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2. A PROVA NO PROCESSO COLETIVO APLICAÇÃO DA TEORIA DOS

2.1 PRINCÍPIOS DO DIREITO PROCESSUAL E SUA REINTERPRETAÇÃO NO

2.1.2 O Princípio do Contraditório

Para falar de contraditório e traçar a sua atual configuração é preciso, antes, fazer algumas considerações a respeito do princípio do acesso à justiça. É de tal maneira importante justamente pelo fato de que a própria noção de direitos coletivos nasce para garantir o acesso à justiça de situações que antes não encontravam guarida no judiciário. Ademais, entendendo- o de modo mais preciso e mais específico e tendo por subprincípio a idéia de máxima efetividade ou acesso eficaz à justiça, ele se torna fundamental ao estudo da prova. Isso porque, a violação ao direito à prova, em qualquer nível, é verdadeira violação ao acesso à justiça, uma vez que poderá comprometer a própria utilidade da tutela judiciária.282

É certo que hoje, os novos paradigmas processuais, as mudanças de interpretação e as reformas dão-se, especialmente, em razão da tensão entre efetividade e segurança. E diferente não é com a prova. Contudo, alguns fatores, na conjuntura atual acabam por determinar “maior prevalência do valor da efetividade sobre o da segurança” e, como cita a doutrina, um desses fatores é “a mudança qualitativa dos litígios trazidos ao Judiciário, numa sociedade de massas, com interesse de amplas camadas da população, a tornar imperativa uma solução mais rápida do processo e a efetividade das decisões judiciais”.283

281 DIDIER JR; ZANETI JR. Curso de direito processual civil, p. 311.

282 KNIJNIK, Danilo. As (perigosíssimas) doutrinas do ônus dinâmico da prova e da situação de senso comum

como instrumentos para assegurar o acesso à justiça e superar a probatio diabólica. In FUX, Luiz et alli (coord.) Processo e Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 943. No mesmo sentido SOARES, Fabio Costa. Acesso do consumidor à justiça: os fundamentos constitucionais do direito à prova e da inversão do ônus da prova. Rio de Janeiro: Lumen Juris: 2006.

Inseridos no contexto do Estado Democrático de Direito, efetividade e acesso a justiça só se observam com a garantia de uma “completa “igualdade de armas”.284 Destaque, conseqüentemente, deve ser dado ao princípio da participação.

Na sistemática processual essa participação é identificada, principalmente, pela aplicação do princípio do contraditório. Contudo, em matéria de processos coletivos, a extensão do princípio não se encerra aí. Neles deve se pressupor que, além da amplitude participativa do debate judicial, desenvolvida por meio do contraditório, o direito à participação resolve-se pelo próprio processo. Ora, isso quer dizer que a permissão de acesso à justiça pelos cidadãos utilizadas as ações coletivas e populares é “autêntica via de participação popular”, é representação da democracia participativa e “incremento da participação direta no poder e na vida social”. 285

Em relação, agora, à participação no processo como atuação das partes e do juiz, é de se ressaltar que, no formalismo-valorativo, essa participação envolve: “distribuição dos poderes, faculdades e deveres, das partes e do juiz, a ordenação e a disciplina do procedimento, o dever de colaboração e cooperação das partes e do juiz”.286

Afinal, se processo é procedimento em contraditório, com Fazzalari, todo estudo do processo deve levar tal princípio em consideração. Nos processos coletivos o respeito ao contraditório toma formas importantíssimas. Afinal, em razão da legitimação por substituição processual, os titulares do direito coletivo lato sensu, não se apresentam em juízo.

Inexistente uma análise judicial da adequada representação287, a fim de evitar o conluio entre partes, buscar sempre a máxima efetividade da tutela coletiva e orientado pelo interesse em uma sentença que analise verdadeiramente o mérito, deve-se garantir o total respeito à

284 CAPPELLETTI; GARTH. Acesso à justiça, p. 15.

285 MARINONI, Luiz Guilherme, Curso de processo civil, vol. 1 - teoria geral do processo, São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2006, p. 429. PASSOS, J. J. Calmon de. Processo e Democracia. GRINOVER, Ada Pellegrini et alli (coord.), Participação e processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988.

