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2. A PROVA NO PROCESSO COLETIVO APLICAÇÃO DA TEORIA DOS

2.1 PRINCÍPIOS DO DIREITO PROCESSUAL E SUA REINTERPRETAÇÃO NO

2.1.1 O Microssistema do Direito Coletivo

Nessa segunda ordem de premissas, referentes aos princípios informadores do processo coletivo, deve-se partir, obviamente, da sistemática aplicada às leis do processo coletivo. Com

270 ALVARO DE OLIVEIRA. Do formalismo no processo civil, p. 8-9.

271 ALMEIDA. Codificação do direito processual coletivo brasileiro, p. 138-139, nota 31. O autor mineiro vê no

período “a nova fase a ser implantada do garantismo-constitucional processual fundamental não nega a metódica pluralista e aberta conquistada pela fase instrumentalista, mas pretende redirecioná-la e revisitá-la com base nas duas premissas anteriores, quais sejam: o direito processual é que é uma instituição constitucionalizada; o seu estudo, a sua reforma legislativa, a sua interpretação e aplicação têm de ter como guia condutora a teoria dos direitos e garantias constitucionais fundamentais e interpretações dela decorrentes”. Idem, p. 140.

272 VERDE, Giovanni. Profili del processo civile. 6a. ed. atual., vol 1. Napoli: Jovene, 2002, p. 3 e 6.

273 CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça como programa de reformas e método de pensamento, trad. Hermes

Zaneti Jr.. Cadernos de Direito Processual - teoria geral do processo civil constitucionalizado, n. 2, Vitoria: Heliograf, 2008, p. 375-394.

isso, faz-se clara referência ao que se convenciona denominar de microssistema do direito coletivo. 274

Ao contrário dos Códigos brasileiros, influenciados pela era da codificação européia e pelos ideais liberais e iluministas, de cunho evidentemente individualista, a realidade da sociedade de massas trouxe necessidades próprias e, especialmente, a necessidade de superação dessa verve do processo individual, bem como de qualquer codificação que se pretenda rígida e abrangente de todos os pontos referentes à matéria nela tratada.

Por isso, a sistemática do processo coletivo é representativa da era da descodificação275, com o surgimento de leis esparsas tratando de mesma matéria, sem, contudo, possuir pretensões de exaustão do tema e com o reconhecimento da impossibilidade de regulamentação de toda a matéria de direito em um único documento legislativo.

Como tal, possui princípios próprios que levam, especialmente, a uma interpretação aberta – com normas interpretáveis, com espaço de manobra -, diferente da sistematização fechada dos códigos, vistos como completos e únicos.

Fala-se, então, no microssistema do processo coletivo - composto, especialmente, pelas seguintes leis: Lei de Ação Popular – Lei no. 4717/65, Lei de Ação Civil Pública – Lei no. 7347/85, Código de Defesa do Consumidor – Lei no. 8078/90, dentre outras como a Lei de Improbidade Administrativa - Lei no. 8429/92, o Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei Lei no. 8069/90 e o Estatuto do Idoso - Lei no. 10741/2003.

Por possuir inteligência, lógica e princípios próprios permite apenas a aplicação residual do Código de Processo Civil, tão somente, então, na existência de omissão daquele, na ausência de “paradigma legal dentro do conjunto de normas do microssistema coletivo” e apenas, portanto, quando não contrariar o sentido e os princípios daquele. 276 Não se diz, assim, de uma aplicação subsidiária.277

274 MAZZEI. A ação popular e o microssistema da tutela coletiva, p. 413. DIDIER JR; ZANETI JR. Curso de

direito processual civil, p. 49.

275A esse respeito conferir IRTI, Natalino. L’età della decodificazione, 4a ed. Milano: Giuffrè, 1999. 276 MAZZEI. A ação popular e o microssistema da tutela coletiva, p. 413.

277 ALMEIDA. Codificação do direito processual coletivo brasileiro, p. 67. O autor mineiro fala então na

necessidade de uma “regra da exigibilidade de compatibilidade necessária para a aplicação subsidiaria do CPC no direito processual coletivo comum”. Para ele a aplicação subsidiária somente é possível se não ferir as disposições dos diplomas do microssistema - compatibilidade formal – nem impedir ou colocar em risco a devida efetividade da tutela jurisdicional coletiva – compatibilidade substancial ou teleológica. Diz mais, também somente é admitida até que seja editado eventual Código de Processos Coletivos.

A conceituação de um microssistema de processo coletivo não se afigura tão somente no plano da doutrina processual, tendo sido expressamente reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça, em acórdão da relatoria do Min. Luiz Fux.278

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

8. A lei de improbidade administrativa, juntamente com a lei da ação civil pública, da ação popular, do mandado de segurança coletivo, do Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Idoso, compõem um microssistema de tutela dos interesses transindividuais e sob esse enfoque interdisciplinar, interpenetram-se e subsidiam-se.

(REsp 510150/MA, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/02/2004, DJ 29/03/2004 p. 173)

Criticável, portanto, a regra do CBPC-IBDP (art. 49) 279que manda aplicar subsidiariamente o Código de Processo Civil ao processo coletivo, sem estabelecer, contudo, regras limitadoras claras dessa aplicabilidade. Afinal, por se tratar de um código liberal individualista, sua aplicabilidade não pode ser tida por subsidiária, nem mesmo ser permitida sem a limitação necessária ao processo coletivo, sem que isso acarrete danos à proteção dos direitos coletivos. A aplicação deve ser residual e não subsidiária. A interpretação de regras processuais coletivas e a criação de um Código de Processos Coletivos devem acompanhar o modelo constitucional do Direito Processual, rompendo, então “com as amarras decorrentes da aplicabilidade subsidiária do CPC”.280

Também merece críticas a regra agora veiculada pelo art. 71 da Reforma da Lei de Ação Civil Pública, que revoga a Lei de Ação Civil Pública e do Título III do Código de Defesa do Consumidor – previsão também carreada no CBPC-IBDP. Os dispositivos caminham no sentido contrário da exegese do microssistema, valendo-se do processo civil individual não de forma residual, mas como primeiro recurso, como a primeira classe de normas a ser utilizada. Estabelecer a noção de pertencerem os processos coletivos a um microssistema com metodologia própria e diversa do processo civil tradicional importa ao estudo de vários dos institutos objeto deste trabalho. Na disciplina da coisa julgada, por exemplo, o regramento trazido pelo Código de Defesa do Consumidor não permite a aplicação das regras tradicionais do Código de 1973. Também no que concerne ao ônus da prova, haverá tratamento próprio que implicará nova interpretação das regras tradicionais e não irá admitir a leitura do art. 333

278 RESP 510150/MA, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, j. 17.2.2004, DJU, de 29.3.2004, p.173.

279 Art. 49 Aplicação subsidiária do Código de Processo Civil – Aplicam-se subsidiariamente às ações coletivas,

no que não forem incompatíveis, as disposições do Código de Processo Civil, independentemente da Justiça competente para o processamento e julgamento.

senão à luz de princípios próprios do processo cooperativo. 281 Tudo isso como será visto adiante no texto.

Fixada a idéia de microssistema e lembrando a conformação constitucional do processo antes citada, importa tratar dos princípios a ele aplicáveis, mais especificamente daqueles princípios que acabam por informar a análise do regime da prova nos processos coletivos: princípio do contraditório, ativismo judicial, a instrumentalidade das formas e o interesse jurisdicional no conhecimento do mérito do processo coletivo e a cooperação.