo civil, p. 28.

105 CAPPELLETTI. La oralidad y las pruebas en el proceso civil, p 46. ALVARO DE OLIVEIRA. Do

formalismo no processo civil, p. 44-46. Do ponto de vista legislativo, a primeira obra representativa dessas mudanças: código de Hanover de 1850, precursor da Zivilprozessordnung alemã de 1877. E a austríaca de 1895 (menos radical do que aquela de Hanover, com intenção de considerar inexistente qualquer ato não comunicado pelas partes ao juiz, oralmente).No Brasil, o Regulamento 737 ainda colocava amarras a valoração da prova pelo juiz e, mesmo com as codificações estaduais – a exemplo do Estado da Bahia – ainda havia preferência pelo processo escrito, desconhecendo a concentração dos atos, a oralidade e a identidade física do magistrado, que vieram a surgir tão só com o Código de 39.

Apesar da alteração de paradigma então produzida, hoje, ainda subsistem nos modelos jurídicos de Civil Law regras que representam os ideais da prova tarifada ou legal. Além disso, há uma indiscutível preferência pelo processo e prova escrita e mesmo os depoimentos orais são transcritos, substituindo a expressão oral pelo texto, pelo arquivo frio. 106

No Brasil, há uma série de regras que indicam essa tendência e limitam a admissibilidade de determinado meio de prova (arts. 401, 402, 145, 335 e 400, II, 333, 332) estabelecem presunções relativas (art. 319) ou determinam a eficácia de certos meios probatórios (arts. 224 e 1543 do Código Civil e arts. 364, 365 e 378 do Código de Processo Civil). 107

Mais grave ainda é que, além da existência de regras legais assim representativas, a própria mentalidade dos juízes, em razão de fatores de ordem cultural, também traz esses resquícios, e suas decisões reproduzem os entendimentos vinculantes e violadores do livre convencimento de que “a confissão, a perícia ou documentos houvessem de prevalecer sempre sobre os demais tipos de prova.” 108

Porém a realidade do sistema de avaliação probatória hoje, dito sistema da persuasão

racional, dentro do Estado Democrático Constitucional pressupõe que o convencimento do juiz é livre e, via de regra, não existirão tarifas às provas, estando a atividade decisória vinculada tão somente ao respeito às garantias constitucionais e princípios de conteúdo processual, a serem analisados no segundo capítulo deste trabalho. 109

Do mesmo modo como própria de cada sistema é dada forma de prova e de avaliação, esses trouxeram também um conceito próprio de verdade. Michelle Taruffo acentua que o conceito

106 DAMASKA. The faces of justice and state authority, p. 49, nota 3. “Legalistic attitudes mandated that the

cogency of evidence not be left for the adjudicator freely to determine. (…) Contrary to what is often said, even today the Continental “free evaluation of evidence” is not really free: as befits the hierarchical process, trail judges are required to justify their findings of fact, and the cogency of their reasoning is scrutinized by appellate courts. Clearly, if there were no regularities to be observed in finding facts, appeals for “factual error” would be deprived of any basis”. Idem, p. 55.

107 Alguns artigos que representam resquícios de prova legal: art. 302, 329, 334, IV IV, 343, 359, 364, 366, 368,

369, 373, 376, 378, 379, 401, 405. A esse respeito ver POZZA, Pedro Luiz. Sistemas de apreciação da prova. : KNIJNIK, Danilo (coord.). Prova judiciária: estudos sobre o novo direito probatório. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Livre apreciação da prova: perspectivas atuais. Disponível na internet em (www.mundojuridico.adv.br), acesso em 27 abr. 2007.

108 ALVARO DE OLIVEIRA. Livre apreciação da prova: perspectivas atuais.

109 A esse respeito, cf. KNIJNIK, Danilo. Os standards do convencimento judicial: paradigmas para o seu

possível controle. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 353, n. 353, p. 15-52; PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006; POZZA, Pedro Luiz. Sistemas de apreciação da prova. In KNIJNIK, Danilo (coord.). Prova judiciária: estudos sobre o novo direito probatório. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007; ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Livre apreciação da prova: perspectivas atuais. Disponível na internet em (www.mundojuridico.adv.br), acesso em 27 abr. 2007.

de verdade dos fatos no processo é altamente problemático e produz relevantes complicações e incertezas no plano da definição do papel da prova no processo.110

O processo inquisitivo trouxe consigo o conceito de verdade real. Com a gestão da prova confiada exclusivamente ao magistrado, justificava-se a persecução da verdade, com a utilização de todos os meios possíveis. Aqui, nesse período, a verdade é ambiciosamente concebida como uma verdade objetiva ou absoluta. 111 Mas, abandonado o sistema inquisitivo e a prova legal, não é possível mais falar em conceitos como a verdade real, ou verdade material em oposição à verdade formal.