286 DIDIER JR.; ZANETI JR. Curso de direito processual civil, 2008, p. 116.

287 Nos processos coletivos das class actions o devido processo legal, no seu particular aspecto de direito a ser

ouvido em juizo, é representado pela regra da adequada representação. “En las class actions, se considera que los miembros del grupo serán oídos y estarán presentes em juicio a través de la figura del representante, que funciona como uma espécia de “portavoz” de los intereses de grupo. El derecho de ser ouvido em juicio se reduce entonces al derecho de ser oído a través del representante”. GIDI, Antonio, Las acciones colectivas en Estados Unidos. In GIDI, Antonio. MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer, Procesos Colectivos, - la tutela de los derechos difusos, colectivos e individuales en una perspectiva comparada, 2. ed. Cidade do México: Porrúa, 2004, p. 6.

igualdade (substancial) de armas e oportunidades entre as partes no processo,288 ao contraditório.

O alcance do princípio do contraditório, hoje, vai muito além do que se construiu ao longo da história. Retoma parte de sua origem, em que considerado imanente ao próprio processo e deixa de lado sua concepção positivista, que dele retirou seu conteúdo ético, ideológico e axiológico e que, não raro, colocou-o em papel de categoria secundária.Referida concepção, tomada pelo princípio nos anos 30, nada tem com aquela clássica e, ao considerar que uma nulidade em relação a esse não afeta o fim do processo, acabou por fazer o princípio “afundar”. 289 Até então, o contraditório estava vinculado à atividade das partes e não se estendia ao atuar do magistrado, em uma redução do alcance da garantia.290

Na ciência processual dos dias atuais, busca-se a recuperação da “idéia clássica do contraditório e, portanto, uma sua utilização como núcleo central do processo”. Com a retomada do pensamento clássico, tópico-retórico, retomou-se, também, o interesse pelo “mecanismo de formação do juízo e, antes de tudo, pelo contraditório e pela colaboração das partes na pesquisa da verdade” e a elevação do princípio do contraditório à garantia constitucional,291 a “valor-fonte” que direciona a convergência de toda a prática jurídica processual. 292

Além da visão de ser ele o direito a uma audiência jurídica, o direito a ser ouvido, respondendo aos argumentos da parte contrária, a extensão do princípio hoje é ainda maior, e compreende a noção de direito e de dever. Direito que é muito mais do que reação a posições desfavoráveis, mas também direito de influência.293 Desse modo, entende-se que o objetivo central da garantia não é a defesa como reação, resistência ou oposição, ou a defesa em sentido negativo, “mas sim a “influência” entendida como Mitwirkunsbefugnis ou

288 MARCATO. O Princípio do contraditório como elemento essencial para a formação da coisa julgada material

na defesa dos interesses individuais, p 299.

289 PICARDI, Nicola, Il principio del contraddittorio, Rivista di diritto processuale, anno 53, n.3, pp. 673-681,

1998, p. 674. “Nel diritto comune, la manipolazione di qualche texto sacro, aveva permesso di elevare Il contradittorio a símbolo dei diritti naturali. (...) Ancora nell´800, nella letteratura europea, si soleva ripetere che Il contraddittorio trova il suo fondamento in un “principio de ragione naturale”; lo si ricollegava alla natura delle cose e lo si considerava, quindi, “immanente” al processo stesso”. Idem, p. 677. ‘’il difetto del contraddittorio può pregiudicare, ma non pregiudica in ogni caso lo scopo del processo”.

290 ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto, O juiz e o princípio do contraditório. In Revista de Processo, São

Paulo: Revista dos Tribunais, ano 18, n. 71, p. 31-38, jul./set. 1993, p. 31.

291 PICARDI. op. cit., p. 677. “un recupero dell’idea classica di contraddittorio e, quindi, una sua utilizzazione

quale nucleo centrale del processo”. Continua o autor, “dell’interesse del giurista per i mecanismi de formazione del giudizio e, primo fra tutti, per Il contraddittorio e la collaborazione delle parti nella ricerca della verità”.Idem, p. 678.

292ZANETI JR. Processo constitucional, capítulo 4, especialmente p. 194.