O conceito então formulado é equivocado e sua oposição à verdade formal inaplicável. Verdade e realidade não se confundem, nem se tocam. Uma é noção ideológica, como produção do intelecto do sujeito cognoscente; outra é materialidade, externa ao sujeito; são, então, produzidas – ou ocorridas – em meios essencialmente diferentes. 112

Nem mesmo se sustenta uma verdade judicial completamente distinta e autônoma da verdade

tout court e a admissão de que essa última somente seria possível de se encontrar nos processos penais, tudo isso baseado somente no fato de que a verdade formal (processual) é determinada pelo processo e por meio das provas. O que de fato ocorre é que a existência de limites e regras jurídicas de natureza própria da investigação levada a efeito no processo serve a excluir a possibilidade de obter verdades absolutas, mas essas também não se obtêm fora dele. 113

Toda verdade é relativa, determinada pela própria condição humana, que é limitada em diversos aspectos. No processo essa relatividade é dada como maior aproximação possível de ser alcançada diante das provas dos autos, observada a disciplina legal e constitucional da

110 TARUFFO. La prueba de los hechos, p. 24.

111 PRADO. Sistema acusatório, p. 78-88; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da prova no

processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 121.

112 BATISTA, Francisco das Neves. O Mito da verdade real na dogmática do processo penal. Rio de Janeiro:

Renovar, 2001, p. 09. Há ainda os que denominam-na verdade material, substancial ou objetiva. Mas tal solução em nada muda a existência de equívoco na terminologia. Matéria e substância são palavras cuja referência trata, senão sempre, mas constantemente, da concretude de um ser ou objeto. O uso da denominação verdade objetiva, por seu turno, traz uma contradição. Afinal, a verdade tem caráter subjetivo - a relação entre verdade e sujeito implica um conhecimento perspectivo, parcial, com a nota de subjetividade própria de cada indivíduo cognoscente. Denominá-la objetiva transmite a idéia de que ela possa existir como se emanada do objeto, fiel e exatamente a ele correspondente. E assim não ocorre: é, inadvertidamente, produção do intelecto do sujeito. Idem, p. 09 e 37.

prova e do processo, limitada por critérios justos, guiada pela pretensão de correção do processo – a justiça da decisão, observada a razão prática procedimental. 114

Chegou-se, aqui, em um ponto crítico: o sistema hoje é o da persuasão racional, segundo o qual a prova será gerida e avaliada de forma livre, vinculada sua produção e avaliação a regras de procedimento e não a valores. A verdade é relativa e processual e sua busca tem limitação, pelo que será entendida, como será visto a seguir, como juízo de aproximação, de probabilidade e verossimilhança.

Entretanto, o que determina ter havido prova suficiente a criar esse juízo de aproximação e, na tensão entre a efetividade e segurança, estar atendida a justiça do caso?A solução estaria na disciplina dos modelos de constatação ou standards de controle do juízo de fato, 115cuja função é a de tornar mais objetiva a “análise do convencimento judicial à luz da razão prática, da lógica do discurso, da teoria da argumentação”.116 A partir deles, são estabelecidos graus de corroboração das proposições e, ao mesmo tempo, é determinado qual o nível (grau) suficiente para considerar provada a proposição dentro do processo. 117

Por modelos de controle do juízo de fato (ou standards, critérios etc.) provisoriamente definimos enunciações teóricas capazes de ensejar o controle da convicção judicial objeto de uma determinada decisão. Por seu intermédio, ao invés de os partícipes de uma relação processual simplesmente pretenderem a prevalência de uma convicção sobre a outra (p. ex., a do Tribunal sobre a do Juiz; a do autor sobre a do réu etc.), cria-se um complexo de regras lógicas de caráter auxiliar, capazes de estabelecer um arsenal crítico comum para o debate acerca da convicção.118

Seriam eles, em ordem decrescente de grau probabilístico: preponderância de provas, prova clara e convincente e prova além da dúvida razoável. Em tese, o primeiro aplicável aos processos civis e o último próprio do processo penal. O critério para essa distribuição pode

114 “Não podemos falar em duas verdades, uma processual, e uma extraprocessual. A verdade obtenível pelo

homem é uma só, e relativiza-se à medida da própria imperfeição humana, e das circunstâncias do tempo e do lugar onde se dá a investigação sobre a verdade” AMARAL. Verdade, justiça e dignidade da legislação, p. 134. Também nesse sentido, ZANETI JR. Processo constitucional, p. 171.

115 A respeito do assunto, por todos conferir KNIJNIK, Danilo. Os standards do convencimento judicial:

paradigmas para o seu possível controle. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 353, n. 353, p. 15-52, 2001. KNIJNIK, Danilo. A prova nos juízos cível, penal e tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2007, ROSITO, Francisco, Prova e os modelos de constatação na formação do juízo de fato. Revista de processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 28, n. 157, pp. 51-71, abr/jun, 2008, BALTAZAR JUNIOR, José Paulo, Standards