293 CABRAL, Antonio do Passo, Il principio del contraddittorio come diritto d’influenza e dovere di dibattito,

Einwirungsmölichkeit, ou seja, como direito ou possibilidade de influir ativamente sobre o desenvolvimento e o resultado da demanda”.294

Compreender o contraditório como direito de influência além de direito de expressão, faz surgir verdadeira vinculação do juiz ao princípio e um dever de atenção de sua parte, no sentido de instaurar um verdadeiro debate judiciário sobre as questões discutidas no processo. Desse modo, a decisão que apresenta apenas a tese da qual derivou a fundamentação pode até atender a pressupostos lógicos de racionalidade, mas não respeita as exigências político- jurídicas, não sendo considerada efetivo respeito ao princípio.295

O contraditório, assim entendido, representa a expressão da democracia deliberativa e participativa do processo, além de representar a dimensão discursiva desse. Afinal, ao examinar todas as teses, a decisão atesta ter sido “condicionada ao discurso” judicial, condição que será atestada por meio da motivação judicial, também princípio constitucional do processo.Por isso, se diz que a possibilidade de participação deve ser real e não só formal, de modo a atender ao princípio da igualdade substancial. 296

Inserido na concepção de direito de influência e dever de debates, o verdadeiro respeito ao princípio aqui discutido só se observa com a adoção de medidas que impeçam a surpresa aos litigantes. Por esse motivo se interpreta o princípio e diz-se ter ele como conseqüência uma proibição do juízo cível de “terza via”,297 por impedir que o juiz aplique, em sua decisão, visão jurídica não discutida no processo.

Ou, ainda, de acordo com a doutrina brasileira, a proibição da surpresa, baseada na idéia de que o processo não é um monólogo, mas tem dinâmica dialética e, portanto, sua decisão não pode se apoiar em visão jurídica de que as partes não tenham se dado conta ou que tenha sido por elas considerada insignificante. Quando esse o caso, “o tribunal deve dar conhecimento de

294 MARINONI, Luiz Guilherme, Novas linhas do processo civil, 4. Ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 260. 295 MARINONI. Novas linhas do processo civil, p. 261.

296 A expressão é de CABRAL. Il principio del contraddittorio come diritto d’influenza e dovere di dibattito, p.

457, no original “comunque la decisione è stata condizionata dal discorso”. Ainda no tema, “se é verdade que democracia quer dizer, antes de mais nada, participação, e se também é verdade que o fenômeno mais típico do processo é a existência de um procedimento destinado a assegurar às partes o direito de participar da formação do judicium, não se pode conceber como verdadeira jurisdição aquela em que a parte esteja privada dos meios necessários para participar de forma efetiva. Um processo em que a parte não possa participar efetivamente configura um atentado contra tudo aquilo que se tem de mais essencial no processo jurisdicional”.. MARINONI.

Novas linhas do processo civil, p. 252.

297 MONTESANO, Luigi, La garanzia costituzionale del contraddittorio e i giudizi civili di “terza via”, Rivista di

diritto processuale, anno 55, n.4, pp. 929-947, 2000, p. 930. “non solo siano garantiti a queste il contradittorio e la difesa di fronte a provvedimenti del giudice contrari alle loro richieste, ma pure, all´interno dell´iter formativo del provvediento in tutto o inparte conclusivo del processo e incidente sui contrapposti interessi sostanziali, come strumento essenziale, fra l’altro, a che il giudice sia “terzo e imparziale”.

qual direção o direito subjetivo corre perigo”. Como conseqüência, da sentença só poderão constar como fundamentos os “fatos sobre os quais as partes tenham tomado posição.” 298 Desse modo, mesmo quanto a questões apreciáveis de ofício, há um dever de comunicar às partes para se manifestarem sobre fato que o magistrado venha a apreciar sem que tenha havido iniciativa da parte. O raciocínio é no sentido de que, se não pôde a parte manifestar-se acerca de fato que o juiz conheceu de ofício, não houve poder de influenciar na decisão, motivo pelo qual restará violada a garantia. Isso porque “poder agir de ofício é poder agir sem provocação, sem ser provocado para isso; não é o mesmo que agir sem provocar as partes. Este poder não lhe permite agir sem ouvir as partes” 299

Essa perspectiva muito importará ao estudo da prova nos processos coletivos quando da análise do ônus probatório, sua distribuição e inversão, uma vez que neles a igualdade substancial depende de se equalizar uma relação que, fora do processo é desigual. Também porque, reconhecidas as diferentes necessidades dessa espécie de processo e a evidente desigualdade entre os litigantes da maioria deles, necessárias são alterações na balança a fim de garantir a verdadeira igualdade e o contraditório efetivo.

E não é só. A situação merece cuidados ainda maiores. Em sede de ônus da prova - como será tratado em tópico próprio - o juiz deverá dirigir os trabalhos de forma a não surpreender as partes com sua distribuição, quando utilizado como regra de julgamento, sem que essas tenham oportunidade de exercer o direito à prova em sua plenitude.